Caos na corporação

Em relatório, delegado diz que PF não tem condição para continuar investigações

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3 de agosto de 2016, 7h47

Alegando falta de condições para trabalhar, um delegado da Polícia Federal em São Paulo usou o relatório final de uma investigação para pedir ao Ministério Público seja mais específicos nos pedidos que fizer aos investigadores. O documento deveria conter as conclusões do delegado acerca das apurações, mas virou uma carta aberta sobre as condições a que diz estar submetido.

O relatório, assinado pelo delegado Eduardo Marcondes do Amaral no dia 6 de julho, já foi entregue à Justiça e o Ministério Público Federal. Nele, o delegado afirma que “não é necessário ser especialista no assunto para percebermos que caminhamos para o caos nas indigitadas cargas”.

Marcondes narra uma situação de fato preocupante em seu departamento, um núcleo especializado em repressão a crimes contra a Caixa Econômica Federal dentro da Delegacia Fazendária da PF em São Paulo. O inquérito em questão foi aberto em maio de 2015 e distribuído ao delegado William Tito. Só que no fim daquele ano o delegado foi convocado para trabalhar na operação “lava jato”.

Aliado a isso, o “DPF Hermes”, segundo Marcondes, está afastado de suas funções por tempo indeterminado e nunca foi substituído. Portanto, o núcleo, que deveria ter seis equipes de um delegado e um escrivão, conta com apenas quatro. Segundo as contas de Marcondes, que acabou responsável pelo inquérito, isso significou que cada delegado passou a ser responsável por mais de 500 investigações, quando o máximo de inquéritos por delegado “gira em torno de 120 e 150”.

“Deste modo, não é necessário ser especialista no assunto para percebermos que caminhamos para o caos nas indigitadas cargas”, afirma o delegado. “Desta feita, traçado o quadro neste momento exposto, é de se reconhecer que esta autoridade policial não possui mínima condição de presidir mais estes apuratórios.”

Sangramento
No relatório, o delegado Marcondes também conta que já levou suas reclamações à administração da PF, que “continuou a sangrar esta Delefaz, que, atualmente, não possui condições de realizar seus trabalhos coma qualidade mínima exigida”.

A Polícia Federal em São Paulo, no entanto, nega ter recebido qualquer reclamação de falta de apoio material por parte da delegacia em que trabalha o delegado Marcondes. “Não pela via adequada”, disse o Departamento de Polícia Federal em São Paulo, por meio da assessoria de imprensa, à ConJur.

Por e-mail, o DPF-SP explicou que o meio escolhido por Marcondes para reclamar da falta de condições de trabalho “é incorreto”. “O relatório policial se dirige à Justiça e ao Ministério Público e não aos superiores hierárquicos do referido policial, que têm atribuição para apurar e suprir, na esfera administrativa, eventuais necessidades de pessoal ou material”, diz o comunicado.

A PF também nega que cada delegado tenha de cuidar de 500 inquéritos. O delegado Marcondes, por exemplo, tem menos da metade disso sob sua responsabilidade, segundo o comunicado enviado à reportagem da ConJur. Afirmam ainda que, ao contrário do que diz o delegado, há no núcleo de repressão a crimes contra a Caixa dois estagiários e um terceirizado trabalhando no apoio aos delegados e escrivães.

O comunicado do DPF-SP também diz que “não há no Núcleo da CEF investigações de alta complexidade, que ensejam operações policiais, e também não há investigações de crimes praticados por organizações criminosas violentas”. Esses casos, explica a assessoria de Comunicação, têm núcleos específicos. Nem mesmo os flagrantes vão para o núcleo, são encaminhados para a sede da PF em São Paulo, no bairro da Lapa.

Assim, conclui o comunicado, “pela natureza das investigações que lá se encontram tombadas, não há necessidade de vasta equipe”. De todo modo, a PF informou que vai fazer um levantamento interno para apurar as denúncias feitas por Marcondes.

Briga justa
O procurador da República responsável pelo inquérito, José Leão Júnior, confirmou o recebimento do relatório e, por meio da assessoria de imprensa do MPF em São Paulo, se disse surpreso com o teor do documento. Segundo a explicação dele, do relatório devem constar as conclusões do delegado a respeito do que foi apurado durante as investigações.

Entretanto, o procurador não estranha o conteúdo das queixas. Ele diz colecionar reclamações de delegados e agentes da PF acerca da falta de recursos materiais e humanos para trabalhar. Só que elas são feitas em despachos, em pedidos de dilação de prazos ou em outras etapas internas do processo.

O procurador informou lamentar o fato de a reclamação, que considera justa, ter sido feita em um documento final do inquérito e fora das vias adequadas.

Apoio
Procurado pela ConJur, o delegado Marcondes confirmou a autoria do relatório, mas preferiu não dar entrevista. Por meio da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), informou já ter feito pedidos de reforço aos superiores, mas não ter sido atendido. Também disse que a delegacia fazendária em que funciona o Nucef perdeu cinco delegados “nos últimos tempos”.

A ADPF corrobora as queixas de Marcondes. Segundo a entidade, há 500 cargos de delegados vagos no Brasil, e não há expectativa que sejam preenchidos, já que o governo federal passa por política de contenção de gastos. E caso se decida pela abertura de concursos, as vagas demoram em média dois anos para ser providas.

Clique aqui para ler o relatório do delegado Marcondes.

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