Estado não é pai

Classificação indicativa é pedagógica, não censuradora, define Supremo

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31 de agosto de 2016, 22h44

A classificação indicativa não pode ser vista como uma imposição do Estado ou um meio de censurar previamente os conteúdos veiculados em rádio e televisão, pois o instituto tem caráter pedagógico e complementar ao auxiliar os pais a definir o que seus filhos podem ou não assistir. Com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece multa e suspensão de programação às emissoras de rádio e TV que exibirem programas em horário não autorizado pela classificação indicativa.

O tema foi analisado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.404, apresentada pelo Partido Trabalhista Brasileiro. A maioria da corte acompanhou o entendimento do relator do caso, ministro Dias Toffoli. Para o julgador, “não há horário autorizado, mas horário recomendado”. Ficaram vencidos o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, e os ministros Rosa Weber e Edson Fachin, este responsável por abrir divergência.

O julgamento foi retomado na sessão desta quarta-feira (31/8) com o voto-vista do ministro Teori Zavascki, para quem, assim como o relator, a Constituição Federal estabelece um modelo de classificação indicativa que busca colaborar com as famílias, informando pais e responsáveis sobre o conteúdo transmitido. “O texto constitucional formatou um modelo prevendo que a competência da União para classificar tem efeito indicativo, cabendo ao poder público, por lei federal, apenas informar sobre a natureza das diversões e espetáculos públicos.”

“Esse paradigma constitucional de atuação do poder público não se compraz com medidas de conteúdo sancionatório, sob pena de transformar a indicação em uma obrigação para as emissoras de radiodifusão”, complementou o ministro.

Voto do relator
Segundo Toffoli, a inconstitucionalidade está na palavra autorização, que passa a ideia de ser necessária decisão prévia e expressa das autoridades para a exibição do material. “É inequívoca, portanto, a percepção de que o modelo de classificação indicativa é o instrumento de defesa que a Constituição ofereceu aos pais e aos responsáveis contra programações de conteúdo inadequado, garantindo-lhes o acesso às informações necessárias à proteção das crianças e dos adolescentes, mas sem deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de expressão, pois não surge com o caráter de imposição.”

O ministro ressaltou que, para o modelo nacional funcionar perfeitamente, como pretendeu o constituinte, o Estado não deve ser o responsável pela escolha do que deve ou não ser veiculado em determinado horário na televisão. “Deve, sim, o Estado dotar os pais, as famílias, a sociedade como um todo, dos meios eficazes para o exercício desse controle, para que eles possam, inclusive, se envolver na discussão e na decisão sobre o que veiculado.”

Toffoli reforçou em seu voto que o Estado, ao analisar conteúdos que serão veiculados na televisão e no rádio, “só pode indicar, informar, recomendar, e não proibir, vincular ou censurar”. “A classificação indicativa deve, portanto, ser entendida, nesses termos, como um aviso aos usuários acerca do conteúdo da programação, jamais como uma obrigação cogente às emissoras de exibição em horários específicos, ainda mais sob pena de sanção administrativa”, complementou.

Leis complementares, entre elas o ECA, reforçam o caráter pedagógico da classificação indicativa, explicou Toffoli. “A classificação é dirigida aos pais ou responsáveis, e não às emissoras de radiodifusão. Trata-se de uma orientação aos pais e responsáveis, os quais a aplicarão, nos casos concretos, de acordo com as características e o desenvolvimento de seus filhos, bem como de acordo com o contexto e os costumes de cada família.”

“Exatamente para evitar esse tipo de intervenção por parte do Estado e promover formas mais avançadas de participação e de exercício da cidadania no exercício desse sistema de classificação, tem sido cada vez mais adotada no Direito Comparado a sistemática de classificação indicativa calcada na autorregulação e no autocontrole pelas próprias emissoras ou mediante corregulação, a qual combina elementos de autorregulação com os da regulação pública”, explicou o ministro.

No Brasil, o produtor do conteúdo, exceto os jornalísticos e esportivos, envia o material para análise do Ministério da Justiça juntamente com uma resenha e uma autoclassificação, que pode ou não prevalecer. “Há de se ressaltar uma diferença que a meu ver é fundamental: a submissão do programa ao órgão do Ministério da Justiça não pode consistir em condição para que possa ser exibido, não se trata de licença ou autorização estatal para sua exibição, o que é terminantemente vedado pela Constituição Federal. O exercício da liberdade de programação pelas emissoras impede que a exibição de determinado espetáculo dependa de ação estatal prévia”, disse Toffoli sobre a expressão contida no artigo 254. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Clique aqui para ler o voto do relator.

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