Segunda Leitura

Brasil pode aproveitar os exemplos da Suécia em suas relações jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

17 de abril de 2016, 8h01

Spacca
Os países são o que são por força de fatores diversos, como sua formação histórica, cultural, geográfica, étnica e econômica. Nesta linha de raciocínio, fácil é ver que Brasil e Suécia são nações absolutamente diferentes. Bastam dois detalhes para deixar flagrante a diversidade: o tamanho (8.515.767 km2 para 449.964 km2) e a população (204.450.649 para 9.415.295 habitantes).

No entanto, nada impede que hábitos e práticas daquela modelar nação nórdica possam influenciar positivamente o nosso país, com reflexo direto nas relações jurídicas. Aliás, aspectos de qualquer Estado, seja capitalista, socialista ou religioso, que sejam reconhecidamente convenientes ao interesse público, devem ser  aproveitados.

Partindo do valioso livro Um país sem excelências e mordomias (editora Geração), da jornalista brasileira Claudia Wallin, que vive na Suécia há mais de dez anos, é possível traçar alguns paralelos entre os dois países e, deles, extrair alguns elementos de comparação e de como bons exemplos suecos, aqui, poderiam ser aproveitados. 

Os pilares da democracia sueca são três: a elevada escolaridade de seu povo, a igualdade social e a transparência dos atos do poder público. O sistema jurídico brasileiro tem conexão com os três, mas é com o terceiro, a transparência, que se entrelaça de forma mais forte. 

A educação, sem dúvida, é essencial para o fortalecimento de nosso país. Principalmente a de base, o primeiro grau. Contudo, ao invés de evoluir, ela vem tendo um retrocesso flagrante. Prédios em más condições, alunos são aprovados, tenham ou não condições para tanto, professores pouco reconhecidos e sem autoridade em sala de aula e greves que se renovam a cada ano. 

Por vezes tais temas são submetidos ao Poder Judiciário, seja em ações individuais, como uma acusação contra um diretor, seja em ações de interesse coletivo, como a que discute um plano de remanejamento de escolas. O Direito entra em cena e o Judiciário acaba tendo um papel relevante, principalmente quando interfere em políticas públicas. Tal tipo de decisão exige ponderação e conhecimento dos fatos. Não basta a ingênua afirmação de que a Constituição, no artigo 207, inciso VII, § 1º, garante o ensino gratuito. É preciso avaliar o orçamento do órgão público, as peculiaridades da situação real e onde está, realmente, o interesse público. Mais razão, menos emoção.

A igualdade social é meta da qual estamos longe e que deve ser perseguida sempre. O Brasil apresenta um dos piores índices de desigualdade e, muito embora todos, no discurso, critiquem tal situação, poucos têm consciência de seus efeitos nocivos. Reclamam da violência urbana, sem perceber que ela é fruto, entre outras coisas, da enorme disparidade de rendas

O Direito desempenha um papel importante neste particular. Leis que assegurem aos trabalhadores direitos sociais, como a que garantiu aos empregados domésticos direitos como horas extras e FGTS, não devem ser vistas como empecilho ao emprego, mas sim como justa repartição de renda. Trazer os domésticos para um patamar social mais alto é uma forma de diminuir a desigualdade que todos criticam.

Na Suécia a desigualdade social é combatida de formas variadas. Entre o menor e o maior salário a diferença fica entre um e sete. Um deputado ganha o dobro de um professor, não dez vezes mais. Um vereador nada recebe, é serviço voluntário. 

Vejamos um exemplo. O aumento dos vencimentos dos  deputados é decidido por um Comitê independente, formado por três pessoas, um presidente, que costuma ser um juiz aposentado, um ex-servidor público e um jornalista. É analisada a inflação, a variação salarial do setor público e privado e a situação econômica do país. Dependendo das circunstâncias é dado ou não o aumento e os parlamentares não têm a menor ingerência no processo.

Todavia, a desigualdade não fica restrita a vencimentos. Há formas de gasto de dinheiro público menos perceptíveis. Um exemplo. No Superior Tribunal de Justiça chamava-me a atenção, nos julgamentos das Turmas, um servidor que acompanhava o ministro a ajudava-o a colocar a toga. Conhecidos por “capinhas”, permaneciam no recinto durante todos os julgamentos, para alguma atribuição irrelevante e desnecessária como esta. 

Óbvio que o tempo desse servidor poderia e deveria ser  usado em algo útil, além do que, utilizá-lo em tarefa tão desnecessária cria entre ele e o magistrado um abismo social compreensível no século XVIII, mas inaceitável no século XXI. 

Isto seria inconcebível na Suécia. Lá, o presidente da Suprema Corte de Justiça, juiz Goran Lambertz, diariamente vai de bicicleta até a estação ferroviária, deixa-a no bicicletário e viaja por 45 km até o seu local de trabalho.  Ninguém poderia imaginar que o presidente do nosso Supremo Tribunal Federal pudesse agir como seu colega sueco. Brasília e Estocolmo são absolutamente diferentes e isto seria inconcebível. Então, o que é preciso é detectar e eliminar os excessos, dentro da nossa realidade.

Com relação à moradia, na Suécia, deputados que residem a pelo menos 50 km da capital têm direito a um apartamento funcional de 45,6 metros quadrados em média, sem comodidades como TV a cabo, utilizam-se de lavanderia comunitária e se a esposa de um deles decidir morar com o marido na capital, deverá pagar metade do valor do aluguel.

Mas é na transparência dos atos administrativos que  sobressai a diferença do modelo sueco e brasileiro.

Os suecos têm elevada consciência de seus direitos e isto não é fruto do acaso, mas sim resultado da boa educação que recebem e da cobrança que exercitam. Isto faz com que não aceitem a concessão de qualquer vantagem indevida a um servidor público no exercício de suas funções. Todos os atos são acompanhados, expostos publicamente, e os que se excedem são punidos de formas diversas, não só legais como éticas. 

No Brasil, autoridades utilizam-se de bens públicos com naturalidade. Casos pontuais geram perplexidade. O então Governador do  Ceará, Cid Gomes, em 30 de janeiro de 2008 levou a mulher, a sogra e alguns assessores com as esposas em um jato alugado com dinheiro público (R$ 388.005,00) para Madri e outras capitais europeias. Sérgio Cabral, que foi governador do Rio de Janeiro, em julho de  2013 levou sua família, duas babás e seu cachorro em um helicóptero do seu estado para uma casa de praia em Mangaratiba. Em outubro de 2013, reportagem da Revista Veja, baseada em dados de registros de voos de autoridades disponíveis em site da FAB, constatou que diversas autoridades usam aviões da aeronáutica para fins particulares. Renan Calheiros, presidente do Senado, foi a um casamento na Bahia em jatinho da FAB.

Na Suécia o uso de um bem público para fins particulares é controlado pela sociedade e tem reação imediata.

A Deputada Mikaela Valtersson, do Partido Verde, durante 43 vezes pegou taxi ao invés de usar o trem, que é mais barato, e por ter gasto dinheiro público foi parar  nas manchetes e perdeu a eleição interna para a liderança de seu partido. A Ministra da Agricultura Cecília Chilò não pagou a licença para uso de TV pública (200 dólares por ano) e isto resultou-lhe a perda do cargo e o abandono da vida pública. Mona Sahlin, vice-primeira ministra e estrela ascendente do Partido Social Democrata,  em 1995 foi pilhada usando o cartão de crédito do governo para comprar itens pessoais, que iam de um chocolate Toblerone a locação de carros. Constrangida, recolheu as despesas aos cofres públicos, mas perdeu o cargo e nunca mais foi eleita para nada.

Como se disse ao início, Brasil não é Suécia e o tratamento às coisas públicas nunca será igual. 

Mas, os exemplos dados, além de outros tantos que o livro oferece, podem servir como ponto de partida para mudança de hábitos. A primeira condição é a conscientização da sociedade e isto tem avançado muitos em tempos recentes. As reclamações, protestos, passeatas, podem migrar da esfera coletiva para a individual, acompanhando casos específicos. Por exemplo, o acompanhamento de cada escândalo financeiro e a informação/cobrança das medidas tomadas, a fim de que não caiam no esquecimento.

Por outro lado, os ocupantes de cargos públicos devem convencer-se de que precisam impor limites às suas ambições. Ganhar bem é legítima aspiração de todos, mas isto só pode dar-se de acordo com a economia. Assim, fixar o valor de uma diária em quantia superior a um salário mínimo é pedir para ocupar o noticiário e sofrer desgaste institucional e pessoal.

No mais, a Lei 12.527 de 2011 que rege o direito de acesso à informação  dos atos do serviço público, deve ser, mais e mais, ensinada nos cursos de Direito e divulgada na sociedade. Cidadãos e a mídia têm um papel essencial na mudança de práticas seculares inadequadas. 

Mudar é preciso, mas isto depende de todos. Mãos à obra. Nossos descendentes merecem.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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