Opinião

Empresa individual pode fazer doação eleitoral mesmo sem norma do TSE

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21 de agosto de 2016, 10h14

Objetiva-se nesse breve artigo esclarecer a participação da empresa individual no processo eleitoral, através de doações eleitorais, diante da inexistência de vedação normativa.

Em recente decisão proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.650, ocorrida no dia 17 de setembro de 2015, reconheceu-se a inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais (candidatos e partidos), e a posterior Lei 13.165/2015 (publicada em 29 de setembro de 2015), revogou o art. 81 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97), o qual permitia a doação de pessoas jurídicas dentro de um limite percentual e fixava sanções para o seu descumprimento.

Porém, não se resolveu a situação da empresa individual, cuja doação eleitoral realizada por ela (seja financeira ou de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro) nessas eleições reputar-se-á lícita, obviedade a ser demonstrada doravante.

Antes, necessário traçar algumas premissas.[1]

No meio jurídico existe – de um certo modo – errônea compreensão acerca do conceito de empresa individual e personalidade jurídica, na crença de que a empresa individual tem uma personalidade jurídica própria e distinta do seu titular (a pessoa natural que empresaria).

Esse erro certamente se dá pelo fato da imposição da sua inscrição no CNPJ, e a própria denominação deste cadastro, gerando com isso alguns equívocos relativos à personificação da empresa individual.

Muito embora a empresa individual tenha o CNPJ, isso não significa o seu enquadramento na categoria de pessoa jurídica de direito privado, porque o art. 44 do Código Civil taxativamente a excluiu, daí já se verificando que nem tudo que tem CNPJ será pessoa jurídica.

Aliás, ter esse cadastro não é sinônimo de possuir personalidade jurídica, até porque órgãos públicos, condomínios, embaixadas, serviços notariais e registrais têm CNPJ.

A concessão de CNPJ ao empresário individual é decorrência da política tributária de tratá-lo em regime equiparado ao das pessoas jurídicas, ou seja, o aludido cadastro fiscal do Ministério da Fazenda é apenas uma forma de equipará-la para fins tributários.

A Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 1634/2016, que disciplina o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, textualmente dispõe que todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas, estão obrigadas a se inscrever:

“Art. 3º Todas as entidades domiciliadas no Brasil, inclusive as pessoas jurídicas equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda, estão obrigadas a se inscrever no CNPJ (…).” (grifei)

Por sua vez, o Decreto 3.000/1999, que regulamenta o imposto sobre a renda, numa melhor redação, categoricamente estabelece que empresa individual não é pessoa jurídica, mas apenas a ela se equipara:

“Art. 150.  As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas.” (grifei)

Logo, denota-se dos artigos 966, 967 e 968 do Código Civil que a empresa individual (ou firma individual, ou empresário individual) é na realidade a própria pessoa física ou natural que a titulariza e exerce a atividade empresária, não tendo àquela personalidade jurídica própria e distinta de seu titular, constituindo-se ambas numa só pessoa, com um único patrimônio, que se confundem e respondem de forma comum e ilimitada pelos débitos obrigacionais, seja na esfera civil, seja no âmbito da atividade empresarial, seja fiscal e até eleitoral.

No julgamento do Recurso Especial 594.832/RO, em 28 de junho de 2005, relatado pela eminente ministra Nancy Andrighi, integrante da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ela consignou em seu voto importante lição doutrinária de Carvalho de Mendonça, para quem:

“a firma individual é uma mera ficção jurídica, com fito de habilitar a pessoa física a praticar atos de comércio, concedendo-lhe algumas vantagens de natureza fiscal. Por isso, não há bipartição entre a pessoa natural e a firma por ele constituída. Uma e outra fundem-se, para todos os fins de direito, em um todo único e indivisível. Uma está compreendida pela outra. Logo, quem contratar com uma está contratando com a outra e vice versa… A firma do comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil, pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão mercantil. Existe essa separação abstrata, embora aos dois se aplique a mesma individualidade. Se em sentido particular uma é o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao mesmo tempo a vida civil e a vida comercial” (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1957, 6ª edição, v. II, p. 166/167)

É justamente por isso que, nas doações eleitorais realizadas por empresa individual sempre levou-se em conta as regras direcionadas à pessoa física (10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição), que, em havendo desrespeito ao limite percentual fixado, ela será passível de sanção nos termos do art. 23, §§1°, 2°, 3°, da Lei n° 9.504/97.

O Tribunal Superior Eleitoral já sedimentou esse entendimento nos seus precedentes (ora seguido pelos TREs):

“ELEIÇÕES 2012. DOAÇÃO ELEITORAL. LIMITE. FIRMA INDIVIDUAL. PESSOA NATURAL.
1. A firma individual, também denominada empresa individual, nada mais é do que a própria pessoa natural que exerce atividade de empresa nos termos do art. 966 do Código Civil.
2. A equiparação do empresário ou da empresa individual a uma pessoa jurídica por ficção jurídica para efeito tributário não transmuta a sua natureza.
3. As doações eleitorais realizadas por firmas individuais devem observar os limites impostos às pessoas físicas de acordo com o art. 23, § 1°, I da Lei n° 9.504/97.

4. Entendimento que não se aplica às "empresas individuais de responsabilidade limitada – EIRELI", criadas pela Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, que alterou a redação do art. 44 e introduziu o art. 890-A, ambos do Código Civil, as quais estão, em princípio, sujeitas aos limites impostos às pessoas jurídicas.” (Recurso Especial Eleitoral nº 33379, Acórdão de 01/04/2014, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 13/05/2014, Página 66-67) “negritei”

“RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO PARA CAMPANHA. LIMITE LEGAL. ART. 23, INCISO I, DA LEI Nº 9.504/97. PESSOA FÍSICA. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. RENDIMENTOS. SOMATÓRIO. POSSIBILIDADE. PATRIMÔNIO COMUM. PROVIMENTO. REDUÇÃO DA MULTA.
1. O empresário individual é pessoa física que – a despeito de se equiparar à pessoa jurídica para efeito tributário – exerce pessoalmente atividade de empresário, assumindo responsabilidade ilimitada e respondendo com seus bens pessoais, em caso de falência, conforme ressaltado no julgamento do REspe nº 333-79/PR, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, em sessão de 1º de abril de 2014.
2. Tais circunstâncias permitem considerar o somatório dos rendimentos percebidos como pessoa natural e empresário individual, para fins de aferição do limite de doação de recursos para campanha eleitoral, sujeitando-se, nesses casos, aos parâmetros estabelecidos no art.23, § 1º, I, da Lei nº 9.504/97 às pessoas físicas.
3. Recurso especial provido para reduzir o valor da multa imposta.” (Recurso Especial Eleitoral nº 48781, Acórdão de 26/08/2014, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 173, Data 16/08/2014, Página 128) “negritei”
“(…) Ocorrência de doação feita por empresária individual. Necessidade de se considerar a firma empresária e a pessoa física enquanto uma unidade. Se a firma empresária não possui personalidade jurídica, considera-se como doador a pessoa física, submetendo a doação, portanto, às disposições do art. 23 da Lei nº 9.504/97. Interpretação extensiva do § 7º do art. 23 da Lei nº 9.504/97, para considerar como quantum de referência o montante de R$ 50.000,00, de acordo com o entendimento jurisprudencial predominante nos julgados do TSE e TRE-MG. (…).” (TRE-MG – RECURSO ELEITORAL nº 24322, Acórdão de 29/03/2016, Relator(a) ANTÔNIO AUGUSTO MESQUITA FONTE BOA, Publicação: DJEMG – Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 5/4/2016) “negritei”

“2. Conforme precedentes do C. Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte, a doação feita por firma individual obedece ao mesmo tratamento dispensado às pessoas físicas.” (TRE-ES – RECURSO ELEITORAL nº 2721, Acórdão nº 08 de 23/02/2016, Relator(a) HELIMAR PINTO, Publicação: DJE – Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, Data 10/03/2016, Página 2/3) “negritei”

“1.Entende-se doação feita por pessoa física quando o doador é empresa individual, ainda que inscrita no CNPJ, que caracteriza-se pelo exercício de atividade empresarial a partir da pessoa física.” (TRE-MT – Recurso Eleitoral nº 13871, Acórdão nº 23932 de 25/03/2014, Relator(a) SAMUEL FRANCO DALIA JUNIOR, Publicação: DEJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 1617, Data 03/04/2014, Página 2-6) “negritei”

Nessas eleições de 2016, inobstante o art. 14 da Resolução-TSE n° 23.463/2015[2] não elenque a empresa individual como fonte financiadora de campanhas eleitorais, o sistema normativo não proíbe expressamente a sua doação eleitoral para candidatos ou partidos, nos termos do art. 24 da Lei n° 9.504/97 (abaixo transcrito), cuja doação – se realizada – deverá ser identificada pelo seu CNPJ, por força da transparência exigida na prestação de contas quanto à identificação do doador[2], vide:

 


 

 

“Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:
I – entidade ou governo estrangeiro;
II – órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público;
III – concessionário ou permissionário de serviço público;
IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal;
V – entidade de utilidade pública;
VI – entidade de classe ou sindical;
VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior.
VIII – entidades beneficentes e religiosas;
IX – entidades esportivas;
X – organizações não-governamentais que recebam recursos públicos;
XI – organizações da sociedade civil de interesse público.” (negritei)

É certo que a mencionada resolução acima possui apenas caráter regulamentar, não tendo aptidão para restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas na Lei n° 9.504/97 (vide art. 105), porquanto não há vedação nela de doações eleitorais oriundas de empresa individual.

Seria verdadeira redundância se houvesse a inclusão da empresa individual no rol do art. 14 da Resolução TSE 23.463/2015, tendo em vista que a natureza jurídica da empresa individual é de pessoa natural ou física, não possuindo assim personalidade jurídica distinta desta última.

Conquanto o STF não tenha enfrentado a situação da empresa individual no julgamento da ADI 4.650, obviamente por não se tratar de pessoa jurídica, a conclusão que se chega – diante do quadro aqui exposto – é de que encontra-se permitido a doação realizada por ela, desde que respeitado os limites de dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição (art. 23, §1º, I, Lei 9.504/97), e no caso de doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de sua propriedade, não ultrapasse o limite de R$ 80.000,00 (art. 23, §7º, da Lei 9.504/97).

Como dito inicialmente, é uma situação não resolvida, mas permitida.


[1] Premissas extraídas do artigo “Empresa Individual e Personalidade Jurídica”, de autoria de João Paulo de Oliveira, disponível em: ww.agu.gov.br/page/download/index/id/531810

[2] Resolução TSE 23.463/2015:
“Art.14. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:
I – recursos próprios dos candidatos;
II – doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas;
III – doações de outros partidos políticos e de outros candidatos;
IV – comercialização de bens e/ou serviços ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político;
V – recursos próprios dos partidos políticos, desde que identificada a sua origem e que sejam provenientes:
a) do Fundo Partidário, de que trata o art. 38 da Lei nº 9.096/1995;
b) de doações de pessoas físicas efetuadas aos partidos políticos;
c) de contribuição dos seus filiados;
d) da comercialização de bens, serviços ou promoção de eventos de arrecadação;
VI – receitas decorrentes da aplicação financeira dos recursos de campanha. (…)

[3] Lei 9.504/97:
“Art. 23 (…) § 4o  As doações de recursos financeiros somente poderão ser efetuadas na conta mencionada no art. 22 desta Lei por meio de:
I – cheques cruzados e nominais ou transferência eletrônica de depósitos;
II – depósitos em espécie devidamente identificados até o limite fixado no inciso I do § 1o deste artigo.
III – mecanismo disponível em sítio do candidato, partido ou coligação na internet, permitindo inclusive o uso de cartão de crédito, e que deverá atender aos seguintes requisitos:
a) identificação do doador; (…)”

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