Opinião

Cobrança de ICMS sobre subvenção econômica de energia elétrica é ilegal

Autor

  • Leonardo Augusto Bellorio Battilana

    é sócio do Veirano Advogados membro da Comissão Direito Tributário da OAB/SP e coordenador do Comitê de Tributação do Setor de Energia e pós-graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

9 de agosto de 2016, 6h44

Recentemente, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça[1] entendeu ser legal a exigência do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) sobre a subvenção econômica instituída pela Lei 10.604, de 17 de dezembro de 2002 (Lei 10.604/2002).

Até o advento da Lei 10.604/2002, ficava a cargo das distribuidoras de energia elétrica estabelecerem a tarifa diferenciada para fins de cobrança de energia elétrica aos consumidores residenciais de baixa renda[2]. Por meio da prática denominada de subsídio cruzado, a redução das tarifas dos consumidores de baixa renda era compensada pelo aumento no valor da tarifa dos demais consumidores. Tal prática garantia o equilíbrio econômico-financeiro das distribuidoras de energia elétrica.

Entretanto, não havia uniformidade nas tarifas aplicadas pelas distribuidoras, pois cada uma adotava critérios próprios para caracterizar os consumidores residenciais de baixa renda. Em busca de solucionar tal situação, em 26/4/2002, foi publicada a Lei 10.438, que uniformizou os critérios para classificação da Subclasse Residencial Baixa Renda (posteriormente alterada pela Lei 12.212/2010).

Diante da uniformização dos critérios para classificação dos consumidores de baixa renda, as distribuidoras de energia elétrica observaram sensíveis mudanças em suas receitas. Enquanto para umas houve diminuição dos consumidores de baixa renda, para outras houve aumento.

Para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão[3], a Aneel estabeleceu, por meio da Resolução Normativa Aneel 89/2004, que (i) o ganho de receita seria um redutor no reajuste tarifário, e (ii) a perda de receita seria compensada mediante pagamento de uma subvenção econômica (instituída pelo artigo 5º da Lei 10.604/2002).

Não obstante a subvenção econômica ter sido instituída para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiros com natureza de indenizar as distribuidoras que perceberam redução de suas receitas, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), por meio dos convênios ICMS 79/2004 e 60/2007, autorizou diversos estados a exigirem ICMS sobre os valores recebidos a título de subvenção econômica.

Com o início da cobrança do ICMS pelos estados, alguns contribuintes ingressaram com medidas judiciais para discutir o tema e obtiveram vitórias perante os tribunais estaduais. São exemplos disso decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte e pelo de Mato Grosso do Sul.

Entretanto, no início deste ano, os ministros da 2ª Turma do STJ (Recurso Especial 1.286.705-SP), ao analisarem a subvenção econômica instituída no estado de São Paulo, entenderam que os valores recebidos a esse título deveriam compor a base de cálculo do ICMS.

De acordo com a decisão, o subsídio pago pela União integra o preço da energia elétrica. Assim, como o ICMS incide sobre o valor da operação (preço da energia elétrica), não há qualquer ilegalidade na exigência do imposto sobre os valores recebidos de subvenção econômica.

Além disso, a não incidência do ICMS sobre os valores de subvenção econômica causaria uma interferência de um ente federativo em outro, pois violaria a competência para exigência de tributos instituída pela Constituição Federal (artigo 151, inciso III), na medida em que o subsídio instituído pela União afetaria a receita que os estados auferem com a energia elétrica.

O entendimento manifestado pelo STJ não nos parece o mais correto, pois a subvenção econômica da Lei 10.604/2002 tem caráter indenizatório. Vale lembrar que nos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica a definição da política tarifária do serviço público é de competência exclusiva da Aneel (que poderá definir as tarifas livremente).

Como existe a possibilidade de dispor livremente sobre as condições de prestação do serviço público, cabe ao poder concedente restabelecer as relações nas situações de alteração unilateral de contrato que afete o equilíbrio econômico-financeiro (artigo 9º da Lei 8.987/1995). É nesse contexto que foi inserida a subvenção econômica da Lei 10.604/2002.

Não há dúvida de que a subvenção constituirá em receita para a distribuidora, mas isso não significa que esse subsídio está diretamente vinculado à operação de energia elétrica, como concluído pelo STJ. Assim, por não estar vinculada à operação de venda da energia elétrica, a sua cobrança, além de ilegal, é inconstitucional.

Por fim, vale lembrar que essa decisão foi proferida por uma das turmas do STJ que analisam matéria tributária, não refletindo a posição definitiva daquele tribunal. De qualquer forma, o Supremo Tribunal Federal ainda dará sua palavra final sobre o tema. Atualmente, existem ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelos estados do Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia, Rondônia e Pernambuco envolvendo o tema da subvenção e que aguardam julgamento.


[1] No julgamento do Recurso Especial 1.286.705-SP.
[2] Conforme a Portaria 922, de 28 julho de 1993 do extinto Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNaee), órgão sucedido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
[3] Em cumprimento ao disposto no artigo 9, parágrafo 4º da Lei 8.987/95.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!