Opinião

Projeto de Lei 4.850/16 foi aprovado de forma traiçoeira e oportunista

Autor

  • Rodrigo Dall'Acqua

    é advogado criminalista sócio do escritório Oliveira Lima Hungria Dall’Acqua & Furrier Advogados e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

2 de dezembro de 2016, 20h14

Em 1962, durante a “crise dos mísseis”, quase teve início a apocalíptica 3ª Guerra Mundial. Apesar de toda a tensão da Guerra Fria, americanos e russos não apertaram o botão vermelho e nenhuma bomba foi disparada. No convulsionado Brasil de hoje, toscamente dividido entre “coxinhas e petralhas”, dentre outras polarizações, o conflito já começou, e os mísseis estão em pleno ar.

O primeiro disparo veio por meio das dez medidas contra a corrupção. Um projeto de lei que mutilava o Habeas Corpus, prestigiava a prova ilícita e turbinava a prisão preventiva. Pacote que, apesar do nome, emprestava seus efeitos não só para a corrupção, mas para todos os demais crimes. A maioria das medidas impõe duras restrições a direitos fundamentais e são completamente desnecessárias. A "lava jato" é a prova viva de que o sistema penal brasileiro se encontra plenamente capacitado, no plano legislativo, para investigar e punir o crime. Não precisamos de leis mais rígidas.

O contra-ataque foi ainda pior. O Congresso Nacional planejou sua reação na calada da noite. Mas não numa noite qualquer. Escolheu aprovar o Projeto de Lei 4.850/16 justamente na madrugada em que o Brasil e o mundo choravam o trágico acidente do avião fretado pela Chapecoense. O texto aprovado não guarda coerência alguma com a redação original, diversos temas foram incluídos de última hora. Sem nenhum debate com a sociedade ou esboço de uniformidade temática, os congressistas usaram o Direito Penal em prol do terrorismo legislativo, lançando mão de tipos penais absolutamente abertos, abstratos e descabidos.

Segundo o Projeto de Lei 4.850/16, um magistrado será considerado um criminoso e ficará preso por até dois anos se “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”. O mesmo tempo de cadeia será reservado ao membro do Ministério Público que “recusar-se à prática de ato que lhe incumba” ou for “patentemente desidioso no cumprimento de suas atribuições”. Violar prerrogativas do advogado também foi criminalizado. Um membro do Poder Judiciário, do Ministério Público ou autoridade policial, inclusive seus servidores, poderá ir para a prisão se violar o direito do advogado “exercer, com liberdade, a profissão”, e, pior, essa pouco compreensível conduta é criminalizada também na modalidade culposa (negligência, imprudência ou imperícia).

O Projeto de Lei 4.850/16 possibilita, para todos esses abstratos crimes, que membros da sociedade possam propor ação penal de iniciativa privada subsidiária em caso de inércia do Ministério Público. Ou seja, isso pode soar positivo para aqueles que querem possuir o direito e o poder de processar criminalmente os agentes públicos, certo? Errado. Porque no mesmo projeto também se criou um crime, com a mesma pena de dois anos, para punir quem propõe ação contra agente público “de maneira temerária”.

Ou seja, a Câmara dos Deputados aprovou um verdadeiro salve-se quem puder nas relações jurídicas: tudo pode ser considerado crime e todos podem processar todos. É o mesmo que, a pretexto de reforçar a segurança pública, entregar uma pistola na mão de cada cidadão.

O Brasil precisa discutir a responsabilização dos agentes públicos, mas sem o uso descabido e exagerado do Direito Penal. O Projeto de Lei 4.850/16 foi aprovado de forma traiçoeira e oportunista, sem a adequada transparência ou debate com a sociedade. Como consequência, contempla a criação de uma multiplicidade de tipos penais bizarros, excessivamente abertos, sem nenhuma técnica legislativa, que só prestam para promover a insegurança jurídica. Nesse conflito em que o combate se dá por meio de emendas e incisos, quem sofrerá as consequências é a sociedade e a Justiça.

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    é advogado criminalista, sócio do escritório Oliveira Lima, Hungria, Dall’Acqua & Furrier Advogados e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

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