Colaboração adequada

Para procurador, advocacia precisa criar diretrizes para delações premiadas

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29 de abril de 2016, 18h09

Enquanto o Ministério Público tem criado diretrizes para que seus membros façam acordos de colaboração premiada de forma adequada, a advocacia ainda não tem quaisquer orientações sobre a questão, mas a definição é necessária, segundo o procurador da República Rodrigo De Grandis.

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Para De Grandis, resistência de advogados à delação atrasa criação de regras.
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Segundo De Grandis — que participou nesta sexta-feira do VII Encontro Anual da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), em Campinas (SP) —, desde que foi promulgada a Lei 12.850/2013, o MP discute internamente, inclusive promovendo cursos, para estabelecer procedimentos básicos para fazer uma delação da maneira adequada. Entretanto, para o procurador, esse movimento ainda não é visto na advocacia devido à resistência de alguns advogados, contrários ao instituto.

Ele ressalta que já há uma tendência de diminuição dessa resistência e, assim que ela for afastada, a advocacia terá que começar a se preocupar em como regulamentar isso do ponto de vista deontológico. "Há uma necessidade da própria classe estabelecer regras mais claras e seguras para o profissional fazer a colaboração de forma adequada", afirmou.

Para o procurador, há duas questões principais a serem observadas pelos advogados. A primeira diz respeito a transparência com o colaborador. "Na primeira conversa, o advogado já deve estabelecer todas as possibilidade possíveis em relação à colaboração premiada. Dizer ao cliente, por exemplo, que ele não pode omitir qualquer informação e, principalmente, mentir sobre a colaboração pois isso gera o cancelamento do acordo. O advogado também deve nortear que a delação pressupõe a renuncia ao direito ao silêncio", afirmou.

O segundo ponto trata do conflito de interesses. Na visão do procurador, há atualmente casos em que existe o conflito de interesse entre clientes que são defendidos por um mesmo advogado. "Uma solução talvez fosse a consulta prévia ao tribunal de ética, mas é algo que o futuro vai ter que decidir", reflete.

Durante sua exposição, o procurador analisou a natureza jurídica da colaboração premiada e ressaltou que o direito premial não é uma novidade no Direito Penal, já sendo existindo, por exemplo, nas hipóteses de extinção de punibilidade ou no direito ao arrependimento. A diferença entre a colaboração premiada e esses institutos clássicos, na opinião do procurador, está na ideia da negociação, do acordo. 

De Grandis observou ainda que o acordo de leniência é outro instituto do direito premial que prevê a negociação. "Estamos caminhando para a ampliação dos espaços de consenso. Uma Justiça negociável. Com isso a postura da advocacia também muda. Deixa de ser de contencioso e passa a ser de consenso", disse.

Características da colaboração
Ao destacar algumas características da colaboração premiada, De Grandis afirmou que o instituto é, inegavelmente, um meio de obtenção de prova, e não um meio de prova. De acordo com ele, uma das características do instituto é o princípio da corroboração. "Na prática, uma sentença só pode ser prolatada se a colaboração premiada, os elementos obtidos através dela, sejam corroborados por outras provas produzidas na investigação e no processo", explicou.

Além disso, o procurador rechaçou a ideia de que somente é possível o acordo nos casos em que há uma organização criminosa: "A colaboração premiada tem uma característica de benefício penal. E enquanto norma benéfica de Direito Penal, tem uma natureza retroativa — podendo ser aplicada para casos anteriores à Lei 12.850/2013 — e abrangente, podendo ser aplicada a toda forma delituosa".

Questões controvertidas
Ao encerrar sua palestra, o procurador Rodrigo De Grandis não fugiu dos aspectos controvertidos da delação premiada, e que normalmente geram discordância entre o Ministério Público e a advocacia.

O primeiro ponto abordado foi a questão da legitimidade, de quem pode fazer a colaboração. Novamente, nesse ponto, ele registrou que trata-se de uma negociação e que o agente que deseja colaborar deve fazer isso de forma livre, devendo sempre estar acompanhado de seu defensor constituído.

Outra questão relevante, que inclusive foi suscitada na operação "lava jato", trata do papel do juiz na colaboração. De acordo com o promotor, o artigo 4º é claro ao dizer que o juiz não participa das negociações e que isso é importante para manter sua imparcialidade. "O magistrado deve realizar um controle externo tendo em vista três critérios: legalidade, regularidade e voluntariedade. Não pode se imiscuir no mérito do acordo", complementou.

Por último, o procurador deixou a questão que gera mais controvérsia e é constantemente criticada na operação "lava jato": a possibilidade do agente que está preso fazer a delação. "Muitos criticam sob o argumento que os delatores estavam presos, coagidos ou pressionados. É importante que se diga não existe lei que impeça o agente que está preso de fazer delação. A colaboração pode acontecer a qualquer momento, até mesmo depois da sentença", afirmou.

O procurador citou o HC 127.483, relatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, no qual o ministro afirmou que não se pode confundir a liberdade psíquica com a de locomoção. "Para a delação ser válida basta que se tenha a liberdade psíquica. Sendo assim, é possível e válida a colaboração com o agente preso", concluiu De Grandis.

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