Opinião

Transparência faz com que "sagrado" sigilo fiscal seja revisto

Autor

  • Marcelo Fonseca Vicentini

    é advogado. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo – USP. Docente de “Teoria Geral do Direito Tributário” e “ Tributação nos Mercados Financeiro e de Capitais” no LL.M. em Direito Tributário no INSPER.

4 de agosto de 2016, 8h50

O jargão “o mundo está mudando” nunca foi tão atual e tão utilizado no direito tributário.

A concepção que se vive em determinada localidade e aquela regra tributária especifica daquela jurisdição vai determinar como o contribuinte será identificado e qual o nível da sua respectiva carga tributária deve ser repensada.

Durante algumas décadas, o direito tributário influenciou a definição da residência fiscal e da alocação de investimentos de indivíduos e famílias inteiras. Isso ocorreu principalmente por dois motivos: a) baixa (ou nula) tributação de determinados investimentos/ativos e b) sigilo das informações fiscais.

Jurisdições que atendiam os requisitos acima (notadamente países da América Central e alguns países da Europa) se tornaram famosas internacionalmente e atraíram grande volume de investimentos, passando a contar entre os seus residentes (fiscais) indivíduos ilustres e, em geral, ricos.

Apenas para dar uma ideia de números, um estudo recente mostra que os super-ricos brasileiros somaram até 2010 cerca de US$ 520 bilhões (ou mais de R$ 1 trilhão) em paraísos fiscais (vulgarmente denominados desta forma devido à baixa tributação e ao sigilo das informações).[i]

Em uma perspectiva mais ampla, o mesmo estudo constata que desde os anos 1970 até 2010, os cidadãos mais ricos das 139 economias mais desenvolvidas do mundo aumentaram de US$ $ 7,3 trilhões para US$ 9,3 trilhões a "riqueza offshore não registrada" para fins de tributação.

Baixa (ou nula) tributação
Esse cenário começou a mudar, mais notoriamente a partir de 1998, com a publicação do documento emitido pela OCDE chamado concorrência fiscal prejudicial (Harmuful tax competition). Referido documento buscava identificar regimes fiscais privilegiados que, segundo as conclusões do documento prejudicavam a competição mundial por meio da não tributação ou tributação reduzida das riquezas ali geradas, incentivando diversas atividades ilegais, dentre elas a evasão fiscal.

O documento buscava identificar os regimes, entender as razões e obter um compromisso, inicialmente dos membros da OCDE, que essa situação seria revista e ajustada.

Sigilo das informações fiscais
Em paralelo, por volta do ano 2000 foi criado o Fórum Mundial da Transparência Fiscal, também no âmbito da OCDE, buscando a transparência fiscal e troca de informações entre os países membros deste organismo internacional. Em setembro de 2009 o fórum foi remodelado em resposta as demandas do G20, ampliando seu escopo e sua atuação. Essas iniciativas buscavam atacar o segundo motivo descrito acima.

O mundo em mudança
O que se percebe a partir daí é uma avalanche de iniciativas tendentes a combater os paraísos fiscais.

Dentre essa série de iniciativas, duas delas se destacam e merecem nota: A regra americana chamada FATCA (aprovada em 2010) e o sistema de troca de informações estabelecido pela OCDE chamado CRS (aprovado em 2014).

Enquanto as regras FATCA se concentram apenas na potencial evasão fiscal por parte dos chamados US Persons (Americanos, Detentores de Green Card, etc), o CRS atinge a potencial evasão fiscal de metade das nações do globo, com cerca de 50 países trocando informações fiscais a partir de 2017 e mais cerca de 50 países a partir de 2018.

Ambos buscam combater a evasão fiscal e melhorar o compliance fiscal global exigindo que as instituições financeiras forneçam dados pessoais e identifiquem o status fiscal de seus clientes.

O mais recente desdobramento no Brasil
O Brasil depositou na OCDE o instrumento de ratificação do acordo para troca automática de informações (Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters) dia 1º de junho de 2016, sendo que o acordo assinado pelo Brasil permitirá à Receita Federal ter acesso as informações de pessoas físicas e jurídicas das mais de 100 nações participantes do CRS (mencionado acima) a partir de 1º de outubro de 2016.

Num primeiro momento a troca de informações poderá ser feita por meio de solicitação ao país onde os ativos dos contribuintes brasileiros estão registrados/custodiados, sendo que o intercâmbio automático começara a ser feito a partir de 2018, com informações referentes ao exercício de 2017.

Conclusão
O que se observa a partir destas breves notas é que o mundo está mudando e o sigilo das informações fiscais, considerado até pouco tempo atrás algo “sagrado” para determinadas jurisdições começa a ser revisto em prol de maior transparência fiscal, mais justiça na tributação e na concorrência mundial.

Independentemente de gostar ou não, de concordar ou não com esse novo mundo, o que está claro é que não há como voltar ao mundo antigo, onde baixa (ou nula) tributação e sigilo das informações fiscais foram “moda” e “intocáveis”, tempos que não voltam mais…


Autores

  • Brave

    é advogado. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo – USP. Docente de “Teoria Geral do Direito Tributário” e “ Tributação nos Mercados Financeiro e de Capitais” no LL.M. em Direito Tributário no INSPER.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!