Medidas restritivas

Fim da doação de empresas nas eleições pode ter efeito inverso, diz Néviton Guedes

Autor

8 de abril de 2016, 16h16

Autointitulado um “ultraliberal jurídico”, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região Néviton Guedes criticou a proibição da doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais durante sua palestra no V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral. Para ele, que é doutor em Direito e ex-procurador eleitoral e procurador da República, a medida vem se somar a uma série de leis restritivas que, na prática, não atingem seu objetivo.

“O modelo foi proposto baseado no clamor público contra a corrupção e partiu do pressuposto de que o fim das doações de empresas reduziria o problema. Mas o resultado pode ser justamente o inverso, gerando a migração das doações declarada para o caixa dois. Episódios de corrupção como o que resultou no impeachment de Fernando Collor e mais recentemente o mensalão e o petrolão revelam uma vulnerabilidade do sistema que deve ser tratada com reformas bem mais profundas do que a mera proibição sobre a origem dos financiamentos de campanha”, analisou.

Néviton critica o caminho que a legislação eleitoral tem seguido no Brasil, adotando cada vez mais medidas restritivas e punitivas para regular o processo. O aumento do desinteresse pela política atualmente no país seria, também, fruto dessa interferência. “O país passa por um dos momentos mais delicados de sua história e dia após dia há uma diminuição da oferta de candidaturas. As pessoas estão se afastando da política. O prejuízo maior é do cidadão, que tem menos chances de escolha, e ano após ano a composição da administração pública se deteriora. A causa do problema é o próprio remédio que estamos ministrando. A proibição das doações de pessoas jurídicas é só mais um capítulo dessa novela.”

Falta de igualdade
Para o desembargador, o sistema eleitoral atual não colabora para uma escolha desimpedida, livre e igualitária nas eleições. “O Brasil vem desde os anos 90 promovendo reformas que tentam aumentar a igualdade na disputa, mas se esquece do princípio da liberdade. E, apesar de sacrificar a liberdade, não tem conseguido desenvolver a igualdade”, avalia.

A tese de Néviton Guedes é a de que, atualmente, o sistema poderia ser mais livre e acreditar na capacidade do eleitor de fazer suas escolhas. “Nos perguntamos muito quando devemos legislar, e a resposta é quase sempre sim. Mas nunca nos perguntamos quando não devemos legislar. Não acreditamos que a política e o mercado possam se regular se não houver uma norma previamente estabelecida por alguém. É uma concepção errada. Precisamos de alguém que ‘dite’ uma norma. Mas, quanto mais desenvolvido um país, menos restrições ele tem.”

A ampla circulação das informações e a internet nos dias atuais trouxeram o processo político-eleitoral para uma configuração muito mais próxima do livre mercado do que para uma sociedade planejada como a stalinista, na visão do desembargador. “O eleitor tem o direito e a liberdade para votar, não importa a escolha que ele faça. Se partirmos do pressuposto de que o eleitor é um imbecil, que é preciso tutelá-lo e estabelecer limites, então deveríamos adotar a aristocracia. Estamos legislando e interferindo onde não devíamos, limitando cidadãos que teriam plenas condições de tomar suas decisões”, emendou.

Demonização da advocacia
Também durante o V Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, o professor Lenio Streck contextualizou o momento difícil vivido pela advocacia e pela política, que enfrentam um ambiente de demonização e de confusão entre a figura do advogado e de seu cliente. “O Direito vale mesmo para inimigos, contra tudo e contra todos”, disse.

Para ele, é preciso pensar por princípios, e não por consequências, rejeitando a figura do consequencialista, que não pode ser considerado um jurista no Estado Democrático de Direito, criticando o subjetivismo interpretativo da legislação, feito de acordo com a vontade do intérprete.

Streck enfatizou que a análise das provas não pode ser analisada a partir da identidade do réu. Contudo, apontou um paradoxo: ao mesmo tempo em que a lei eleitoral admite a aplicação de presunções genéricas na formação de juízo em desfavor do réu, a presunção específica e constitucional da inocência é ignorada. O professor sugere que o Código de Processo Civil de 2015 pode solucionar a subjetivismo. Citou o princípio da "não surpresa", positivado no novel artigo 10 e a inovação trazida pelo artigo 371, que suprimiu o adjetivo “livre” da convicção do magistrado a fim de enfatizar a opção pela valoração racional das provas.

Concluiu com uma provocação, ao mencionar que o papel da doutrina é criar constrangimento, inclusive para a jurisprudência de tribunais superiores, a fim de possibilitar a construção de um conhecimento crítico.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!