Votação dividida

Impeachment sem inelegibilidade não é precedente para cassação de parlamentar

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31 de agosto de 2016, 23h05

A Constituição é clara em seu artigo 52 ao falar do impeachment do presidente da República: com dois terços dos votos do Senado Federal, o mandatário será condenado à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. E é justamente por isso que a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) só menciona presidentes em caso de renúncia para fugir da cassação. A inelegibilidade deles em caso de impeachment já estava prevista na Constituição.

Marri Nogueira/Agência Senado
Ao dividirem votação sobre punição de Dilma, senadores deram a si mesmos o poder de interpretar Constituição.
Marri Nogueira/Agência Senado

Nesta quarta-feira (31/8), no entanto, ao votar pela destituição de Dilma Rousseff, o Senado decidiu dividir a votação, aplicando apenas a pena de perda do cargo (aprovada por 61 senadores), mas não a inabilitação para exercício de funções públicas (42 senadores votaram por essa condenação, não formando o quorum de 2/3 da Casa, necessário para esse tipo de medida).

O fato de o Senado ter dado a si mesmo o poder de interpretar a Constituição e dividir tal votação, no entanto, não poderá servir de precedente para cassar parlamentares sem que eles fiquem inelegíveis. Isso porque a aplicação da Lei da Ficha Limpa a políticos não depende da aprovação do Congresso — diferentemente do impeachment, que é uma pena determinada pelo Senado —, explica o constitucionalista Eduardo Mendonça. O professor do Centro Universitário de Brasília e sócio do Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça e Associados afirma que a aplicação da punição prevista pela Lei Complementar 135 é automática, e o Legislativo não tem o poder de impedir a aplicação de nenhuma lei.

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Como Congresso não tem poder sobre aplicação da Lei de Ficha Limpa, caso de Cunha não pode repetir o de Dilma.
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Assim, juridicamente, o caso de Dilma não poderá ser usado como base, em caso de cassação, por exemplo, do deputado Eduardo Cunha, para que se permita que o parlamentar mantenha em aberto a possibilidade de se candidatar.

É preciso levar em conta que a inelegibilidade de parlamentares cassados é determinada pela Justiça Eleitoral, em uma eventual futura candidatura, explica o juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo André Lemos Jorge. Autor do Manual de Direito Eleitoral e Jurisprudência, Lemos Jorge lembra que a Lei da Ficha Limpa é clara ao determinar que ficam inelegíveis por oito anos “os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal”.

Para o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Adilson Macabu, a divisão feita pelo Senado para votar o caso de Dilma abriu uma possibilidade de o processo de impeachment ser, novamente, levado ao Supremo Tribunal Federal. Para ele, o Senado não poderia ter interpretado a Constituição para votar separadamente as penas de perda do cargo e inabilitação, porque não tem competência para isso.

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