Opinião

Uma proposta de criação do Juizado dos Crimes de Autoridades

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23 de abril de 2016, 11h45

Para assegurar ampla liberdade de ação no exercício de relevantes funções públicas, certas autoridades da República foram dotadas pela Constituição de importantes prerrogativas. Tome-se de exemplo o Congresso Nacional, cujos membros eleitos gozam de imunidades, materiais e formais.

O parlamentar, no exercício do mandato, não pode ser responsabilizado penalmente por suas opiniões, palavras e votos (inviolável nos crimes de palavra). Ainda, salvo flagrante de crime inafiançável, deputados e senadores não poderão ser presos desde a diplomação até o término do mandato (imunidade formal).

A prerrogativa de foro constitui outra garantia outorgada ao congressista para que possa desempenhar com destemor suas relevantes funções. Perceba-se a errônea qualificação de "privilégio" apodada a tais prerrogativas. Privilégio decorre de interesse pessoal, sendo, pois, renunciável. A prerrogativa visa a proteger a função pública, o cargo, sendo irrenunciável.

Dentro do sistema jurídico, as autoridades públicas mais graduadas são levadas a julgamento por órgão diverso daquele estabelecido para os demais membros da sociedade. Isso, repita-se, por conta do cargo que ocupam, de modo a proteger o livre exercício da função, colocando o agente a salvo de retaliações ou perseguições.

O tema alusivo à prerrogativa de foro deverá fazer parte das discussões acerca da propalada reforma política. Para o bem do país, mais cedo ou mais tarde, haverão de ser engendradas mudanças para amainar o forte sentimento de impunidade que grassa por todos os segmentos sociais.

Membros do Congresso Nacional, por imperativo constitucional, são julgados em única instância pelo Supremo Tribunal Federal. Essa prerrogativa elimina, entretanto, o direito ao duplo grau de jurisdição conferido a todos os demais membros do corpo social. Esse seria um importante dado a militar contra o atual modelo de prerrogativa de foro, considerando, inclusive, que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que estabelece o duplo grau como garantia fundamental da cidadania.

Outro dado desfavorável à manutenção do "foro privilegiado" reside na demora de julgamento, consubstanciando essa concentração de competência em corte de perfil preponderantemente constitucional em mais um entrave à pronta resposta jurisdicional.

A Constituição Federal não veda a proposição de emenda para regular de forma diferente a prerrogativa de foro. A criação de um juizado de crimes cometidos por autoridades que gozam da prerrogativa resolveria de forma simples os precitados inconvenientes.

Um juizado composto de cerca de 20 juízes federais, arregimentados das cinco regiões do país pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo critério único da antiguidade (evitando escolhas subjetivas), instalado na capital federal, poderia com maior celeridade processar e julgar, em colegiados de três juízes, causas penais (até improbidade!) envolvendo ditas autoridades.

Perante esse juizado, atuariam delegados federais e membros do Ministério Público Federal com amplos poderes de investigação, ressalvadas matérias afetas à reserva de jurisdição. O juiz que atuasse na fase investigatória para decidir questões relacionadas a direitos fundamentais não poderia atuar nas turmas de julgamento (preserva-se, com isso, o requisito da imparcialidade).

Das decisões proferidas no âmbito desse hipotético Juizado dos Crimes de Autoridades, caberia recurso diretamente ao Supremo Tribunal Federal. Devolve-se à suprema corte, de conseguinte, o destino jurídico da autoridade processada. Estariam asseguradas a necessária celeridade na apuração de crimes, a igualdade entre todos e, ainda, o duplo grau de jurisdição. O mesmo modelo poderia ser adotado no âmbito dos estados.

A Justiça Federal tem demonstrado extrema capacidade de enfrentamento às mais complexas questões de interesse nacional, estando a ela submetida a delicada competência para julgar os crimes do colarinho branco, a lavagem de dinheiro, a corrupção endêmica, enfim, a macro criminalidade que assola impiedosamente nossas estruturas. É chegada a hora de abarcar os agentes destes crimes — seja ele quem for. É tempo de mudar!

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    é juiz federal em São Paulo, mestre em Ciências Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal e professor de Direito Constitucional.

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