Gosto do juiz

TJ-SP anula decisão que indeferiu peça por causa de marca-d’água

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18 de agosto de 2016, 7h17

Segundo o novo Código de Processo Civil, a petição deve conter o juízo responsável pelo julgamento, os dados completos das partes (RG, CPF, endereço, e-mail etc.), o fato, os fundamentos jurídicos e o pedido. Porém, nenhum desses quesitos foi levado em consideração pelo juízo da 5ª Vara Cível de São Paulo ao indeferir uma peça sem resolução de mérito por causa da marca-d’água usada pelo advogado.

Em sua decisão, o juiz de primeira instância argumentou que o adereço processual atrapalhava a leitura. “Recusando-se o autor a emendar a petição inicial, que tem cada uma de suas páginas cruzada de alto a baixo por letreiro de cor laranja, tornando dificultosa e insalubre a leitura do arrazoado, o caso é de indeferimento e extinção do processo, sem resolução de mérito, com base nos artigos 169; 267, I; 284; e 295, VI; todos do Código de Processo Civil [1973].”

Porém, esse ato “rigoroso” foi anulado pela 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. No recurso, o advogado argumentou que o indeferimento da peça foi ilegal porque o magistrado de primeira instância tomou a decisão sem amparo legislativo para tal.

"Ora, Excelências. São Mais de 300 ações judiciais patrocinadas por este advogado só na comarca de São Paulo. Mais de 34 processos que tramitam ou já tramitaram na 5° Vara Cível do Foro Central desta comarca. É certo que 'ganhar e perder' faz parte da atividade da advocacia, porém, causa estranheza a este advogado, mesmo após esclarecer os pontos questionados pelo juízo de primeiro grau (conforme fls. 168), ter sua petição indeferida sobre o fundamento de que o logo do escritório estaria dificultando a leitura da petição e que chegou a ser nomeado pelo juízo 'a quo' de insalubre, o que beira o absurdo", reclamou o advogado.

O colegiado até afirmou que a marca é de “gosto duvidoso”, mas ponderou que ela não impede a leitura do conteúdo. “Embora de gosto duvidoso, a marca-d'água escolhida pelo advogado do autor, de cor laranja e sem grande transparência, não impede, completamente, a leitura da petição. Logo, de afastar-se o indeferimento da inicial.”

Ao anular a decisão de primeira instância que não aceitou a inicial, a 30ª Câmara ainda sugeriu que o advogado autor da peça mudasse o modelo de suas petições visando à celeridade. “De qualquer modo, recomenda-se ao autor, a título de observação, que, na medida do possível, atenda providência solicitada pelo juízo, quando não traga prejuízo à parte ou ao seu advogado, mantendo-se a cordialidade entre as partes e destas com o juízo.”

Exigências incomuns
Essa não é a primeira exigência feita pela magistratura que pode ser considerada incomum. Em junho do ano passado, um juiz de Santa Catarina determinou que um advogado deveria reduzir a peça apresentada em ação de revisão de contrato bancário. A ideia do julgador era que o material, então com 40 páginas, fosse reduzido a dez laudas.

O advogado acionou a segunda instância, que manteve o entendimento. "Uma peça enxuta, clara e bem fundamentada é lida e tem chance de ser acatada. Já outra, com 20, 35 ou 50 folhas, provavelmente não. Excluída a hipótese de uma ação de grande complexidade, não é preciso escrever tanto para expor os fatos", argumentou o relator do caso na 2ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, desembargador Luiz Fernando Boller.

Esse caso foi bastante criticado por advogados. Segundo o criminalista Alberto Zacharias Toron, o ideal é que as petições sejam concisas, mas "o advogado, quando elabora uma petição, é soberano" e não pode ser obrigado a reduzir o tamanho de sua petição. "Trata-se, portanto, de atividade indevida a do magistrado que censura o advogado ou mesmo determina que ele reduza o seu trabalho escrito."

O jurista Lenio Streck criticou o entendimento da corte alegando que juiz “não pode e não deve” censurar o advogado, pois o julgador não é censor nem professor enquanto estiver dentro da corte. “Juiz decide nos autos e segundo o Direito. E não há nada, mas nada mesmo, escrito em lei alguma ou na Constituição sobre o tamanho de uma petição.”

Clique aqui para ler o acórdão do TJ-SP.

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