Dinheiro de lobista

STF aceita denúncia e Renan Calheiros torna-se réu por peculato

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1 de dezembro de 2016, 19h38

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tornou-se réu nove anos depois de ter sido acusado de usar recursos de um lobista para pagar as despesas de uma filha que teve fora do casamento com a jornalista Mônica Veloso. A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta quinta-feira (1º/12), por 8 votos a 3.

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Presidente do Senado é acusado de usar dinheiro de lobista para pagar despesas de uma filha que teve fora do casamento.

Segundo a denúncia, Mônica teria recebido R$ 16,5 mil mensais entre janeiro de 2004 e dezembro de 2006. O caso foi revelado em 2007, e, à época, as denúncias fizeram Renan Calheiros renunciar à Presidência do Senado. Com a decisão, o parlamentar é o primeiro presidente do Senado a se tornar réu na história do Brasil.

Seguindo voto do relator do caso, ministro Edson Fachin, a corte, além de aceitar a denúncia por peculato, entendeu que as acusações de falsidade ideológica e uso de documento falso prescreveram em 2015, oito anos depois de a infração ter sido cometida. O parlamentar também foi acusado de ter adulterado documentos para justificar os pagamentos pelo lobista.

O presidente do Senado é investigado em outros 10 inquéritos que tramitam no STF. Além da denúncia aceita nesta quinta-feira pela corte, há outro pedido de investigação não despachado pelo relator, ministro Teori Zacascki.

Documentos particulares ou públicos
De acordo com Fachin, as provas apresentadas no processo mostram que há indícios de que Renan Calheiros usou notas fiscais para mascarar desvios de verba indenizatória do Senado para simular os contratos de prestação de serviços de locação de veículos.

“A denúncia imputa ao acusado a celebração de mútuo fictício com a empresa Costa Dourada Veículos para fim de, artificialmente, ampliar sua capacidade financeira e justificar perante o Conselho de Ética do Senado capacidade de arcar com o pagamento de pensão alimentícia”, disse o ministro.

Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e presidente do STF, Cármen Lúcia, também acompanharam o voto do relator pelo recebimento parcial da denúncia. Apesar de acompanhar o relator, o ministro Teori Zavascki disse que a denúncia apresentada pelo Ministério Público "não é um modelo de denúncia" e disse que "os indícios são precários e estão no limite".

O ministro, que é relator da operação “lava jato”, também disse que a corte não pode ser responsabilizada pela demora no julgamento do processo. “Dos 100 inquéritos que tenho aos meus cuidados envolvendo pessoas com prerrogativa de foro, 95 não estão em meu gabinete e cinco estão de passagem, e apenas dois dependem de exame de recebimento da denúncia. O Supremo é juiz, não é investigador, não é ele que busca a prova, ele que julga.”

O ministro Luiz Roberto Barroso votou diferente do relator, aceitando a denúncia em relação aos três crimes. “Considero como documentos públicos um número maior do que o relator considerou”, disse Barroso para justificar sua decisão. Os crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso só estariam prescritos se os documentos que embasam essas acusações forem considerados particulares.

"Criação mental" e “certa criatividade"
Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram pela rejeição total da denúncia por entenderem que não há indícios para o recebimento da denúncia. Toffoli considerou as acusações como "criação mental" do Ministério Público.

"Não se logrou na investigação provar que o serviço [da locadora de veículos] não foi prestado, mas como não houve trânsito de valores em contas bancárias, [se] deduz que o serviço não foi prestado para o recebimento da denúncia.", criticou Toffoli.

Lewandowski também criticou a falta de provas na denúncia disse que "houve certa criatividade" por parte da PGR. "Por mais contundentes que sejam os indícios de prática criminosa, o inquérito não pode se transformar em instrumento de devassa na vida do investigado, como se todos os atos profissionais e sociais por ele praticados ao longo de anos fossem suspeitos ou merecessem esclarecimentos. A denúncia deve ser objetiva."

Já Gilmar Mendes disse que a PGR deveria ter "honestidade intelectual" de pedir o arquivamento. "Nós temos um clássico caso de inépcia, já reconhecido pelo relator [Fachin], quando disse que [a prova] está na zona limítrofe, na franja."

Linha sucessória
Renan Calheiros é o segundo na linha sucessória presidencial, atrás apenas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Foi justamente essa posição na sucessão do presidente da República o argumento usado pelo Supremo Tribunal Federal para afastar Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados, atualmente ocupada por Maia.

À época, Cunha era acusado de quebra de decoro. Depois, tornou-se réu pela segunda vez por supostamente enviar dinheiro à Suíça sem o conhecimento do Fisco brasileiro. Na liminar concedida antes da análise do caso pelo Plenário, o ministro Teori Zavascki ressaltou que, para ocupar a Presidência da República, o presidente da Câmara deve preencher os “requisitos mínimos” estabelecidos pela Constituição para o exercício do cargo. Entre eles, não ser réu em processos penais no Supremo.

“Ao normatizar as responsabilidades do presidente da República, o texto constitucional precatou a honorabilidade do Estado brasileiro contra suspeitas de desabono eventualmente existentes contra a pessoa investida no cargo, determinando sua momentânea suspensão do cargo a partir do momento em que denúncias por infrações penais comuns contra ele formuladas sejam recebidas pelo Supremo Tribunal Federal”, disse o ministro.

“Diante dessa imposição constitucional ostensivamente interditiva, não há a menor dúvida de que o investigado não possui condições pessoais mínimas para exercer, neste momento, na sua plenitude, as responsabilidades do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, pois ele não se qualifica para o encargo de substituição da Presidência da República, já que figura na condição de réu no Inq. 3.983, em curso neste Supremo Tribunal Federal”, complementou.

Mas há uma diferença entre os casos de Cunha e Calheiros: o ex-presidente da Câmara dos Deputados também era acusado de usar seu cargo para interferir em investigações movidas contra ele. No caso do deputado cassado, a Procuradoria-Geral da República afirmou que ele “transformou a Câmara dos Deputados em um balcão de negócios e o seu cargo de deputado em mercancia”.

A advogada Vera Chemim ressalta que a situação só será definida depois do julgamento da Arguição de Preceito Fundamental 4.502, que analisa justamente esse caso. O julgamento dessa ação está suspenso depois que o ministro Dias Toffoli pediu vista do caso.

"É possível afirmar que o Presidente do Senado Federal deverá permanecer no cargo, pelo menos até que o STF termine o julgamento dessa questão, especialmente pela sua capacidade de liderança, indispensável para a aprovação de projetos e reformas importantes, de interesse do Presidente da República, para a estabilização e o crescimento econômico do país”, opina.

Apesar da ação, a presidência do Senado mudará de mãos no ano que vem, pois ocorrerá em fevereiro a eleição para o novo presidente da Casa. Com informações da Agência Brasil.

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