Opinião

Eficiência da delação deve ser equilibrada com garantias processuais

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27 de abril de 2016, 7h09

Cada vez mais meios excepcionais são colocados à disposição para combater a criminalidade organizada. Ao lado de outros, a delação, colaboração premiada ou chamada do corréu é um desses novos instrumentos.

Tendo em vista o indiscutível grau de interferência nos direitos e garantias individuais, é importante uma reflexão quanto ao equilíbrio que dever nortear sua aplicação.

O processo penal é um meio racional de solução de conflitos sociais entre o interesse de punir e o status de liberdade do imputado, e deve ser utilizado como um filtro para evitar acusações infundadas, promovendo a paz social, mas sem descurar dos direitos individuais (Gemaque, 2003:45).

É no momento da confissão que pode ocorrer a chamada do corréu ou delação, sendo que a confissão pode ocorrer, quer na fase policial, quer na fase judicial. Nos termos da Lei 12.850/2013, a delação, aqui chamada de colaboração premiada, pode ocorrer tanto na fase policial ou extrajudicial, quanto na fase judicial propriamente dita.

Alguns autores diferenciam chamada do corréu e delação.

Malatesta classifica em quatro situações o fato de o acusado admitir sua responsabilidade e atribui-la também a outrem: 1) o indiciado admite a prática do crime, mas acusa o coindiciado ou terceiro ainda não envolvido (chamamento do cúmplice); 2) o indiciado nega o crime, mas incrimina o coindiciado ou terceiro; 3) em juízo, o acusado nega o crime e incrimina o corréu (Malatesta, 212-213).

Ao longo do tempo, tem-se entendido como clássica chamada do corréu a hipótese que a suspeita em relação ao delatado ou denunciado ocorre a partir da palavra do delator ou denunciante.

Atualmente, é tênue a diferença entre chamada do corréu e mera acusação, tanto que hoje são concebidos indistintamente. Usa-se também a denominação delação (Gemaque, 2003:45).

Segundo Camargo Aranha, a chamada do corréu não é confissão, pois esta tem como pressuposto que a afirmação atinja o próprio confitente, sendo que nesse caso estamos diante de afirmação que atinge terceira pessoa. Não é também testemunho, pois quem delata tem interesse na causa, ao contrário de testemunhas. A toda evidência, portanto, trata-se de prova anômala, não catalogada expressamente no Código de Processo Penal, mas que, sem dúvida, traz indiscutíveis consequências como meio de prova e para a formação do convencimento do juiz (Aranha, 1994:99-100).

Segundo a definição de Camargo Aranha:

“A delação, ou chamamento de corréu, consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia , e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribuiu a um terceiro a participação como seu comparsa” (Camargo Aranha, 1994:99).

É a análise desta fonte de prova que procuraremos estudar no presente trabalho, fazendo, para isso, um breve esboço do que tratam, a respeito, alguns dos principais sistemas processuais penais do mundo.

A Lei 12.850/2013 trouxe o termo “colaboração premiada”, que nada mais é do que a delação ou chamada do corréu. Portanto, o importante não é o termo que se utiliza para expressar uma ideia, mas sim a ideia propriamente dita. Particularmente, prefiro os termos delação ou chamada do corréu.

Historicamente, nunca se deu muito valor à delação, sendo que apenas a partir do advento do processo penal acusatório, em que passa a prevalecer o princípio do livre convencimento judicial e da paridade das armas entre as partes, é que a chamada do corréu passa a ter importância. Mesmo assim, surge como mero indício ou prova frágil, que não serve, de per si, para condenar, mas sim deve ser analisada conjuntamente com os demais elementos de prova (Gemaque, 2003:47).

No direito italiano, a chamada do corréu encontra-se prevista no artigo 192, comma 3, CPP italiano:

“Le dichiarazioni rese dal coimputato del medesimo reato o da persona imputata in um procedimento connesso a norma dell’articolo 12 sono valutate unitamente agli altri elementi di prova che ne confermano l’ attendibilità”

De acordo com um sistema acusatório que privilegia o papel das partes, em um plano igualitário segundo as regras do contraditório, ao contrário do processo inquisitório que tem como objetivo a busca da verdade real, o artigo 192 do CPP italiano exige que a chamada do corréu seja avaliada conjuntamente com as demais provas colhidas, não restringindo o livre convencimento do juiz, na medida em que impõe a este apenas regras de avaliação da chamada do corréu como mero indício de prova, nos termos do artigo 192 comma 2, CPP (Gemaque, 2003: 48):

“2. L’ esistenza di um fato non può essere desunta da indizi a meno che questi siano gravi, precisi e concordante”.

A análise da chamada do corréu deve ocorrer juntamente com a valoração das condições subjetivas do denunciante, pois são as razões que o levaram a formular a chamada do corréu que serão o sustentáculo ou não da sua veracidade (Gemaque, 2003:49).

Assim, toda a sorte de dados individuais, tais como desejo de vingança, interesses altruísticos etc. devem ser levados em consideração.

Na Itália, a legislação prevê três figuras: o arrependimento, o dissociado e o colaborador (Gemaque, 2003:49).

O arrependimento, antes da sentença condenatória, dissolve ou determina a dissolução da organização criminosa; retira-se da organização sem resistência, oferecendo todas as informações para o desmantelamento da sociedade criminosa. A consequência estabelecida é a extinção de punibilidade (Grinover, 1995:78).

Por dissociado entende-se aquele que, antes da sentença condenatória, empenha-se para diminuir as consequências danosas da atividade criminosa, confessando todos os crimes praticados. Consequência: diminuição especial da pena de um terço (não podendo superar os quinze anos) e substituição da pena de prisão perpétua pela de reclusão de quinze a vinte e um anos (Grinover, 1995: 78).

Por colaborador tem-se aquele que, antes da sentença condenatória, além dos comportamentos acima previstos, ajuda as autoridades na colheita de provas e na captura de outros autores dos crimes. Consequência: redução da pena até a metade (ou até um terço se a colaboração é de excepcional relevância), sendo que não pode superar os dez anos, podendo ainda substituir a pena de prisão perpétua pela reclusão de dez a doze anos (Grinover, 1995: 78).

Aconteceram problemas no que se refere aos “colaboradores da justiça”, pois muitas vezes delatavam injustamente com o único propósito de obter um benefício legal (Grinover, 1995: 85).

Diferentemente, o interesse genérico de fruir do direito premial não infirma, de per si, a credibilidade a credibilidade da chamada do corréu feita pelo colaborador. Ao contrário, passou-se a entender que tal interesse pela obtenção do direito premial era, na verdade, neutro, até porque o delator teria todo o interesse em ver comprovadas suas assertivas até para não ter revogado o eventual benefício legal a que fizera jus (Cacciapuoti, 2000:205).

Referida experiência italiana responde perfeitamente às muitas críticas feitas, no direito brasileiro, à impossibilidade de se admitir a delação ou chamada do corréu por haver sempre a possibilidade de mentir para a obtenção de um prêmio. Com efeito, esse desejo realmente existe, mas é neutro, isto é, nem prejudica, nem beneficia.

A jurisprudência italiana exige que a comprovação da chamada do corréu possa se dar por intermédio de quaisquer outros elementos de prova, desde que evidentemente sejam idôneos. Desta feita, deve o juiz analisar se a chamada preenche os requisitos: coerência, constância e espontaneidade (Cass. S.U., 22.2.93/192465). Não há sentido, assim, em se entender provada uma chamada do corréu apenas porque existe outra chamada do corréu paralela a confirmá-la, ainda que insofismavelmente ganhe a primeira, com isso, credibilidade (Gemaque, 2003:50).

Uma vez prestadas as declarações contra alguém, o princípio do contraditório exige que deva ser oportunizada a contraprova das delações, sob pena de não valerem sequer como indícios. A legislação e doutrina italianas referem-se até à requisição compulsória do coimputado para participar de tal ato processual, afastando-a apenas em situações de absoluta impossibilidade fática de se proceder a tal comparecimento (Nappi, 1999: 239).

As questões envolvendo a chamada do corréu, como de resto todos os demais meios de prova, no Direito italiano, devem ser estudadas tendo em mira o “giusto” processo (Tonini, 1999:42).

Ada Pellegrini Grinover observou, quanto à utilização da delação no direito italiano: “Houve, é certo, muitas críticas ao sistema que instituiu delação premiada. Mas acabou estabelecendo-se o consenso em torno da necessidade de medidas extremas, que representavam a resposta de um estado de verdadeira guerra contra as instituições democráticas e a segurança dos cidadãos”(Grinover, 1995:85).

Nos EUA existe muita influência da delação na solução das causas penais.

Dados estatísticos indicam que 80 a 90% dos crimes ocorridos nos país são solucionados pelo método do plea bargaining (Garcia, 1996:52).

As declarações de culpabilidade ou pleas of guilty surgiram na Inglaterra e se difundiram intensamente nos EUA (Gemaque, 2003:52).

Segundo Nicolás Rodriguez Garcia, o plea bargaining pode ser definido como “o processo de negociação que possibilita discussões entre acusação e a defesa, com vistas à obtenção de um acordo, no qual o acusado se declarará culpado, em troca de uma redução na imputação que lhe é dirigida ou de uma recomendação por parte do Ministério Público, evitando assim a celebração do processo” (Garci, 1996:84-86).

A doutrina norte-americana e estrangeira têm apontado que um dos mais graves problemas existentes no sistema judicial daquele país é a situação de que pessoas inocentes que se declaram culpadas para obter uma sanção menos severa da qual obteriam, ante as evidências do fato, bem como são levadas a isso para evitar a publicidade adversa que supõe o processo judicial (Garcia, 1996: 91), acontecendo ainda situações extremamente injustos.

Os requisitos
A chamada do corréu que não está prevista expressamente no CPP, não é mais prova anômala, uma vez que já prevista em legislações especiais.

É importante, sendo que o Supremo Tribunal Federal, seguindo a linha de doutrina e jurisprudência estrangeira, já decidiu, diversas vezes, pela necessidade de previsão de contraditório para as hipóteses de chamada do corréu, devendo o juiz intimar o cúmplice apontado pelo denunciante para comparecer em audiência a ser designada, oportunidade em que poderá fazer contraprova dos fatos levantados (Gemaque, 2003:54). Daí a Súmula 65 das Mesas de Processo Penal da Faculdade de Direito da USP (Nucci, 1999:217), a exigir respeito ao princípio do contraditório.

Ada Pellegrini Grinover afiança que a proibição de reperguntas ao corréu, incriminado pelo outro, fere o disposto no artigo 5º, inciso LV, da CF (Grinover, 1990:25). A razão disso é o fato de que a palavra do acusado que incrimina outro tem o valor de um testemunho.

Já para Manzini, a chamada do corréu possui característica de mero indício, e não de testemunho, pois proveniente de pessoa interessada na causa (Manzini, 187).

Ainda que se reconheça na delação ou chamada do corréu valor de mero indício, conforme sustenta parte da doutrina (Assis Moura, 1994: 77), é indiscutível que todas as garantias devem ser aplicadas, pois, não poucas vezes, poderão surgir elementos de convicção a serem utilizados pelo magistrado para a formação de seu convencimento e para a condenação do corréu (Gemaque, 2003:57).

O problema que surge é aplicação do contraditório na fase policial. Aqui, penso devem vigorar ainda a clássica solução do contraditório diferido, caso não exista, em concreto, nenhum gravame à liberdade de locomoção do denunciado. Isto porque, quando ocorre na fase policial, a chamada do coindiciado tem valor de mero elemento de convicção para a formação da opinio delicti do promotor, não podendo servir como meio de prova (Gemaque, 2003:57).

Já na fase judicial, tendo em vista os motivos de incerteza que revestem a chamada do corréu, o juiz deverá examinar com muito cuidado as declarações que foram feitas (Rosseto, 1999:187) , após a aplicação do contraditório e da ampla defesa, conforme visto acima, para analisar o valor das declarações conjuntamente com as demais provas produzidas em juízo (Gemaque, 2003:57).

Um critério interessante que pode ser utilizado pelo juiz é o tríplice controle de Ferrejoli, referindo-se a indagações que devem ser feitas pelo juiz quanto à validade da prova: 1) como garantir a necessidade da prova ou verificação; 2) como garantir a possibilidade da contraprova ou refutação; 3) como garantir, contra a arbitrariedade e o erro, a decisão imparcial e motivada sobre a verdade processual fática (Ferrajoli, 2002:119).

Assim, não deve o juiz fundar, sic et simpliciter, a condenação na chamada do corréu, mas sim avaliá-la à luz de complexos elementos que constituirão o ponto de orientação para a valoração judicial. Neste sentido, deverá atentar para: a) a personalidade do acusado que procedeu à chamada do corréu; b) pesquisar eventuais motivos particulares de acusação contra um inocente; c) avaliação da posição defensiva do corréu apontado; d) correlação da chamada do corréu com outros aspectos que determinem uma coordenação de elementos que não deixem a chamada do corréu isolada (Leone, 1968:360).

Costuma-se dizer, no direito italiano, que a chamada do corréu para ter validade deve ser “vestida” (Gemaque, 2003:58).

Devem, portanto, ser avaliados os aspectos interno e externo das declarações. Primeiro, a relação entre a acusação do coautor e a confissão do declarante, verificando-se a coincidência entre as circunstâncias do crime e a inculpação do corréu e, depois, a compatibilidade da delação tendo em vista as provas dos autos. Caso isso não seja possível, a chamada do corréu, tornando-se suspeita, perde em veracidade e em valor probatório. (Haddad, 2000:200-201).

É comum que acusados assumam prática delituosa para conseguirem, por exemplo, condições de conforto em presídios onde impere o total desrespeito às condições básicas de sobrevivência no cárcere e onde o tráfico de entorpecentes dite as regras (Gemaque, 2003:59).

O fundamental, nesta matéria, é permitir a quem é apontado como coautor do crime a possibilidade de refutar o fato (Gemaque, 2003:59).

Conforme lembra Illuminati, o ônus da prova do acusado é o de introduzir os fatos de que tenha conhecimento, pois como participante substantivo do processo, na medida em que participou do fato, pode estender o campo de cognição judicial, o que não pode ocorrer com o Ministério Público, já que é parte apenas formal da relação processual. O sistema impõe à acusação o ônus de provar todos os elementos do crime, sendo que só obterá sucesso se provar o fato e o cometimento do crime pelo imputado, cabendo a este introduzir os elementos que lhe são favoráveis e à acusação efetuar a prova negativa dos fatos alegados pela defesa, levando-se sempre em consideração que a dúvida militará em favor da defesa (Illuminati, 1979:116-138).

A confissão pode ocorrer provocada por diversas situações e, por isso, para evitar perseguições e a possibilidade de delações tiradas por coação, ainda que psicológica, todo cuidado é pouco diante da gravidade das acusações.

A Lei 12.850/2013
Com a escalada do crime organizado, novas leis têm surgido para instrumentalizar o Estado de novos meios de combate. Dentre esses instrumentos está a delação premiada, instituída pela Lei 8.072/90 e modificada pela Lei 9.269/96 (Gemaque, 2003:66).

O artigo 7º da Lei 8.072/90 introduziu no parágrafo 4º do artigo 159 do CP (extorsão mediante sequestro) a delação premiada, sendo que foi modificada pela Lei 9.269/96, exigindo apenas o concurso de agentes, não mais a quadrilha, para a concessão do benefício (Akaowi, 1994:430-432).

A Lei 8.072/90, em seu artigo 8º, parágrafo único, estabeleceu a chamada traição benéfica ao participante e associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, com o benefício da redução de pena de um a dois terços.

O artigo 6º da Lei 9.269/96, que dispõe sobre os meios operacionais para o combate ao crime organizado, estabeleceu a figura do colaborador, possibilitando que a pena seja reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.

A Lei 9.269/96, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, no artigo 1º parágrafo 5º, previu a delação premiada, contemplando com redução da pena e início de seu cumprimento em regime aberto quem colaborar espontaneamente com suas autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Apenas com a Lei 12.850/2013, que o instituto da delação premiada ficou melhor disciplinado, eis que toda uma sistemática foi criada para sua disciplina, coisa inédita em nosso ordenamento jurídico penal, que pecava pela laconicidade na disciplina do tema.

O instituto encontra-se previsto, a partir do artigo 4º da Lei 12.850.

Uma primeira característica a destacar na nova lei, é a possibilidade de se alcançar inclusive o perdão judicial, com a delação. Portanto, a depender do tipo de colaboração e dos termos em que a mesma foi celebrada, o delator poderá ficar livre de qualquer penalidade.

Outro ponto é o fato de que a delação deverá ser eficaz, não bastando qualquer tipo de argumentação para que o benefício seja concedido, pois a lei exige que ela seja importante para a identificação dos agentes, revelação da estrutura, recuperação dos valores ou localização da vítima. É claro que esses pontos não precisam ser cumulativos, sendo, portanto, admissível que haja a delação apenas para a localização da vítima, por exemplo.

O § 1º deixa claro, a nosso sentir, que a delação não se trata de um direito subjetivo do delator, pois, em qualquer caso, deverão ser avaliadas várias condições, dentre elas: a personalidade de quem delata, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e eficácia da colaboração.

Um terceiro aspecto que merece destaque: o juiz não pode participar diretamente do ato de delação ou colaboração, cabendo as tratativas diretamente à Polícia ou ao Ministério Público, que propõem ao juiz a homologação.

Esta é, de fato, a melhor medida para preservar a imparcialidade do juiz, mas não afasta venha este a não homologar a mesma, a teor do § 8º.

No entanto, a autoridade judicial deverá dar o seu “placet” já no início, de modo a conferir segurança ao delator, caso contrário tornaria mais difícil a confissão. Pelo menos este é o entendimento que o STF tem conferido aos recentes casos submetidos a sua jurisdição em matéria de colaboração premiada.

Um quarto ponto importante é o fato de, apesar da delação, nenhuma sentença será possível com base apenas nela. É exatamente o que já acontece com a confissão, em que esta, isolada, não poderá servir para a condenação. Assim, impõe-se que a delação venha acompanhada por outras provas capazes de ratificá-la, única hipótese em que servirá como prova para a condenação.

Portanto, se a delação isolada não serve para condenação do próprio delator, quanto mais para a condenação de corréus, implicando dizer que o fato de alguém ter sido apontado pela delação, como partícipe, coautor ou autor de um crime, por si só, não pode ser admitido para a condenação. Exigem-se provas e o colaborador ou delator deverá apresentá-las, sob pena de suas afirmações não serem comprovadas e a própria homologação e, posterior, benefício a ser aplicado, ficarem comprometidos.

O artigo 7º prevê ainda o sigilo do pedido de homologação da colaboração ou delação. Correta a medida, até porque, caso contrário, não haveria eficácia em muitas das medidas investigatórias a serem tomadas a partir da delação. Neste particular, é interessante que o § 2º do mencionado dispositivo legal, restringe a participação do advogado às diligências em andamento, garantindo, contudo, acesso aos elementos de prova que digam respeito ao direito de defesa. Tal dispositivo coaduna-se com o que vem sendo decidido pela jurisprudência, inclusive já sumulada pela Suprema Corte, nos termos da Súmula Vinculante 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”.

Esse sigilo deixa de existir depois de recebida a denúncia, o que é óbvio, pois, com esta, não há mais necessidade de novas investigações, já que cristalizada a acusação penal.

Um último aspecto a destacar, é o fato de que, conforme o § 14º do artigo 4º, o colaborador, nos depoimentos que prestar, renunciará ao direito ao silêncio e estará sujeito ao dever de dizer a verdade. Relativiza-se, com isso, o direito constitucional ao silêncio, o que me parece importante, ressaltando-se que não existe direito absoluto e, se o próprio colaborador resolve falar e apresentar elementos que podem lhe garantir benefícios legais, até o perdão judicial, normal que a justiça lhe exija a apresentação de elementos fáticos e probatórios verdadeiros e eficientes para a descoberta do crime como um todo. Evidentemente, que o silêncio ou a mentira não se coadunam com esses objetivos maiores da lei e da sociedade.

Enfim, esse é o breve panorama do novel instituto.

Importantes esses mecanismos legislativos que oferecem novos instrumentos de combate à criminalidade organizada, devendo ser ressaltado que são necessárias medidas operacionais, além das mediadas jurídicas, pois não há como se combater o crime organizado sem um aparato de proteção aos denunciantes, colaboradores e testemunhas.

A questão mais importante, no que tange a esses novos instrumentos de investigação e repressão ao crime como um tudo, principalmente o crime organizado, é que sejam utilizados com parcimônia, de modo a não violar as garantias individuais constitucionais, bem como que estejam corroborados por outros elementos de prova, e não isoladamente.

Em suma, a eficiência que os mesmos asseguram no combate ao crime deve ser equilibrada com as garantias processuais.


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