Opinião

Incidente de desconsideração da pessoa jurídica não pode abrir exceções

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3 de agosto de 2016, 8h38

Como é cediço, o novo Código de Processo Civil estabeleceu a necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para fins de redirecionamento do processo executivo, fixando tal procedimento por meio dos artigos 133 a 137[1].

Ocorre que, reiteradamente, tal medida não vem sendo adotada por diversos juízos nos pedidos de redirecionamento em razão de sucessão empresarial ou existência de grupo econômico, sendo ignorado em tais situações o real objetivo do legislador: garantir o contraditório prévio antes da excussão patrimonial.

Durante a vigência do CPC/1973, não eram raros os casos em que a inclusão de pessoa jurídica diversa no polo passivo da lide se dava com base em informações trazidas unilateralmente pela parte exequente. Mais ainda, muitas vezes o patrimônio da empresa era imediatamente constrito, sem que ao menos fosse assegurada a sua prévia citação e intimação para pagamento voluntário do débito.

Não raras, igualmente, as situações em que o redirecionamento e a constrição patrimonial eram afastados após a defesa da parte executada, evidenciando a temeridade do pedido inicialmente formulado, bem assim o prejuízo decorrente do prosseguimento prematuro da execução contra terceiros, sem o prévio processo de conhecimento, agora muito bem delimitado pelo novo código.

Em uma rasa análise, o artigo 133 do CPC/2015 parece prever a necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica apenas nas hipóteses de redirecionamento da execução para pessoa dos sócios ou na forma inversa (v. parágrafo 2º). Não há menção clara aos casos de redirecionamento pela sucessão empresarial ou existência de grupo econômico.

De qualquer forma, se o parágrafo 1º do artigo 133 e o parágrafo 4º do artigo 134 preveem que o redirecionamento deverá seguir estrita observância aos pressupostos previstos em lei (por exemplo, artigo 50 do Código Civil e artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor), fica claro que o procedimento incidental deve ser manejado em todas as situações, indistintamente, garantindo a prévia manifestação do terceiro prejudicado em regular processo de conhecimento.

Sem sombra de dúvidas, com o advento do novo Código de Processo Civil, a inclusão imediata de pessoa jurídica diversa no polo passivo da execução, seja por eventual sucessão empresarial ou pela formação de grupo econômico, ainda que demonstrado os requisitos materiais para tanto, passou a representar flagrante ofensa ao devido processo legal, procedimento este que deve ser rechaçado, a exemplo de recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[2].

O processo executivo deve priorizar a satisfação do débito em favor do exequente, mas isso não significa permitir a banalização do instituto da disregard doctrine. Se a nova legislação processual impôs a necessidade de instauração de incidente próprio para que a desconsideração de personalidade jurídica se efetive, de rigor que tal procedimento seja adotado em todas as situações de redirecionamento, sem exceção.


[1] Artigo 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Artigo 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Artigo 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Artigo 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Artigo 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.
[2] (…) CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Reconhecimento de formação de grupo econômico – Presente, na espécie, prova de fato indicativo de fraude, que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, para determinar a inclusão no polo passivo da execução das pessoas jurídicas elencadas pela agravante, em razão da formação de grupo econômico e existência de confusão patrimonial entre elas – Reforma da r. decisão agravada, para deferir o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, para determinar a inclusão no polo passivo da execução da sociedades empresárias elencadas pela agravante, com determinação ao MM Juízo da causa de instauração de incidente de desconsideração de personalidade jurídica, com a suspensão imediata da fase de cumprimento de sentença e citação das pessoas jurídicas incluídas no polo passivo para manifestação no prazo de 15 dias (CPC/2015, arts. 134, §3º e §4º e 135).
Recurso provido, com determinação.
(AI 2026030-82.2016.8.26.0000; relator(a): Rebello Pinho; comarca: São Paulo; órgão julgador: 20ª Câmara de Direito Privado; data do julgamento: 25/4/2016; data de registro: 27/4/2016).

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