Opinião

Voto do puxador ir para mulheres é alternativa para Congresso mais diverso

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15 de agosto de 2016, 8h29

A insuficiente presença de mulheres nas casas legislativas brasileiras preocupa imensamente. É um grave defeito de nossa democracia, sub-representando segmento que, na verdade, é majoritário. Para corrigir isto, várias propostas surgem, entre elas a de reservar quotas de gênero nas Câmaras de Deputados, nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, ainda que em caráter provisório. É proposta interessante, embora crie o risco de fazer do legislativo uma casa estamental, diminuindo a liberdade de escolha do eleitor. Além disso, precisa de emenda constitucional. Alternativas como verter mais recursos do fundo partidário às agremiações que logrem eleger mulheres, vinculação de recursos para as candidaturas femininas, quotas para as direções partidárias e candidaturas com paridade de gênero, também são pensadas. Nesse momento, há um grupo de trabalho constituído pela Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, com representantes da sociedade civil, para coligir estas e outras propostas feitas em recente audiência pública.

De nossa parte, nos animamos a fazer a proposição que segue:

Nosso ponto de partida é o sistema proporcional de listas abertas, adotado para as eleições legislativas, menos para senadores. Tivéssemos listas fechadas, isto é, rol preordenado dos candidatos, a solução seria singela: bastaria exigir alternância de homens e mulheres nas listas, ora um, em seguida outra e assim por diante. O voto distrital talvez não seja boa alternativa neste tópico, pois não passa de eleições majoritárias realizadas em circunscrição menor, pouco favorável a setores sub-representados.

É possível utilizar um dos graves problemas do atual sistema de listas abertas – os candidatos concorrem não apenas com os dos outros partidos, mas com seus correligionários – para tornar mais igualitários nossos parlamentos. Trata-se da “transferência” dos votos dados a um candidato do partido aos outros.  Um “puxador de votos” aumenta o quociente partidário, permitindo a eleição de outros candidatos, às vezes com votação inexpressiva. O caso do falecido Dr. Enéas Carneiro é emblemático: obteve mais de um milhão de votos e permitiu que seu partido elegesse outros quatro ou cinco candidatos, um deles com menos de quinhentos votos… O eleitor, não raro, se sente logrado: votou em um e ajudou a eleger outro, com o qual pode não ter nenhuma identificação.

A proposta é exigir diversidade de gênero para os eleitos graças aos votos de outros. Ficaria assim: os candidatos e candidatas que alcançassem, por si próprios, o quociente eleitoral (divisão dos votos válidos pelas vagas em disputa) ou um determinado percentual deste, estariam eleitos. Para os que dependem dos votos dados ao partido ou a outros candidatos, a unção seria alternada: a mais votada entre as mulheres, depois o mais votado entre os homens, a segunda mais votada entre as mulheres, o segundo candidato homem… E assim, sucessivamente.

No formalismo utilizado em defesa do sistema proporcional, estes candidatos que “pegaram carona” no voto de outros ou da legenda, destinam-se a dar corpo à ideologia do partido. Não há, em relação a eles, significativa adesão nominal do eleitorado, o que permite, sem restringir a liberdade de voto do eleitor, dar azo à paridade de gênero.

Atualmente, dos 513 deputados federais, apenas 35 foram eleitos com votos próprios, 6,8% do total[1]. Ainda que, para argumentar, esse percentual fosse de 20%, a proposta que fazemos poderia trazer maior igualdade de gênero para os 80% restantes. Das atuais 51 mulheres, cerca de 10% do total, poder-se-ia alcançar cerca de 200 deputadas federais, quase 40%.

A paridade não seria total, vez que a alternância de gêneros seria realizada dentro dos partidos e coligações e não em relação ao total de vagas em disputa. Além disso, exemplificativamente, dos 6,8% que se elegeram com votos próprios nas eleições de 2014, a grande maioria é masculina. Em São Paulo, são homens os cinco deputados federais que alcançaram o quociente eleitoral. Ao total foram eleitos, como deputados, 64 homens e apenas 6 mulheres.  Se adotada a proposta aqui formulada, os números seriam os seguintes: 35 homens e 35 mulheres eleitos. A ele se chegou subtraindo do total aqueles candidatos que alcançaram o quociente eleitoral (cinco) dividindo alternadamente as demais vagas pelos gêneros masculino e feminino, começando com este. A cada vez que o quociente partidário for ímpar, as mulheres levam vantagem!

Veja-se:

PARTIDO/

COLIGAÇÃO

TOTAL DE ELEITOS

HOMENS

MULHE-

RES

VOTOS PRÓ-PRIOS

MULHERES NOS TERMOS DA PROPOSTA

PMDB/PROS/PP/PSD

9

9

0

0

5

PT/PC do B

11

10

1

0

6

PSL/PTN/PMN/PTC/PT do B

1

0

1

0

1

PSDB/DEM/PPS

20

18

2

2

8

PTB

2

2

0

0

1

SOLIDARIEDADE

1

1

0

0

1

PRB

8

8

0

1

4

PSB

4

2

2

0

2

PR

6

6

0

1

3

PV

3

3

0

0

2

PSC

3

3

0

1

1

PDT

1

1

0

0

1

PSOL/PSTU

1

1

0

0

1

TOTAL

70

64

6

 

35

PERCENTUAL

 

91,40%

8,57%

 

50%

Outra vantagem é que sua implementação não carece de emenda constitucional, sendo suficiente alterar o Código Eleitoral. A redação poderia ser a seguinte: “Art. 108.  Estarão eleitos, entre os candidatos e candidatas registrados por um partido ou coligação os que tenham obtido votos em número igual ou superior ao quociente eleitoral, na medida do quociente partidário. Remanescendo vagas, a primeira de cada partido ou coligação será ocupada pela candidata com maior votação nominal e a segunda, pelo candidato nas mesmas condições, assim prosseguindo, com alternância de gênero e na ordem das votações nominais, até o preenchimento de todos os lugares, sem prejuízo das regras do artigo 109”.A adoção desse mecanismo seria um progresso enorme e uma alternativa a ser pensada não apenas em relação aos gêneros, mas para outros segmentos sub-representados no legislativo, como negros, pessoas com deficiência, gays, lésbicas, transexuais, etc.

É o que oferecemos ao debate.

 


[1]     http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/quem-sao-os-35-deputados-que-se-elegeram-sozinhos

Autores

  • Brave

    é procurador regional da República. Mestre e Doutor pela PUC-SP. Foi relator geral da Comissão de Juristas que elaborou anteprojeto de Novo Código Penal.

  • Brave

    é advogada especialista em direito eleitoral e processual eleitoral. Presidente do Instituto Paulista de Direito Eleitoral (Ipade). Coordenadora/coautora do livro Aspectos polêmicos e atuais no direito eleitoral, Arraes (2012) e coautora dos livros Direito Eleitoral contemporâneo, LEUD (2014) e Prismas do direito eleitoral – 80 anos do tribunal eleitoral de Pernambuco, Forum (2012).

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