Opinião

Moléstia grave garante direito à isenção de Imposto de Renda

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31 de agosto de 2016, 15h25

A isenção de Imposto de Renda[1] sobre os proventos é direito dos servidores públicos civis aposentados e dos militares reformados[2] que contraírem doença grave ou passarem à inatividade em razão dessa moléstia.

Trata-se de direito pouco conhecido, apesar de assegurado desde 1947, quando promulgada a Lei 154, que, em seu artigo 13, estabeleceu como as doenças que garantiam o benefício da isenção a “tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra ou paralisia”[3].

Com o decorrer dos anos, outras doenças consideradas graves passaram a compor o rol das moléstias que possibilitam a seus portadores terem seus rendimentos isentos e não tributáveis, conforme se depreende das moléstias elencadas no inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713/88, atualmente vigente:

Artigo 6º Ficam isentos do Imposto de Renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (…)

XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004).

Vale esclarecer que a jurisprudência atual garante a isenção do Imposto de Renda somente aos portadores das enfermidades elencadas no dispositivo acima, porquanto o inciso II do artigo 111 do Código Tributário Nacional[4] é expresso ao dispor que a outorga de isenção tributária se dá de forma literal e não admite interpretação extensiva.

O benefício da isenção funda-se no dever do Estado[5], expresso na Constituição, de proteger a vida, a dignidade da pessoa humana e a saúde. Visa a garantir aos inativos a possibilidade de direcionarem o valor que deixam de recolher a título de Imposto de Renda para o custeio de despesas médicas, o que permite o melhor tratamento e controle da enfermidade que os acomete.

Comprovada a moléstia grave, a isenção de Imposto de Renda retroage ao momento em que a doença foi diagnosticada, sendo devida a restituição pela Fazenda Pública das quantias que porventura tenham sido descontadas sobre os proventos de aposentadoria ou reforma, observando-se, é claro, a prescrição quinquenal[6].

Digno de nota que, conforme atual jurisprudência, a hipótese de restituição de Imposto de Renda não segue as determinações do artigo 39, parágrafo 5º, do Decreto 3.000/99, porquanto o termo inicial para o cômputo da isenção é a data de comprovação da doença (data do diagnóstico médico), e não a da emissão do laudo oficial. Como a confecção deste é sempre posterior ao diagnóstico da moléstia, considerar a data de elaboração do laudo como início para o cálculo do valor a ser restituído a título de Imposto de Renda não retrataria o objetivo primordial da lei, a saber, garantir melhores condições financeiras para o tratamento da enfermidade[7].

A jurisprudência majoritária atual relativizou a exigência prevista no artigo 30[8] da Lei 9.250/95, pois estabeleceu que, para o gozo da isenção de Imposto de Renda, não é obrigatório que a doença seja diagnosticada por junta médica oficial, mediante perícia[9].

Nesse sentido, consolidou-se o entendimento de que o referido artigo 30 consiste em comando direcionado exclusivamente para a administração pública[10] e não tem ingerência alguma na convicção do juízo quando a questão é levada ao Poder Judiciário, pois, como o magistrado aprecia livremente as provas apresentadas no processo[11], independentemente de serem laudos de junta médica oficial ou laudos particulares, o importe é a força que a prova documental tem na convicção e na fundamentação da decisão judicial.

Ademais, merece atenção a comum prática da administração pública de determinar um limite temporal para a isenção de Imposto de Renda nos casos de aposentados e militares reformados que sofrem de neoplasia maligna.

Como o período médio considerado para declarar o recuo da neoplasia maligna é de cinco anos, a administração pública, em inúmeras situações, limita a isenção ao período de cinco anos após o diagnóstico do câncer, por entender que o benefício da isenção só pode ser concedido enquanto persistir a doença.

Esse limite temporal, no entanto, viola o espírito da norma que é amparar o beneficiário, mesmo após o recuo da doença.

O Superior Tribunal de Justiça[12] reconhece como um direito a não limitação temporal da isenção, porquanto nenhum diploma normativo prevê qualquer tipo de limite de tempo para a isenção, conforme demonstram o artigo 5º, inciso XII, da Instrução Normativa SRF 15, de 6 de fevereiro de 2001[13], e o artigo 39 do Decreto 3.000/99[14], que regulamentam a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto de Renda.

Portanto, ao servidor público aposentado e ao militar reformado, portadores de doenças graves, atestadas por laudo médico oficial ou particular, previstas no inciso XIV do artigo 6° da Lei 7.713/88, está garantido, ainda que pela via judicial, o direito à isenção de Imposto de Renda sobre os proventos de aposentadoria e de reforma.


[1] Nas palavras do doutrinador Roque Antonio Carrazza, a isenção tributária “encontra fundamento na falta de capacidade econômica do beneficiário ou nos objetivos de utilidade geral ou de oportunidade política que o Estado pretende venham alcançados. (…) Elas [as isenções tributárias] só podem ser concedidas quando favorecem pessoas tendo em conta objetivos constitucionalmente consagrados (proteção à velhice, à família, à cultura, aos deficientes mentais, aos economicamente mais fracos, isto é, que revelam ausência de capacidade econômica para suportar o encargo fiscal etc.)”. CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.752.
[2] Além dos proventos de aposentadoria e de reforma, a isenção concedida àqueles que sofrem de moléstia grave alcança os valores recebidos a título de complementação de aposentadoria e de pensão, desde que o beneficiário seja o portador da doença.
[3] Artigo 13. Ficam isentas da tributação do Imposto de Renda as importâncias relativas aos proventos de aposentadoria ou reforma, quando motivada por tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra ou paralisia.
[4] Artigo 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – outorga de isenção;
III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
[5] A intenção do legislador em outorgar ao Estado o dever de proteção à saúde está expresso na Constituição da República de 1988 no artigo 196, que dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
[6] PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO INDEVIDAMENTE. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELO PROCESSO ADMINISTRATIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I. O requerimento administrativo de restituição do indébito impede a decadência do direito de pleitear a devolução (artigo 168, CTN), mas não interrompe a prescrição da ação de repetição (artigo 172 do CC), de regra, apenas, prescrevendo as parcelas relativas ao quinquênio anterior ao ajuizamento da ação. Precedentes: (STJ, RESP 572.341/MG, 2ª Turma, min. João Otávio de Noronha, DJ de 18/10/2004; AgRg no AG 629.184/MG, 1ª Turma, min. José Delgado, DJ de 13/6/2005 e RESP 584.372/MG, 2ª Turma, min. Castro Meira, DJ de 23/5/2005; REsp 815.738/MG, ministro Teori Albino Zavascki, DJ 25/10/2007) (…) (TRF-5 – AC: 429771 PE 0000921212005405830502, relator: desembargadora federal Margarida Cantarelli, data de julgamento: 20/5/2008, 4ª Turma, data de publicação: Fonte: Diário da Justiça – data: 16/6/2008 – Página: 316 – Nº: 113 – Ano: 2008)
[7] REsp 812799/SC;
[8] Artigo 30. A partir de 1º de janeiro de 1996, para efeito do reconhecimento de novas isenções de que tratam os incisos XIV e XXI do artigo 6º da Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo artigo 47 da Lei 8.541, de 23 de dezembro de 1992, a moléstia deverá ser comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
§ 1º O serviço médico oficial fixará o prazo de validade do laudo pericial, no caso de moléstias passíveis de controle.
§ 2º Na relação das moléstias a que se refere o inciso XIV do artigo 6º da Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pelo artigo 47 da Lei 8.541, de 23 de dezembro de 1992, fica incluída a fibrose cística (mucoviscidose).
[9] TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. IMPOSTO DE RENDA. SERVIDOR APOSENTADO. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. PROVA PERICIAL OFICIAL DISPENSÁVEL. LIVRE CONVENCIMENTO. O artigo 30 da Lei 9.250/95 impõe como condição para concessão da isenção do Imposto de Renda a comprovação da moléstia grave por meio de laudo pericial oficial, contudo, tal dispositivo não vincula o magistrado em sua livre apreciação das provas dos autos. O laudo pericial oficial não é indispensável se o juiz, com base em outras provas dos autos, entender estar devidamente comprovada a existência de moléstia grave capaz de assegurar a isenção de Imposto de Renda, nos termos do artigo 6º, XIV, da Lei 7.713/88. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 514.195/RS, rel. ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 18/6/2014, DJe 27/6/2014).
[10] AgRg no AREsp: 145082 PE 2012/0037725-0.
[11] Artigo 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento (Redação dada pela Lei 5.925, de 1º/10/1973).
Artigo 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.
[12] AgRg no AREsp: 436.073 RS; AgRg no AREsp: 436.073 RS.
[13] Artigo 5º Estão isentos ou não se sujeitam ao Imposto de Renda os seguintes rendimentos: […].
XII – proventos de aposentadoria ou reforma motivadas por acidente em serviço e recebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) e fibrose cística (mucoviscidose).
[14] Artigo 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:[…].
XXXIII – os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma (Lei 7.713, de 1988, artigo 6º, inciso XIV, Lei 8.541, de 1992, artigo 47 e Lei 9.250, de 1995, artigo 30, parágrafo 2º).

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