Limites legais

Lei de abuso de autoridade opõe Gilmar Mendes e Moro no Senado

Autor

1 de dezembro de 2016, 14h40

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o juiz Sergio Moro, que se dedica às ações da “lava jato” na 13ª Vara Federal de Curitiba, estiveram em lados opostos em sessão plenária no Senado, nesta quinta-feira (1º/12), para debater o Projeto de Lei 280/2016, que trata de abusos de autoridade.

Segundo a proposta, o abuso ficará caracterizado quando a autoridade, no exercício de sua função, praticar, omitir ou retardar, de forma dolosa e deliberada, ato que prejudique direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como, por exemplo, a liberdade individual, a integridade física e moral, a intimidade, a vida privada e a inviolabilidade da casa.

Num contexto em que a operação cujos processos ele próprio julga tem uma série de desdobramentos, o juiz Moro defendeu que o momento não é adequado para se alterar a Lei 4.898/1965. Para Gilmar Mendes, a proposta começou a ser discutido há sete anos e o debate pode ser feito agora. O projeto foi apresentado em 2009, mas estava parado em uma comissão. Em junho deste ano, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tirou o projeto da gaveta.

“Teríamos que, daqui a pouco, então, buscar um ano sabático das operações para que o Congresso pudesse deliberar sobre um tema como este? Não faz sentido algum”, disse. O ministro observou que as operações contra corrupção continuarão, com ou sem atualização da lei, já que os instrumentos em vigor para que elas aconteçam são suficientes.

Lembrando o episódio de uma menor de idade que ficou presa em uma cela com 23 homens em Abaetetuba (PA), Gilmar Mendes citou que, quando se tornou presidente do Conselho Nacional de Justiça elegeu como prioridade enfrentar a questão do sistema prisional.

Com os mutirões carcerários implantados pelo CNJ, foram libertadas 22 mil pessoas que estavam presas indevidamente. Em um desses mutirões, foram encontradas pessoas presas provisoriamente por até 14 anos. Para o ministro, processos como esses demonstram “evidente abuso de autoridade”. Foi nesse contexto, que se começou a discutir a necessidade de mudança na lei.

Ele concordou com algumas sugestões para aprimoramento do projeto, “porque o propósito, obviamente, não é criminalizar a atividade do juiz, do promotor ou do integrante de CPI no âmbito do Congresso Nacional”. O ministro conclamou os agentes públicos a não ceder à tentação de proceder ao combate do crime mediante qualquer prática abusiva.

Para o ministro Gilmar Mendes, projeto combate crimes cometidos dentro do poder público ao mesmo tempo em que inibe autoridades de cometerem excessos em investigações e julgamentos.

Gilmar Mendes também destacou que o foco da criminalização do abuso de autoridade são os excessos cometidos nas periferias brasileiras, e não uma retaliação à magistratura e ao Ministério Público pelas investigações que estão sendo feitas contra políticos e empresários. “Entrada na favela sem mandado, é isso que a lei está punindo.”

Moro prefere que a discussão fique para depois. “Não me cabe aqui censurar o Senado, mas acredito que talvez não seja o melhor momento, e o Senado pode passar uma mensagem errada à sociedade. Talvez uma nova lei poderia ser interpretada com o efeito prático de tolher investigações”, disse o juiz.

O juiz federal disse que a lei não pode ter o efeito prático de cercear o trabalho da polícia, do Judiciário e do Ministério Público. “Não importa a intenção do legislador. Diz um ditado que a lei tem suas próprias pernas. Ainda que tenha boas intenções, como será interpretada e aplicada é uma questão em aberto”, afirmou.

O juiz apresentou ao Senado uma sugestão para que não seja configurado crime a divergência na interpretação da Lei Penal e da Lei Processual Penal e na avaliação de fatos e provas. “Com isso parte do receio de uma aplicação equivocada desse projeto pode ser evitada.”

Proposta
Segundo o texto do projeto, quem praticar o crime de abuso de autoridade pode ser multado e até preso. Na prática, caso o projeto seja aprovado, delegados, promotores, membros do Ministério Público, juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que prejudicaram o cidadão indevidamente passam a responder pessoalmente pelo desvio. A lei atualmente em vigência sobre abuso de poder é de dezembro de 1965.

O texto prevê ainda o enquadramento como abuso de casos a ridicularização de inocentes, vulgarização e quebra de sigilo e ordem ou execução de medida privativa da liberdade individual sem as formalidades legais, entre outros pontos. Também será considerado abuso de autoridade fazer afirmação falsa em ato praticado em investigação policial ou administrativa, inquérito civil, ação civil pública, ação de improbidade administrativa ou ação penal pública.

O debate no Senado ocorre no dia seguinte à aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados, que foi acusada por juízes e promotores de ter desfigurado o texto original das apelidadas 10 medidas contra a corrupção apresentadas pelo Ministério Público Federal. Entidades representativas da magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e advocacia se manifestaram sobre as mudanças — leia abaixo. Com informações da Agência Senado.

Associação dos Magistrados Brasileiros
"O texto aprovado na Câmara dos Deputados destrói o pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito, de um sistema de Justiça autônomo e retrocede a capacidade de atuação de juízes e promotores em processos e investigações contra o crime organizado. O projeto aprovado favorece a corrupção e submete a magistratura e o MP ao poder político, transformando em acusados aqueles que lutam contra a corrupção permitindo que sejam julgados por investigados."

Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
"A inclusão, na calada da noite e em momento de luto nacional, dos chamados 'Crimes de Abuso de Autoridade', praticados unicamente por Magistrados e Membros do Ministério Público, com tipificação amplamente aberta e subjetiva, é a mais pura e inequívoca face de um revanchismo de parte da Câmara dos Deputados contra aqueles que têm atuação intransigente no trato dos interesses da sociedade e no combate a ilegalidades."

Ministério Público do Trabalho
"A aprovação de tão esdrúxula normativa certamente importaria em sérios constrangimentos de ordem internacional, posto que inviabilizaria apuração de ilícitos praticados contra os direitos humanos, rompendo compromissos formalmente assumidos pelo Brasil. O parlamento age, corporativamente, contra o interesse público! Legisla em causa própria agredindo a sociedade que deveria representar."

Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul
"Causa espécie que medidas tão graves, que afrontam o Estado Democrático de Direito, tenham sido aprovadas apressadamente, sem discussões prévias e durante a madrugada, após trágico evento que causou comoção nacional."

Associação Paulista do Ministério Público
"Já vimos muitos ataques, na história do Brasil, à Magistratura e ao Ministério Público, mas atos de triste memória, como o AI-5 e a cassação de juízes e promotores, foram produzidos nos porões das ditaduras que assombraram o País. O ataque, agora, nasceu em plena democracia e tende a sepultá-la."

Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul
"Ao tramitar e aprovar uma Emenda Parlamentar que desfigurou a essência do Projeto de Lei nº 4850/2016, o plenário da Casa Legislativa que representa o povo brasileiro seguiu uma trajetória divergente da vontade de mais de dois milhões de cidadãos que imprimiram suas assinaturas e a esperança na construção de um novo capítulo na história deste país, o da luta contra a corrupção."

Defensoria Pública do Rio de Janeiro
"O texto encaminhado ao Senado Federal incluiu a responsabilização de membros da Magistratura e do Ministério Público. De plano, é criticável a adoção de tipos penais abertos, em vista de violação da estrita legalidade. A questão merece debate profundo no parlamento, não nos parecendo acertada a inserção de tema de tal relevância sem o necessário debate e a devida reflexão."

Instituto de Defesa do Direito de Defesa
"O assunto, de suprema importância, merece discussão mais profunda. Foi a discussão profunda com a sociedade em torno das propostas da Força-tarefa que impediu a adoção de artigos que atentam contra o direito de defesa, como o uso de prova ilícita e restrição ao habeas corpus."

Tribunal de Justiça do Distrito Federal
"É clara a tentativa de intimidar e comprometer não só a iniciativa dos promotores e procuradores, como também a própria independência da função judicial, que, segundo Karl Loewenstein, 'significa, ademais, que o juiz, no cumprimento de sua tarefa, há de estar livre de influência e intervenção estranhas, quer provenham do governo, do parlamento, do eleitorado ou da opinião pública'.”

Procuradoria-Geral da República
"As 10 Medidas contra a Corrupção não existem mais. O Ministério Público Brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais. O Ministério Público seguirá sua trajetória de serviço ao povo brasileiro, na perspectiva de luta contra o desvio de dinheiro público e o roubo das esperanças de um país melhor para todos nós."

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
"Assim como é inconcebível que se tentem anistiar, sobretudo em causa própria, crimes contra o patrimônio público, cerceando a ação de juízes e promotores, também o é a supressão do direito das partes, cujo papel cabe à advocacia. Trata-se de direito humano inalienável, sem o qual não há Justiça."

*Texto atualizado às 16h20 do dia 2/12.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!