Processo Familiar

Reconhecimento da importância do pai é complexo por natureza

Autor

  • Giselle Câmara Groeninga

    é psicanalista doutora em Direito Civil pela USP diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família professora da Escola Paulista de Direito.

14 de agosto de 2016, 8h00

Spacca
“Pai e mãe, ouro de mina,
coração, desejo e sina…”
— Djavan (Sina)

A cada ano o dia em homenagem aos pais ganha em importância num misto de comemoração e de busca de reconhecimento do papel e função do pai na família, seja ela composta como for.

E, como em todas as datas comemorativas, há aqueles que sentem o peso da saudade (uma circunstância), ou da exclusão e da rejeição, seja por parte das mães, dos filhos, ou mesmo por parte dos pais em relação aos filhos.

E, quanto a estes pesos, da exclusão e da rejeição, cabe que nos sensibilizemos e que louvemos a luta pelo direito a ser e a ter pai. Contemporaneamente, o reconhecimento da importância do pai ganha visibilidade sobretudo na seara jurídica.

Neste dia de exaltação ao pai, cabe aqui enfatizar a busca de reconhecimento delineada, cada vez com maior abrangência quanto às formas de reconhecimento, nas normas que regem as relações.

São exemplos da importância conferida ao pai as leis a respeito da convivência (lei da guarda compartilhada e da alienação parental); as ações de danos morais por indução a erro quanto à paternidade, e pelo afastamento indevido, inclusive o decorrente de falsa denúncia de abuso sexual; há ainda as ações que responsabilizam os pais por abandono afetivo, além das sanções quanto ao abandono material e não cumprimento de obrigações alimentares. Todos exemplos da crescente importância dada ao pai.

Anterior ao quadro atual e ao cenário jurídico, é certo que a busca pelo reconhecimento da paternidade existe desde os nossos primórdios, sendo quase fundante de nossa humanização e da constituição das famílias.

Em nada desprezível na evolução da humanidade e da cultura o avanço em poder transcender a realidade imediata e perceber que de um ato sexual resultava em um filho. Um avanço na capacidade em simbolizar e em constituir famílias ligadas por laços que, na história de nossa cultura e das legislações, passam por laços de sexualidade e de sangue, por laços genealógicos (de pertinência à uma linhagem), por laços que envolvem o patrimônio, sendo que mais recentemente a ênfase tem sido colocada no exercício amplo da responsabilidade e nos vínculos afetivos.

O reconhecimento da importância do pai é, por natureza, complexo. Perpassa a relação complementar homem/mulher, pai/mãe. Por questões objetivas, dadas pelas diferenças entre homem e mulher, é em muitos aspectos a mãe quem conhece quem é o pai do filho e quem o reconhece para o filho.

A busca do reconhecimento, no Direito Romano, instituiu a presunção da paternidade com mater semper certa est pater quem nuptiae demonstrant (mãe sempre certa, pai é aquele que as núpcias demonstram). A filiação passou a ser definida pelo casamento, coabitação, e calcada na fidelidade da mulher. E assim, se modificou o dito mater semper certa est pater semper incertus est, ou pater nunquam (sempre há certeza de quem é a mãe; o pai sempre é incerto, ou quanto ao pai, nunca).

Contemporaneamente as questões de reconhecimento da paternidade em muito se tornaram complexas, escapando à moldura da presunção.

Com a queda do patriarcado, com a dissociação entre sexo e casamento, e clareza de que a conjugalidade não se confunde com a parentalidade, com o avanço da genética, com o concurso das técnicas de reprodução assistida, e com a importância dada à responsabilidade e à afetividade, as questões do reconhecimento do pai ganham crescente atenção.

Some-se a estes fatores, a contribuição da psicanálise de que as funções paterna e materna não são exclusivas ao sexo biológico e mesmo ao gênero. O que não implica, absolutamente, na possibilidade de exclusão, de que um possa exercer a função de dois e, sobretudo, de que as funções e vínculos não sejam necessariamente complementares.

Neste cenário complexo, e de não exclusividade no exercício das funções materna e paterna, e em que inclusive a multiparentalidade é uma realidade (mãe e pai não mais só um), caberia dizer que a mãe é quase sempre certa. Um reconhecimento também sujeito às novas questões de maternidade por substituição, às técnicas de reprodução assistida, e à importância dada ao vínculo emocional que integra a função materna — e que obviamente em muito transcende o vínculo biológico.

E, neste mesmo cenário, caberia dizer que ao pai não mais cabe, e pode, ser incerto. Mas, ainda certo é que o reconhecimento do pai depende, em grande parte, e sobretudo emocionalmente, do reconhecimento por parte da mãe.

Inegável a ligação emocional inicial do filho com a mãe. E é ela quem, no mais das vezes, referenda afetivamente o pai para o filho. Em outras palavras é a mãe quem diz o pai, quem o nomeia como tal para o filho. Ela o avaliza não só no sentido biológico mas também no sentido emocional.

E é calcada nesta realidade que ocorrem as distorções do poder materno, o que se faz presente nos casos de alienação parental e nos casos de engano quanto à paternidade. E, sabemos, o quão difícil é mudar a dinâmica disfuncional mesmo quando se reconhece a presença do fenômeno da alienação parental.

Louvável a luta de tantos pais para verem reconhecidos seus direitos — complementares aos dos filhos e aos das mães, por mais que as distorções possam levar a crer que os direitos estariam em oposição, e que as relações emocionais não seriam necessariamente complementares.

Por parte dos filhos, e também de muitas mães, é louvável a luta de tantos para verem reconhecidos seus direitos a terem pai. Ninguém mais desconhece as estatísticas que demonstram o grande número de lares que não contam com o pai e só com a mãe, que demonstram a correlação entre a ausência do nome do pai na certidão de nascimento e o encarceramento, e o grande número de mães que exercem de fato a guarda de forma unilateral, além de um sem número de ações cobrando alimentos.

A realidade que se impõe é a de que não é suficiente o conhecimento de quem é o pai, biológico, genealógico e socioafetivo. Necessário é o seu reconhecimento por parte da mãe, por parte dos filhos, e por parte da sociedade e do Direito com leis que reconheçam não só a verdade objetiva mas a verdade subjetiva e a complexidade das relações. Cabe aqui desejar um louvável dia de reconhecimento dos pais!

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    é psicanalista, doutora em Direito Civil pela USP, diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM, vice-presidente da Sociedade Internacional de Direito de Família, professora da Escola Paulista de Direito.

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