"Caixa nenhum"

Minirreforma eleitoral criou limbo na prestação de contas, diz jurista

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8 de abril de 2016, 15h23

Um dos aspectos relevantes da minirreforma eleitoral (Lei 13.165/15), a diminuição do tempo de campanha para apenas 45 dias criou uma espécie de “limbo” em que os candidatos poderão arrecadar e gastar sem prestar contas. A análise é do jurista Olivar Coneglian, especialista no tema e autor de vários livros sobre propaganda eleitoral, que participou do V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em Curitiba.

“A lei diz que antes do período oficial o candidato não pode pedir voto nem efetuar gastos com a campanha. Mas, por outro lado, o artigo 36 diz que no período de pré-campanha é permitida a divulgação de posicionamento pessoal sobre política, inclusive na internet. Então, se eu ainda não sou candidato oficialmente, posso fazer campanha desde que não peça votos de forma velada e posso arrecadar à vontade recursos entre meus contatos. É a criação do 'caixa nenhum', que antecede o caixa oficial e o caixa dois (aquela arrecadação ‘por fora’ dentro do período oficial de campanha). Nessa fase anterior, o candidato não precisará dizer como arrecadou nem onde gastou”, analisou.

Essa questão pode gerar um crescimento de reclamatórias na Justiça Eleitoral neste ano, prevê o advogado e ex-presidente da Associação Internacional de Radiodifusão Alexandre Jobim. “Antes dos 45 dias de campanha, vale tudo, menos pedir voto. É exatamente o contrário do que a lei regia antes. A medida pode ser boa ou pode ser ruim, será um teste este ano.”

Coneglian falou também sobre o papel da Justiça Eleitoral em relação à propaganda dos candidatos. “O juiz eleitoral é o 'Poder Executivo' das eleições, devendo inclusive exercer o poder de polícia sobre peças irregulares de propaganda nas campanhas. Mas, de forma alguma, pode ultrapassar os limites da inibição de práticas ilegais, censurando previamente qualquer programa ou matéria jornalística a serem exibidas nos meios de comunicação”, disse.

No caso de ações judiciais motivadas por publicações, postagens e comentários na internet, o mestre em Direito pela USP André Riachetta defende que, no momento do julgamento, o magistrado saiba diferenciar o conteúdo explicitamente eleitoral da manifestação da liberdade de expressão.

“Em 2014, o Marco Civil da Internet regulamentou, ou pelo menos tentou uniformizar, a jurisprudência acerca do conteúdo online, seja em sites ou redes sociais. E claramente privilegiou liberdade de expressão e manifestação. A remoção de quaisquer conteúdos de usuários só é obrigatória após a existência de ordem judicial determinando a retirada, e só a partir deste momento que os sites e provedores são obrigados a agir”, explicou.

Caixa dois
Em sua exposição, o advogado Guilherme Gonçalves, fundador do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade), citou avanços da Lei 13.165/2015 ao falar sobre as mudanças no que se refere à pré-campanha eleitoral. A lei reconhece, por exemplo, a figura do pré-candidato e eleva o grau de liberdade dos partidos ao retirar da categoria de propaganda ilícita várias formas de divulgação, como o uso de adesivos ou de mídias sociais.

Entre prós e contras, Gonçalves aponta uma consequência que parece ter escapado à opinião pública: ao retirar a pessoa jurídica do jogo eleitoral, proibindo suas doações às campanhas, a lei não alcança a empresa doadora em caso de irregularidade. “Agora, somente o candidato será punido. Vai ser o festival do caixa dois”, diz.

O especialista considera que o conceito de propaganda antecipada está ultrapassado nestes tempos de amplo acesso à informação. Ele também expressa sua preocupação com a presunção generalizada de que o agente político está em falta até prova em contrário. “Não é possível que tenhamos mais gerações em que seja vergonhoso para um pai dizer ao filho que vai ser político.”

Já o advogado Carlos Neves considera que a propaganda é inerente à condição humana, uma vez que decorre da própria vivência social. “Impedir que essa liberdade flua é macular a própria condição humana. A liberdade de expressão se impõe. O eleitor não é mais o mero receptor da mensagem, mas também se tornou o seu propagador”, destaca.

Na visão de Neves, a única restrição imposta pela norma é o "pedido explícito de voto". Nada mais. "Todas as demais manifestações do pensamento político não são propaganda antecipada irregular, sendo livre a manifestação do agente político e do cidadão", avalia.

Para a advogada Carla Karpstein, há no Brasil uma espécie de síndrome do controle: "Nós temos um péssimo hábito de impor restrição a tudo que se refere à política brasileira". Para ela, quando as estruturas políticas, sociais, morais e éticas se desintegram, vive-se uma crise em que tudo se direciona para a construção de mecanismos de controle total”.

Carla lamenta que a nova lei não eleve o grau de transparência na prestação de contas. "Em vez de um corte mediano, optou-se por um corte total no tocante ao financiamento de campanhas. Bastaria cortar as sociedades anônimas, empreiteiras, grandes grupos econômicos ou mesmo colocar um teto nominal para o valor a ser doado. Algo que não inviabilizasse a eleição", sugere.

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