Segunda Leitura

Ministra Carmen Lúcia conduzirá bem o Poder Judiciário do Brasil

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

14 de agosto de 2016, 8h02

Spacca
O Plenário do Supremo Tribunal Federal elegeu, no último dia 10 de agosto, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha para assumir a presidência da corte por dois anos, a partir da posse no próximo dia 14 de setembro. A eleição não surpreendeu  ninguém, pois se trata de escolha pelo critério de antiguidade.

No site do STF, a uma foto protocolar, segue-se o currículo da futura presidente.[1] Natural de Montes Claros,  foi criada em Espinosa, ambas no norte de Minas Gerais. Solteira, a data de nascimento omitida no currículo, mas indiscretamente quebrada pela mídia ao revelar seus 62 anos de idade.[2]

O currículo revela sua formação no Colégio Sacré-Coeur de Jesus, em Belo Horizonte, o que, com certeza, acrescido da educação recebida dos pais Florival e Anésia, tornaram-na uma pessoa extremamente religiosa. Sua posse no STF teve a presença de grande quantidade de pessoas vinculadas à sua fé católica.

Tal fato pode fazer pressupor que é altamente conservadora. Errado. Carmen Lúcia votou a favor da Marcha da Maconha,  cota para negros, união gay e o aborto de anencéfalos.[3]  Portanto, separa bem fé e jurisdição.

A futura presidente domina cinco idiomas, mas dá ênfase ao francês. Tem rica experiência na área jurídica, somando teoria (professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-MG), prática (advogada) e conhecimento do serviço público (procuradora do estado de Minas Gerais, tendo chefiado a instituição de 1999 a 2003).

A isto se adicionam outros dados, como livros publicados e participações em comissões. Todavia, o que mais chama a atenção é a quantidade de palestras proferidas, o que evidencia sua especial habilidade de falar em público. Suas palestras sempre atraíram grande assistência, pois enfrentava com coragem os mais polêmicos temas e a isto acrescentava  pitadas de bom humor.

Conta o professor Romeu Felipe Bacellar Filho que, certa feita, em Foz do Iguaçu, durante um Congresso Internacional de Direito Administrativo, Carmen Lucia proferiu palestra tão eloquente que o jurista chileno  Rolando Pantoja Bauzá chamou-a de “míssil jurídico”.

Evidentemente, após assumir uma cadeira no STF a ministra Carmen Lúcia passou a ser mais moderada na forma de expor suas ideias. E nisto está absolutamente certa. Não cabe a quem ocupa a suprema magistratura criar polêmica, estimular divergência ou procurar exibir seus dotes culturais. Discrição é a primeira virtude de um juiz.

Preocupada em bem julgar, visitou a magistrada o sul da Bahia para votar com segurança no conflito entre os índios pataxós e fazendeiros. Da mesma forma, foi a Roraima, para votar no caso Raposa Serra do Sol. Perfeito. Casos complexos, que envolvem matéria de fato, recomendam a presença do juiz. Sentença vem do latim  sentire. O bom juiz sente, sensibiliza-se com o caso, e isto só é possível vendo, ouvindo, conversando.

O STF e seu massacrante volume de processos não retirou da ministra Carmen Lúcia o sentido de realidade. Por exemplo, mantendo a competência do STF quando o deputado Natan Donadon (PMDB-RO) renunciou ao mandato na véspera de seu julgamento no STF para livrar-se da decisão, condenando-o a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão. Da mesma forma, ao acompanhar o ministro Teori Zavascki, na decisão que permitiu a execução da sentença criminal após acórdão da segunda instância, sem necessidade de aguardar-se o trânsito em julgado.[4]

Indicada pelo ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, revelou Carmen Lúcia sua independência. No julgamento da Ação Penal 470, não hesitou em condenar importantes partícipes, como José Dirceu e José Genoíno. Tal qual outros ministros da Corte, Carmen Lúcia deixou implícito que a gratidão pela indicação ao honroso cargo não significa decidir a favor dos interesses de quem indicou. Uma ótima lição aos governantes.

Preocupada com as questões de gênero, Carmen Lúcia afirmou ser hipótese de estupro coletivo inadmissível e, no que toca ao Poder Judiciário, observou que “temos grande número de mulheres juízas, mas nos tribunais elas são minoria. Ou seja, na hora da promoção, que ocorre por antiguidade e por merecimento, os homens têm merecido mais”.[5] Mesmo assim, após sua eleição para a presidência, esclareceu que não deseja ser tratada por presidenta, mas por presidente.

As questões sociais também ocupam a mente da magistrada. Insatisfeita com o fatalismo brasileiro, em entrevista foi enfática ao dizer: “As pessoas de bem têm que reagir e agir no sentido de mudar a situação, e não de abandonar coisas como se não tivessem a ver com elas”.[6] E esta opinião não fica apenas no discurso. Por exemplo, incentivou e auxiliou a ação da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) para aperfeiçoar o registro civil das pessoas naturais no Haiti, onde muitas crianças não têm certidão de nascimento.

Em definição insuperável sobre as virtudes do juiz, Moura Bittencourt  ressaltou “a independência, a humildade, a coragem, o altruísmo, a compreensão, a bondade, a brandura de trato de par com a energia de atitudes, o amor ao estudo e ao trabalho”.[7] A breve descrição da trajetória profissional, da personalidade e da conduta da ministra Carmen Lúcia, permite-nos concluir que, se estivesse vivo, Bittencourt estaria muito feliz com a eleição da referida magistrada para presidir o mais alto Tribunal da República. Em conclusão, o Judiciário brasileiro estará em boas mãos nos próximos dois anos. O Brasil merece.


Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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