Opinião

ISS sobre veiculação de propaganda é retrocesso no município de São Paulo

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30 de abril de 2016, 8h30

Conforme o recém-publicado Parecer Normativo SF 1/16, a prefeitura de São Paulo passará a exigir o Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre as receitas com veiculação de publicidade e propaganda. O imposto alcançará quase todas as mídias conhecidas, tais como televisão aberta e fechada, rádio, internet, outdoor, backlights etc. Apenas livros, jornais e revistas (desde que não tenham finalidade exclusivamente publicitária) permanecerão a salvo do imposto, em razão da imunidade constitucional de que desfrutam.

O parecer tem caráter interpretativo, ou seja, não representa uma mudança da lei, mas apenas da interpretação que o fisco paulistano confere à lei. Isso significa que a exigência do ISS poderá ser feita inclusive retroativamente, alcançando os últimos cinco anos.

Trata-se de uma diametral guinada no entendimento do município, que, em diversas oportunidades (Solução de Consulta SMF 186/05), já reconhecera, no passado, a não incidência do ISS nessa hipótese.

O novo entendimento paulistano, a nosso ver, é completamente infundado e significa um lamentável retrocesso no estágio da hermenêutica legislativa do mais importante município da Federação.

Resumidamente, está-se a confundir “criação” e “divulgação” publicitárias.

A própria Lei 4.680/65, que disciplina o segmento publicitário, auxilia na compreensão dessa já suficientemente clara distinção, definindo:

(a) a agência de publicidade, como empresa “especializada na arte e técnica publicitária, que, através de especialistas, estuda, concebe, executa e distribui propaganda aos veículos de divulgação, por ordem e conta de clientes anunciantes, com o objetivo de promover a venda de produtos e serviços, difundir ideias ou informar o público a respeito de organizações ou instituições colocadas a serviço desse mesmo público” (artigo 3º); e

(b) os veículos de divulgação, como “quaisquer meios de comunicação visual ou auditiva capazes de transmitir mensagens de propaganda ao público” (artigo 4º).

A lista de serviços tributáveis pelo ISS, anexa à LC 116/03, contempla apenas a primeira dessas realidades, que consiste na concepção da peça publicitária, atividade intelectual, criativa, genial prestada pelo profissional da publicidade e pelas agências de propaganda. Confira-se:

“17.06 – Propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas, ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais materiais publicitários”.

Já a atividade de mera veiculação da publicidade não está prevista na lista do ISS. Pior até: havia um item próprio para essa atividade, mas ele foi vetado pelo Poder Executivo, sob dois fundamentos a serem abordados adiante. Eis a redação pretendida:

“17.07 – Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, por qualquer meio”.

O Parecer Normativo paulistano, no entanto, sustenta que o item 17.06 da lista do ISS contempla tanto a criação como a veiculação publicitária, com isso contornando, mediante ardilosa interpretação, o veto presidencial ao item 17.07.

Conforme jurisprudência pacífica do STJ (REsp 1.111.234), a ser confirmada pelo STF em sede de repercussão geral (RExt 784.439), a lista de serviços do ISS é taxativa, embora seus itens comportem, a princípio, interpretação extensiva.

Sucede que o mesmo STJ tem reiterado entendimento de que os itens vetados da lista do ISS não podem “ressuscitar” em outros itens vigentes. Foi o que decidiu aquela Corte quando às voltas com os itens 13.01 (vetado) e 13.03 (sancionado):

“Existindo veto presidencial quanto à inclusão de serviço na Lista de Serviços (…) é vedada a utilização de interpretação extensiva.

(…)

Não é possível aplicar interpretação extensiva para alcançar atividade específica que foi expressamente excluída da lista anexa em face de veto presidencial”[1]

Por tudo isso, subsumir a veiculação de publicidade aos serviços de publicidade do item 17.06 parece-nos um expediente sem nenhum fundamento hermenêutico razoável, um puro e simples “tapa na cara” do veto presidencial ao item 17.07.

Mas quais foram, afinal, as razões para o referido veto[2]?

A primeira delas parece-nos descabida, mas é irrelevante ao objeto deste estudo. É que o item 17.07 não teve o cuidado de excepcionar da incidência do imposto a veiculação de publicidade em mídia impressa, supostamente desafiando, com essa omissão, a imunidade constitucional outorgada a livros, jornais e periódicos (CR, art. 150, VI, ‘d’).

Entendemos que o veto seja um castigo excessivo para essa “falha” do item, afinal a norma de imunidade se sobrepõe à norma de incidência, sendo simplesmente desnecessário que o legislador mencione a imunidade a cada hipótese de incidência que institui. Sancionado que fosse o item 17.07 na sua exata redação, e ainda assim a imunidade aos jornais e periódicos estaria plenamente assegurada, seja mediante interpretação sistemática do item e da CR, seja por simples aplicação da lex superior em favor do texto constitucional.

Já a segunda justificativa é bastante pertinente e valiosa para respaldar o entendimento que sustentamos: a veiculação de propaganda configura serviço de comunicação, alcançável pelo ICMS[3] e não pelo ISS.

A incidência de ICMS sobre a atividade de veiculação publicitária envolve duas controvérsias: a primeira é saber se há aí verdadeiramente comunicação, uma vez que se trata de canais meramente “unidirecionais”, isto é, que não permitem ao destinatário da mensagem devolver uma contra-mensagem ao emitente. A segunda é saber se há serviço, ou mera obrigação de dar (cessão de espaço) do veículo de comunicação.

Não pretendemos aqui aprofundar as especulações dogmáticas sobre a incidência do ICMS. Já o fizemos, aliás, em outra oportunidade (Revista Dialética de Direito Tributário nº 234, pp.84/95), ocasião em que concluímos que a veiculação publicitária configura, sim, comunicação e, nos casos de mídia impressa, TVs aberta e fechada e internet, essa comunicação se perfaz mediante obrigação de fazer do veículo, assumida perante o anunciante. Considerando, no entanto, a imunidade outorgada à mídia impressa e às rádios e TVs abertas, o ICMS incidiria apenas nos casos de TV por assinatura e internet.

Aceitamos, de qualquer forma, que a incidência do ICMS seja ainda objeto de algum debate doutrinário. O mesmo, contudo, não se pode admitir em se tratando de ISS. O veto presidencial ao item 17.07 da lista anexa à LC nº 116/03 não deixa a mais remota margem para tanto.

Daí o PN nº 1/16 ser, a nosso ver, insustentável.  

 


[1] STJ. 1ª Turma. REsp nº 1.308.628. Rel. Min. Benedito Gonçalves. v.u. j. 26.6.12.

[2] Eis a íntegra: "O dispositivo em causa, por sua generalidade, permite, no limite, a incidência do ISS sobre, por exemplo, mídia impressa, que goza de imunidade constitucional (cf. alínea "d" do inciso VI do art. 150 da Constituição de 1988). Vale destacar que a legislação vigente excepciona – da incidência do ISS – a veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de publicidade por meio de jornais, periódicos, rádio e televisão (cf. item 86 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968, com a redação da Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987), o que sugere ser vontade do projeto permitir uma hipótese de incidência inconstitucional. Assim, ter-se-ia, in casu, hipótese de incidência tributária inconstitucional. Ademais, o ISS incidente sobre serviços de comunicação colhe serviços que, em geral, perpassam as fronteiras de um único município. Surge, então, competência tributária da União, a teor da jurisprudência do STF, RE no 90.749-1/BA, Primeira Turma, Rel.: Min. Cunha Peixoto, DJ de 03.07.1979, ainda aplicável a teor do inciso II do art. 155 da Constituição de 1988, com a redação da Emenda Constitucional no 3, de 17 de março de 1993."

[3] Num lapso até grosseiro, as razões de veto falam em competência da União sobre essa materialidade, como era até a CR de 1967. Como se sabe, na CR de 1988 a sujeição ativa para tributar serviços de comunicação passou aos Estados. O lapso, no entanto, não impede que enxerguemos a “interpretação autêntica” no sentido de que a veiculação publicitária tipifica serviço de comunicação.

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    é advogado, mestre em direito tributário pela USP e sócio do escritório Tranchesi Ortiz, Andrade e Zamariola Advocacia. Conselheiro da 4ª Câmara do Conselho Municipal de Tributos da Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo.

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