Globalização legal

Regularização de ativos no exterior movimenta advocacia internacional

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13 de abril de 2016, 17h32

Não são apenas as leis que viabilizaram o processo apelidado “lava jato”, como a Lei Anticorrupção, o Fatca (Lei de Conformidade Tributária de Contas Estrangeiras dos EUA) e o lote de tratados de cooperação internacional que estão fazendo com que advogados brasileiros falem mais com seus colegas de outros países. A Lei 13.254, que trata da regularização de ativos no exterior, recentemente regulamentada também virou uma ponte entre os profissionais nacionais e estrangeiros.

“A globalização no Direito agora é pra valer”, afirma o especialista em mercado de capitais, Gil Vicente Gama, sócio da Nelson Wilians & Advogados Associados. Gama encabeçou missão do departamento internacional do escritório em Londres, Zurique e Lisboa. No périplo, negociaram acordos de cooperação com bancos, consultorias e administradores de trusts.

A parceria é fundamental para compatibilizar as leis estrangeiras de combate ao crime organizado com as recentes leis brasileiras que apontam no mesmo sentido. “A Lei 13.254 dá um prazo para a regularização”, explica Gil Vicente, “os bancos europeus e americanos, ao mesmo tempo, fecharão as portas para investidores ou correntistas que não tenham transparência quanto à regularidade e origem de seus ativos”. Em suma, a Lei da Regularização, que alguns apelidaram de “lei da repatriação”, indevidamente — uma vez que não é necessário trazer de volta os bens, mas apenas declará-los — não é uma simples opção, “é uma imposição” diz o advogado.

Outra vantagem ocasional da lei é a cotação do dólar prevista para o cálculo da multa e do imposto estipulado. Fixou-se o dia 31 de dezembro de 2014, quando o dólar estava em R$ 2,65. A multa é de 15% sobre o valor total do ativo e o imposto também de 15% sobre o montante. Mas a base do cálculo de 1 milhão de dólares, por exemplo, será de 2,65 milhões de reais e não de 3,54 milhões como seria se aplicado o dólar desta terça-feira (12/4). Isso significa que a alíquota de 30% é reduzida para pouco mais de 20%.

“Há muitos recursos lá fora de pessoas residentes que vieram para o Brasil nos diversos ciclos de imigração, de investimentos de brasileiros que aproveitaram as épocas áureas de crescimento da economia, de paridade cambial favorável à expansão dos negócios no exterior e até mesmo daquelas famílias (family offices) que fizeram planejamento sucessório e fiscal nos chamados 'paraísos fiscais'”, afirma Gil Vicente.  “Essas pessoas, na maioria dos casos, não prestaram atenção à legislação brasileira e que, agora, terão uma grande oportunidade de regularização”.

A Advogada Karem Jureidini Dias, do escritório Rivitti e Dias Advogados, chama a atenção para o fato de que mesmo os contribuintes que residiram no exterior e lá auferiram remuneração ou adquiriram bens que não foram declarados quando do retorno ao Brasil, para regularizar sua situação terão que aderir ao regime da Lei 13.254/16, ainda que tais recursos não sejam mais de titularidade do contribuinte e mesmo que à época não fosse qualquer tributo devido no Brasil. Situação ainda mais peculiar é daqueles contribuintes que declararam seus bens à Receita Federal em suas declarações de imposto de renda, mas não as apresentaram ao Banco Central.

É exatamente por abrir diversas possibilidades que muitas instituições financeiras a quem foi confiada a administração de bens de brasileiros no exterior estão buscando parcerias para cooperação técnica com advogados brasileiros.

“Não resta muita opção para o contribuinte", analisa Gil Vicente Gama. "Há a pressão natural dos órgãos reguladores e dos departamentos de compliance de bancos e de empresas de asset management, sob pena até de rescisão de contrato e devolução dos recursos aplicados". Ou seja, é preciso atender as regras nacionais e internacionais.

“A adesão à lei requer, sem dúvida, assessoria especializada já que a Receita terá o prazo de cinco anos para rever as informações prestadas e as declarações retificadas”, diz o advogado. “Além disso, há institutos, como o trust, que só foram reconhecidos pela presente legislação e que também deverão ser informados. Logo, haverá outros desdobramentos decorrentes de tais informações, que serão objeto de novas estruturações, por exemplo, com o fisco estadual em relação ao imposto de transmissão causa mortis.”

Mas nem tudo está claro ainda, observa Ronaldo Rayes, do Rayes & Fagundes Advogados Associados. Entre outras controvérsias e dificuldades de interpretação que não foram sanadas pela Instrução Normativa 1.627, da Receita Federal, está a discussão a respeito do perdão da multa sobre tributos não recolhidos no caso de rendimentos obtidos a partir de 1º de janeiro de 2015 sobre os recursos mantidos no exterior e não declarados em 31 de dezembro de 2014.

Do ponto de vista penal, explica o criminalista Maurício Silva Leite, do Leite, Tosto e Barros Advogados, “a lei trouxe uma solução jurídica que se assemelha a anistia para uma lista de crimes que poderiam estar envolvidos na transação financeira, excluindo-se apenas crimes de maior gravidade, como corrupção ou tráfico de drogas, por exemplo”.

Silva Leite acrescenta que “a nova lei chancela compromissos internacionais de transparência e controle de recursos que transitam pelo sistema financeiro” e se inscreve no cenário em que não vai sobrar espaço para valores ocultos ou não declarados.

Em outros países que adotaram a mesma estratégia de anistia com intenção arrecadatória, as leis, embora muito parecidas, foram mais eficazes no tocante a segurança jurídica e, portanto, alcançaram excelentes resultados.  A Argentina, por exemplo, arrecadou 4,7 bilhões dólares com a regularização de ativos no exterior; o Chile 1,2 bilhões de dólares. O exemplo mais expressivo vem da Itália, onde foram regularizados mais de 100 bilhões de Euros.

Há outros fatores a pressionar no sentido da adesão. “Os países já firmaram acordos para troca de dados e de informações fiscais, os quais possuem cada vez mais novas adesões, daí a criação desse ambiente de pressão internacional para compliance fiscal”, diz. “Nesse sentido, podemos citar a convenção da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e também a adesão ao Fatca (para Ato de Conformidade Fiscal de Contas Estrangeiras). Todos os players na área de administração de grandes fortunas e na área financeira internacional estão adotando rigorosas medidas de compliance, num esforço universal contra a lavagem de dinheiro, bem como associação ao tráfico de armas, drogas, terrorismo, corrupção, dentre outros crimes”.

De acordo com o advogado, num curto espaço de tempo, será impossível na maioria dos lugares do mundo — se não em todos —, manter contas ou ativos sem prover informação acerca do real titular, o que, junto à troca de informações entre os países, torna, também, qualquer tentativa de evasão fiscal inócua.

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