Esquema único

Possível ganho de Lula com corrupção na Petrobras leva seu caso a Moro, diz MPF

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5 de agosto de 2016, 18h51

As tentativas de desmembramento dos processos da famigerada operação "lava jato" não passam de subterfúgios para minar as apurações, afirma o Ministério Público Federal. “Desmembrar esse caso em inúmeros subcasos seria o mesmo que dividir o retrato de uma pessoa em inúmeras partes e depois esperar que o julgador, vendo apenas um pedaço da face de alguém (como uma orelha), diga a quem pertence”, afirma o órgão, para quem o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, que cuida do caso, é competente para conduzir as investigações e processos que envolvam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A opinião foi manifestada nas 70 páginas da Resposta à Exceção de Incompetência apresentada pela defesa de Lula. No pedido rebatido pelo MPF, os advogados José Roberto Batochio, Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins alegaram que os fatos imputados a Lula — palestras irregulares e titularidade de um apartamento em Guarujá (SP) e de um sítio em Atibaia (SP) — não têm nada a ver com a capital paranaense ou com a Petrobras, para justificar a permanência dos processos com Moro.

Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, criticou a manifestação do MPF contra Lula. Citando o filósofo francês Joseph Joubert, disse que o tamanho da peça demonstra sua fragilidade.

“Joubert afirmou que ‘nós enfraquecemos tudo aquilo que exageros, pois ao exagerar, nós mostramos a fraqueza’. Assim, o fato de a petição ter 70 laudas é, por si só, um indício de que a razão está conosco, com todo o respeito aos procuradores. Afinal, a verdade é solarmente clara, você consegue demonstrá-la com cinco parágrafos”, declarou.

Roosewelt Pinheiro/ABr
"Não é crível" que Lula desconhecesse o motivo dos pagamentos das empresas, argumenta Ministério Público Federal.
Roosewelt Pinheiro/ABr

O advogado também apontou que o princípio do devido processo legal impede que um juiz escolha a pessoa que quer julgar, e vice-versa. E a competência é fixada pelo local onde ocorreu o suposto delito. No caso, os imóveis atribuídos a Lula estão no estado de São Paulo, onde também fica a empresa que administra suas palestras, destacou Batochio.  

Para o MPF, há indícios de que o ex-presidente Lula se beneficiou com o esquema de corrupção na Petrobras investigado pela operação “lava jato”. Para os procuradores da República, o fato de os crimes terem perdurado até 2014, nove anos depois da queda de José Dirceu da Casa Civil, “denota que alguém, ocupante de cargo de mesma ou até superior posição hierárquica no Governo Federal, participava do esquema”.

A peça diz que há diversos indícios que sustentam essa conclusão. Um deles seria o fato de Lula ter admitido que sabia do uso de caixa dois para financiar partidos, e que os diretores da Petrobras eram indicados a partir de acordos políticos. “Ou seja, Lula sabia que empresas realizavam doações eleitorais ‘por fora’ e que havia um ávido loteamento de cargos públicos. Não é crível, assim, que Lula desconhecesse a motivação dos pagamentos de 'caixa 2' nas campanhas eleitorais, o porquê da voracidade em assumir elevados postos na Administração Pública federal, e a existência de vinculação entre um fato e outro”, argumentam os procuradores.

Outro ponto é a implicação de diversas pessoas relacionadas a Lula e ao PT no esquema, como Dirceu, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-deputado federal André Vargas e o marqueteiro João Santana. Além disso, o MPF cita o empréstimo entre o Banco Schahin e o fazendeiro José Carlos Bumlai, que, segundo o órgão, serviria para silenciar o empresário Ronan Maria Pinto – pelo qual a Schahin Engenharia, do mesmo grupo da instituição financeira, teria sido beneficiada com a contratação para operar um navio-sonda da petroleira. “Ou seja, para quitar uma dívida contraída no interesse do Partido dos Trabalhadores e de pessoas diretamente a ele vinculadas, utilizou-se de uma contratação fraudada na Petrobras”, sustentam.  

Os procuradores ainda apontam que mesmo após o fim de seu mandato presidencial, o petista foi beneficiado por repasses de empreiteiras envolvidas nas investigações, e que ele continuou a exercer forte influência política no governo. Por isso, os integrantes do MPF dizem existir indícios que demonstram que Lula sabia do esquema.

“Nessa toada, considerando os dados colhidos no âmbito da operação ‘lava jato’, há elementos de prova de que Lula participou ativamente do esquema criminoso engendrado em desfavor da Petrobras, e também de que recebeu, direta e indiretamente, vantagens indevidas decorrentes dessa estrutura delituosa.”

E essas vantagens consistem no tríplex no Guarujá, que, segundo o MPF, foi reformado e dado para a família do ex-presidente pela OAS em um esquema clássico de compra de imóveis para lavagem de ativos em benefício dos destinatários finais das propinas. O mesmo modus operandi foi usado no sítio de Atibaia, mas com a Odebrecht e Bumlai, conforme os procuradores.

Eles também questionam a licitude das palestras do líder do PT. Isso porque seus cinco maiores clientes foram empreiteiras envolvidas na “lava jato” – Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez –, o que indica que essas conferências poderiam ser usadas para transferir recursos ilícitos.

De acordo com o MPF, isso demonstra que havia “uma só organização, com o mesmo modus operandi, integrada pelos mesmos agentes, em contextos parcialmente diferentes, mas sempre com o mesmo fim: enriquecimento ilícito dos seus integrantes e manutenção do poder político”. Dessa maneira, há duas causas de conexão, na visão dos procuradores: a subjetiva por concurso, “eis que se trata de crimes diversos, praticados por diversas pessoas em concurso”, e a instrumental, “eis que, inserindo-se as infrações em um mesmo contexto e integrando a mesma cadeia de eventos, a prova de cada uma influi na das outras e vice-versa”.

Apuração completa
Acima de tudo, a 13ª Vara Federal de Curitiba deve cuidar de todas as investigações e processos da “lava jato” para assegurar a solução mais completa para o caso, argumentam os procuradores. Segundo eles, a “parte” só ganha sentido no “todo”.

E mais: há diversos crimes graves praticados em Curitiba, como a lavagem de dinheiro oriundo de propinas na Petrobras por meio da compra de imóveis na capital paranaense, o que justifica a competência para além da conexão, na visão dos procuradores. Eles ainda dizem que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal já ratificaram esse poder de Sergio Moro.

Por esses motivos e pelo fato de a Exceção de Incompetência ter sido apresentada antes da denúncia, o MPF defende que o pedido seja negado.

Juiz único
“Não pode haver no Estado Democrático de Direito um juiz para julgar fatos que não estejam dentro de sua competência territorial. Quando a persecução penal do Estado se opera fora desses parâmetros, é ilícita, ilegal e abominável”, afirmou o criminalista José Roberto Batochio, que defende o ex-presidente.

O advogado disse ter confiança de que a Exceção de Incompetência prosperará, nem que seja nos tribunais superiores.  

Exceção de Suspeição
Os advogados de Lula, Batochio, Teixeira e Zanin Martins, também apresentaram Exceção de Suspeição contra Sergio Moro no início de julho por ele ter acusado Lula de obstruir a Justiça e ter manifestado apoio à tese dos investigadores da operação “lava jato” de que ele é o real proprietário de um sítio em Atibaia.

Contudo, o juiz federal negou essas acusações e não abriu mão do caso. Em face dessa negativa, a defesa do petista protocolou uma petição no Conselho de Direitos Humanos da ONU no dia 28 de julho, afirmando que o responsável pelos processos da operação “lava jato” em Curitiba está agindo com parcialidade.

Clique aqui para ler a petição.

Processos 5032551-86.2016.4.04.7000, 5032547-49.2016.4.04.7000 e 5032542-27.2016.4.04.7000

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