Recursos sem fim

Barroso diz que prisão sem trânsito em julgado é para moralizar Justiça

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14 de agosto de 2016, 12h57

Com uma carreira construída na advocacia e tendo que lidar com as críticas dos criminalistas, muitos deles seus amigos, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, voltou a defender a prisão antes do trânsito em julgado. Para ele, a decisão buscou moralizar a Justiça, que padece com recursos protelatórios.

“Me recuso a integrar um sistema de Justiça desmoralizado”, disse em palestra na última quinta-feira (11/8), Dia do Advogado, no 7º Congresso Brasileiro de Sociedades de Advogados, promovido pelo Sindicato das Sociedades de Advogados dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (Sinsa) na capital paulista.

“Temos que criar no Brasil a cultura de que os processos acabam. Os processos devem acabar em seis meses, em nove meses; se for complicado, um ano, e se for muito complicado um ano e meio. Essa cultura de processos que levam 5, 10, até 15 anos é um documento vivo de subdesenvolvimento e precisamos acabar com isso”, disse o ministro, que complementou que só no Brasil há tantos recursos. “No resto do mundo o recurso não é a regra como é no Brasil. As pessoas se acostumaram tanto com o errado que estão chocadas com o que é certo.”

Nelson Jr./SCO/STF
“Um sistema de Justiça desmoralizado não ajuda ninguém”, disse Barroso.
Nelson Jr./SCO/STF

O uso de recursos protelatórios, segundo Barroso, prejudica todo o sistema Judiciário, que gasta mais tempo com alguns casos e, como resultado, demora ou precisa protelar a análise de outros. Isso, continuou o ministro, afeta, principalmente a advocacia, que deixa de receber seus honorários porque as decisões demoram a sair. “Um sistema de Justiça desmoralizado não ajuda ninguém”, disse.

De acordo com Barroso, a criminalidade se difundiu na sociedade brasileira porque não havia nenhum tipo de punição. “As pessoas tomam suas decisões baseadas em incentivos e riscos. Você tinha o incentivo do ganho fácil e farto e não tinha o risco de qualquer punição, porque a decisão tardava, os recursos procrastinatórios se eternizavam e você tinha prescrição. Nós criamos uma sociedade em que, frequentemente, o crime compensa.”

Para o ministro, o receio em relação à prisão após decisão de segundo grau é um reflexo histórico, pois o passado autoritário brasileiro traria dúvidas às pessoas sobre qualquer tipo de repressão do Estado. Ele chegou a sugerir que a prisão deveria ocorrer após julgamentos em duas instâncias e um eventual Habeas Corpus. Disse ainda que o Direito Penal não alcança o caráter preventivo que deveria ter e que este também não é minimamente sério ou igualitário.

Prende-se muito, e mal
Questionado pela ConJur sobre os efeitos colaterais da prisão antes do trânsito em julgado, Barroso admitiu que isso pode afetar, principalmente, a “clientela” mais pobre das defensorias públicas — o que exigirá reflexão. Mas ele destacou que o excesso de prisões vem de crimes relacionados às drogas. Em ocasiões anteriores, o ministro defendeu a mudança na política de drogas por entender que nem todos os casos relacionados a esses delitos são passíveis de detenção.

"No geral, as prisões estão apinhadas de gente presa por delitos relacionados a drogas e por furto, muitas vezes de bagatela. Se prende mal porque sequer conseguimos atender a demanda da sociedade em relação à criminalidade violenta e à criminalidade do colarinho branco. Sendo que o índice de apuração de homicídios no Brasil é irrisório em um país em que há 50 mil assassinatos por ano. É um genocídio de jovens pobres e negros no Brasil por ano. São índices superiores a de qualquer país em guerra no mundo”, argumentou Barroso.

Ele destacou que a maior parte das pessoas presa no Brasil não está detida por crimes violentos ou por corrupção. O ministro ressaltou que o percentual de presos por atos corruptos "é ridículo" e que as detenções motivadas por delitos violentos é formada, em boa parte, por criminosos que praticam o roubo. “A mudança [prisão antes do trânsito em julgado], se volta para a as pessoas que, já condenadas em segundo grau, abusavam do direito de recorrer. E, portanto, nós estamos falando, basicamente, da modalidade de corrupção ativa, passiva, peculato, sonegação, gestão fraudulenta.”

O ministro afirmou que, em partes, o excesso de prisões preventivas também vem da impunidade, pois o juiz vê essa medida como uma possibilidade de corrigir uma falha do sistema penal. “Algumas vezes, o juiz tem a tentação de aplicar a pena antes da hora, que é a prisão preventiva, porque ele sabe que se não fizer isso, não vai haver nenhuma consequência negativa para aquele fato.”, afirmou Barroso.

“Devemos canalizar as coisas da forma certa para o lugar certo. Você permitir a execução de uma pena depois que a pessoa teve dois graus de julgamento, e depois que todas as provas e fatos foram discutidos, eo índice de provimento dos recursos é irrisório, não acho que fuja da razoabilidade. Isso corresponde tanto a um senso comum que, assim que as pessoas se acostumaram que isso é o normal e óbvio em todo o mundo, as coisas vão se acomodar bem”, finalizou.

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