Segunda Leitura

Há uma segunda chance para os que voltam às profissões jurídicas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

10 de abril de 2016, 8h05

Spacca
As profissões jurídicas têm momentos diferentes para os que a elas se dedicam. Bons ou maus, eles se alternam, e é importante estar atento para as oportunidades, pois nem sempre elas surgem de forma clara ou duas vezes.

Vejamos dois exemplos. A advocacia tributária, onde há poucas décadas poucos militavam, abriu um campo imenso para os advogados que vislumbraram a boa oportunidade. Hoje já não há o mesmo espaço, as grandes discussões de constitucionalidade diminuíram e há muitos especialistas. A magistratura federal, 20 anos atrás, permitia aos que nela ingressavam boa oportunidade de carreira, por força da criação dos tribunais regionais federais. Hoje, a pirâmide alargou-se na base e estreitou-se na cúpula, dificultando a progressão.

Entre os que estudam Direito, um grande percentual é de pessoas que acabam não se dedicando a nenhuma profissão jurídica. Mulheres que abrem mão da profissão para dedicar-se à criação dos filhos ou homens e mulheres que, para acompanhar o parceiro, mudam de cidade e se afastam do Direito. Há os que têm medo de deixar um emprego que, bem ou mal, dá-lhes o sustento. Outros que nem sequer chegaram aos 50 e se consideram velhos para começar uma nova atividade.

As hipóteses são muitas, mas o importante é que há um contingente enorme de pessoas graduadas em Direito que não exercem qualquer profissão jurídica. E agora, em meio a uma grave crise econômica, muitos cogitam tirar o velho diploma do baú e dele fazer uso de alguma forma. É isso possível? A resposta é: SIM.

Evidentemente, para os jovens, as possibilidades de posicionar-se bem são maiores. Regra geral, não precisam se preocupar com o pagamento de alimentação e moradia, estão com a matéria gravada na memória recente e dispõem de mais tempo que um adulto envolvido em múltiplos compromissos profissionais, familiares e sociais.

No entanto, aquele que, já mais vivido, pretende voltar ou mesmo começar a atuar como profissional do Direito, tem a seu lado algumas vantagens não desprezíveis. A maturidade é a primeira delas. Ele sabe que não tem tempo a perder e, por isso, aproveita melhor o tempo e as oportunidades.

Vejamos, porém, quais os predicados necessários para o bacharel em Direito mais velho dar a volta por cima. A escola da vida mostra-nos a cada dia que é preciso dedicação, perseverança e controle emocional para alcançar uma meta. Portanto, o primeiro passo é querer, o segundo é não desanimar quando os empecilhos surgirem, e o terceiro é não desestabilizar-se emocionalmente diante das dificuldades.

Em um primeiro momento, é preciso avaliar a qual profissão vai dedicar-se. Os concursos públicos apresentam duas dificuldades a quem ficou afastado da área jurídica: a) a constante evolução do Direito, com temas novos e mudanças legislativas; b) a grande quantidade de candidatos, seja qual for o concurso e os vencimentos.

Esses empecilhos são difíceis, mas não intransponíveis. Cursos de preparação, para quem possa pagar, fornecem todas as mudanças recentes, inclusive na jurisprudência. A quantidade de candidatos, que é cada vez maior, não significa que estejam todos preparados. Na verdade, a maioria absoluta inscreve-se sem maior comprometimento, às vezes apenas para avaliar seus conhecimentos.  

Há carreiras em que se dá muito valor aos mais experientes. Na magistratura, por exemplo, há muitos que consideram uma pessoa mais velha, com experiência de vida, mais preparada que um jovem formado a três ou quatro anos.

Se a escolha for a advocacia, é importante optar por uma área específica e, se possível, aproveitar a experiência profissional anterior e os relacionamentos feitos. Por exemplo, se a pessoa trabalhou em um banco, talvez possa dedicar-se a atividades relacionadas com contratos bancários, FGTS, cobranças ou até mesmo problemas resultantes de invasões de contas correntes por hackers. Quem tem experiência na área da educação pode enveredar por uma advocacia nessa área, sabidamente das menos conhecidas. Alguém apaixonado por esportes pode especializar-se em Justiça Desportiva e, ao contrário do que se pensa, os conflitos não ocorrem apenas no futebol, mas em várias modalidades esportivas que movimentam milhões de reais.

Se o passado não oferece a possibilidade de um link com a advocacia, talvez seja o caso de analisar a existência de nichos ainda pouco explorados. Vejamos.

A globalização da economia e a facilidade das comunicações trouxeram uma maior mobilidade das pessoas ao redor do mundo. Em diferentes situações, como a de um CEO de uma grande empresa até um refugiado que chega escondido no porão de um navio, há uma série de conflitos em que o Direito definirá a situação do estrangeiro. No entanto, são raríssimos, quase inexistentes, escritórios especializados em tais casos. Aprofundar-se no tema, participar de seminários, fazer contatos com pessoas que atuam na área administrativa e dar-se a conhecer como especialista na matéria, inclusive com um site bem construído, pode ser o caminho para uma experiência profissional de sucesso. Associar-se a um policial federal aposentado que trabalhou no setor de estrangeiros pode ser o que faltava.

Outro. O Poder Judiciário cresceu e, nos estados mais populosos, possui milhares de servidores. Há muitos casos de conflitos administrativos, grande parte deles disciplinares. No entanto, o processo administrativo tem peculiaridades próprias, muitas vezes fruto de normas administrativas da presidência, conselhos ou corregedorias. Especializar-se na área, incluindo os servidores do foro extrajudicial (tabelionatos e cartórios de registros) pode ser uma via com grandes possibilidades de sucesso. O mesmo pode dar-se na defesa de advogados perante as subseções da OAB, área, da mesma forma, pouco explorada, com peculiaridades e com tendência de crescimento face ao aumento do número de advogados.

Mais um. Os novos meios de comunicação (por exemplo, WhatsApp) e as redes sociais (como Facebook) permitem exposição da vida das pessoas, nem sempre consentida. Por vezes, inclusive, com dados falsos, por maldade ou brincadeira de mau gosto, como a colocação de foto de uma jovem estudante em site destinado à procura de encontros amorosos sem compromisso. Desse tipo de fato, que será cada vez mais comum, origina-se a possibilidade de ações de indenização por danos morais. Só que muitas vezes há recusa do provedor em prestar informações ou ele invoca não estar submetido às leis brasileiras, porque sua sede fica em uma ilha do Caribe. É dizer, não é advocacia para amadores, mas sim para quem está especializado na matéria. Conhecer a parte jurídica e também a técnica é essencial.

Ainda. Que tal o estudo do Direito à segurança pública? Exatamente, tudo neste tema vem crescendo de importância e não há quem conheça as regras e limites. Há policiais aposentados que dão assistência para que empresas ou seus sócios sejam preservados. Porém, não é a isso que me refiro. Penso em questões emergentes no último quinquênio. Pode um grande condomínio, onde vivem milhares de pessoas, revistar na saída os empregados que nele prestam serviços? Como e até onde um supermercado pode revistar os compradores suspeitos de furtos? Como deve proceder um proprietário rural que teme invasão iminente de suas terras? Menores sem os pais podem ser impedidos de ingressar em shopping centers? Tudo isso é novo e um especialista, que saiba divulgar bem o seu nome, pode sair-se muito bem.

Em verdade, aos bacharéis que por qualquer razão estavam longe do Direito, é possível uma segunda chance. Às vezes a adversidade nos é favorável, pois nos obriga a sair de uma zona de conforto para enfrentar situações novas e alcançar maior sucesso profissional.

Vale aqui um lembrete para as mulheres que se afastaram do Direito, a fim de poder dar mais atenção à família. Sandra O'Connor foi a primeira juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos (1981-2006), onde exerceu grande liderança. Na sua trajetória profissional, quando ainda era advogada, abriu um hiato de cinco anos (1960-1965) para dedicar-se à família. Voltou depois e teve um fantástico sucesso profissional.

De tudo o que se afirmou, fica a mensagem final. A crise econômica chegou e promete não ir embora em breve tempo. Aos que por ela forem atingidos, restam duas opções: ficar a lamentar-se ou enfrentar o desafio. Evidentemente, a segunda opção é a única que pode levar a uma situação melhor.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!