Opinião

Sociedade deve discutir a regulamentação do direito ao esquecimento na internet

Autor

  • Lídia Suellen Noronha Lima

    é a acadêmica do quarto ano de Direito da Universidade Federal do Paraná. Membro do núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia. Bolsista de Iniciação Científica/Tesouro Nacional. Monitora de Teoria do Estado e Ciência Política/2013 e Criminologia/2015.

24 de abril de 2016, 13h13

*Artigo originalmente publicado no Boletim Jurídico do escritório Fachin Advogados

As novas formas de proteção e responsabilização decorrentes de atos praticados por meio da internet são tão atuais quanto complexas. O direito ao esquecimento, por exemplo, tem despertado vultosa atenção dos juristas e pensadores do Direito, após processos que envolvem veículo de informação e a rememoração de crimes pretéritos terem repercussão geral reconhecida no Supremo Tribunal Federal. Não obstante a forte vinculação do direito ao esquecimento a crimes praticados no passado, não se pode olvidar sua incidência em outros aspectos da vida privada, que transcendem as notícias jornalísticas e televisivas e alcançam, por exemplo, as redes sociais e de compartilhamentos. Tal debate se insurge, precipuamente, na seara dos direitos fundamentais, notadamente em torno da liberdade de expressão e o feixe de direitos dela decorrentes e os direitos de personalidade, desdobrando-se no direito ao esquecimento. 

A liberdade de expressão constitui um dos principais pilares do Estado Democrático de Direito, não sendo possível imaginar uma sociedade pautada nos ditames democráticos sem o seu pleno exercício. Entretanto, na seara do Direito Constitucional, a preponderância e aplicabilidade imediata conferida aos direitos fundamentais não significa que seu exercício seja absoluto, como, de igual modo, não pode ser a liberdade de expressão, quando feita de forma ilícita ou abusiva.

É verdade que as novas mídias eletrônicas elastecem o conteúdo de alguns direitos da personalidade, como o direito à imagem. Nesse sentido, toda interpretação dirigida ao tema deve repensar tais direitos a partir da nova era digital, posto que o preceito de que a “vida privada da pessoa natural é inviolável”, consoante estabelece o artigo 21 do Código Civil, se não é um paradoxo — considerado nesse contexto — deve, ao menos, ser repensado à luz das especificidades do nosso tempo. Isso porque, ao mesmo passo em que a velocidade, o armazenamento e o acesso a informação proporcionados pela internet colocam os sujeitos em notável exposição, muitas vezes consentida, avultam de igual modo, a necessidade de proteção, segurança e responsabilização pelos dados de caráter pessoal, que atentem contra a verdade dos fatos, à honra, à privacidade, à intimidade e a vida privada, configurando-se caso a caso.

Faz-se imperioso destacar que ao analisar o direito ao esquecimento não se está a insinuar que fatos relevantes ao interesse do público sejam supridos, muito menos que  fatos desabonadores ou desagradáveis sejam retirados de circulação em face de mero dissabor, mas sim impedir que dados pessoais, relacionados à esfera privada, divulgados e compartilhados na web, que afetem os direitos da personalidade e seus atributos, ocasionando danos contundentes à dignidade da pessoa, como ocorre nos casos de revenge porn.

Não há contradição, como alega abalizada doutrina, entre o direito ao esquecimento e o direito à memória e a verdade, sendo este fundamental para o assentamento de um Estado Democrático de Direito. Ambos possuem âmbitos de aplicação distintos, sendo que o direito ao esquecimento ganha destaque em face das transformações que a internet provocou. 

Ainda que sem previsão constitucional ou infraconstitucional, o direito ao esquecimento constitui nítido desdobramento dos direitos da personalidade. Dessa forma, insta pontuar o Enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF), que reconheceu expressamente tal direito no ordenamento jurídico pátrio, na medida em que postulou que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

Nesse influxo, resta evidente que a responsabilização por danos morais ocasionados ao feixe de direitos da personalidade na internet deve caminhar, em certas hipóteses, pari passu ao direito ao esquecimento, já que uma efetiva tutela jurisdicional pode demandar medidas adequadas para reparar e/ou cessar o dano causado. Ocorre que, na prática, é deveras complexo garantir a segurança e controle dos dados pessoais. Acrescenta-se, ainda, as discussões envoltas às balizas conformadoras do exercício desse direito, que estão longe de alcançar um ponto final. 

A insurgência do debate é manifesta, vide a recente atividade legislativa sobre a matéria. Na Câmara dos Deputados há, pelo menos, três projetos de lei que tratam do tema, a maioria deles cominando penas àqueles que praticam crimes por meio da utilização de redes sociais. Um deles é o PL 215/2015, que teve seu texto mantido na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e segue para a aprovação no plenário. Outro projeto que merece atenção é o PL 7881/2014, de autoria do deputado Eduardo Cunha. O projeto do deputado “obriga a remoção de links dos mecanismos de busca da internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por iniciativa de qualquer cidadão ou a pedido da pessoa envolvida”. A justificativa desse projeto é inteiramente fundada em uma matéria do jornal O Globo que faz referência à aplicação do direito ao esquecimento na Europa. Em que pese a relevância do tema em grande quantidade de países, é, no mínimo, curiosa uma justificativa sem qualquer esforço de diálogo com a realidade brasileira, ainda que o fenômeno da internet seja considerado global. Outrossim, as palavras copiadas da matéria jornalística para a redação do projeto de lei, quais sejam “irrelevantes ou defasados”, são extremamente amplas do ponto de vista jurídico, podendo ser utilizadas para remoção de quaisquer informações segundo a conveniência e a vontade arbitrária do requerente. A regulamentação do direito ao esquecimento não pode ser realizada de forma irresponsável e sem o indispensável diálogo com a sociedade civil. Reconhecer a importância desse direito é tão importante quanto debater os seus limites, a fim de evitar o ceifamento à liberdade de expressão.

Outro aspecto a ser (re)pensado é que, tanto nos casos em repercussão geral no STF quanto em litígios existentes em outros tribunais, há divulgação dos nomes completos dos autores. Um dano suficientemente sério já ocorreu na web e será, decerto, reforçado ao revelar seus nomes. Nesse aspecto, cumpre mencionar inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) em seu artigo 189, inciso III, que prevê o segredo de Justiça para os processos em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade. Tal disposição, se submetida à realidade do direito ao esquecimento, configura importante avanço na proteção dos direitos da personalidade, em especial o direito à intimidade, cabendo ao juiz verificar em cada caso a necessidade do sigilo.

Fato é que, dia após dia, a internet ganha novos contornos e atinge cada vez mais pessoas, não podendo o Direito manter-se inerte frente às transformações sociais. Falar sobre o direito ao esquecimento é, de um lado, reconhecer que os danos causados na internet são propícios a alcançar escala mundial e, de outro lado, atentar para a dificuldade de proteção dos dados pessoais, haja vista a fluidez do tempo e a permanência dos dados na Era da Informação.

Esmiuçar seus contornos, limites e possibilidades é de todo necessário, a fim de proteger a liberdade de expressão como pilar do Estado Democrático de Direito, ponderando, de igual modo, as novas formas de proteção e responsabilização que as mídias sociais ensejam.

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    é a acadêmica do quarto ano de Direito da Universidade Federal do Paraná. Membro do núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia. Bolsista de Iniciação Científica/Tesouro Nacional. Monitora de Teoria do Estado e Ciência Política/2013 e Criminologia/2015.

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