Opinião

Evitando panfletagem, Cardozo foi certeiro ao apresentar a defesa de Dilma

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5 de abril de 2016, 17h40

O advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, protocolizou e apresentou perante a Comissão de impeachment da Câmara a defesa da presidente da República Dilma Rousseff contra a denúncia de impeachment recebida pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.

A defesa do advogado geral da União, ao contrário do que fez a acusação, agiu dentro da técnica legal e do Direito, evitando panfletagem política e arroubos impulsivos.

O ex-ministro da Justiça e agora advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, iniciou sua defesa trazendo a colação os postulados do Estado Democrático de Direito como fundamento da República Federativa do Brasil.

O tão proclamado Estado de Direito tem sua origem em uma concepção liberal. Pensava-se, deste modo, em “Estado Liberal de Direito”.

No que pese as diversas concepções e a amplitude genérica sobre o “Estado de Direito” que remonta a ideia, a Platão e Aristóteles, do “governo das leis” contraposto ao “governo dos homens”, aqui se adota a simples, mas relevante, concepção de Estado de Direito como Estado Constitucional.

Bobbio ainda irá ressaltar que o Estado de Direito é entendido como a fase em que houve a necessária positivação do chamado direito natural, mas com uma substancial defesa dos direitos individuais.

Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais, ou seja, a transformação desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos. Na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e, portanto em linha de princípio "invioláveis".

O Estado de Direito, sem dúvida, em qualquer de suas espécies — Estado liberal de Direito-Estado social de Direito-Estado democrático de Direito, é uma conquista.

Como bem salientou José Eduardo Cardozo, no Estado de Direito, o “direito a tudo orienta”, o Estado de Direito é o “Estado das Leis”. Hodiernamente os Estados democráticos estão sob o “Império da Lei” e não mais, como outrora, sob o “Império dos Homens”.

A democracia, por sua vez, que o Estado Democrático de Direito realiza, no dizer do constitucionalista José Afonso da Silva, “há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu exercício”. [1]

Ressaltou o AGU que o Brasil adotou o sistema de governo presidencialista no qual o presidente da República, como chefe do Poder Executivo, exerce as funções de chefe de Estado e, também, as de chefe de Governo e, não depende da confiança do Congresso Nacional, para ser investido no cargo ou nele permanecer, como ocorre no sistema de governo parlamentarista.

Após diversas incursões sobre os direitos e garantias institucionais da Presidência da República José Eduardo Cardozo se voltou para a natureza do processo de impeachment e para os seus pressupostos jurídicos.

Como já dissemos alhures, o processo de impeachment tem uma natureza mista: política e jurídico-penal. Natureza política já que compete ao Senado Federal o julgamento do impeachment do chefe do Poder Executivo. Tem, também, natureza Jurídico-penal posto que no julgamento pelo Congresso Nacional devam ser respeitados os limites impostos pela dogmática penal, bem como o devido processo legal.

O fato da Constituição da República (artigo 86) diferenciar os crimes comuns — cujo julgamento é de competência do Supremo Tribunal Federal — dos chamados crimes de responsabilidade, de competência do Senado Federal. Sendo que os últimos são tratados por boa parte da doutrina como infrações políticas/administrativas, não quer dizer que por isso possa ser desprezado os princípios fundamentais e garantistas do processo penal.

Embora seja inegável o seu viés político, as balizas impostas pelos princípios, notadamente, da legalidade, da taxatividade e da culpabilidade em matéria jurídico-penal, não podem ser postergados.

Assim, nos dizeres precisos dos eminentes professores Juarez Tavares e Geraldo Prado

o 'processo político' ou o 'processo de impeachment' haverá de ser, necessariamente, um método 'racional-legal' de determinação da responsabilidade política conforme parâmetros estabelecidos na Constituição da República. Não haveria garantias para a democracia se pudesse ser de outra forma. Os reflexos práticos dessa configuração são percebidos: a) na exigência de que os comportamentos que caracterizam 'crime de responsabilidade' possam ser demonstrados empiricamente meros juízos de valor ou de 'oportunidade' não constituem o substrato fático de condutas 'incrimináveis'; b) na consequente estipulação de procedimento que permita confirmar ou refutar a tese acusatória, em contraditório, com base em dados empíricos. Não é demais recordar o que ficou assentado linhas atrás: o processo de impeachment não equivale à moção de censura ou ao veto (recusa do voto de confiança) do Parlamento ao governo, institutos que são pertinentes ao sistema parlamentarista”. [2]

Dentre os pressupostos jurídicos para o impeachment o ministro José Eduardo Cardozo destacou a necessidade da comprovação de crime de responsabilidade que atente contra a Constituição da República (artigo 85). Como bem disse o eminente advogado, a Constituição faz o arquétipo e a lei especial — no caso a Lei 1.079/50 — faz a especial tipificação.

Não resta dúvida e, também, já falamos sobre o tema, que para que haja impeachment é imprescindível que se comprove cabalmente a pratica de conduta dolosa — crime de responsabilidade — por parte da presidente da República e que, necessariamente, atente contra a Constituição da República.

Está assentado na Constituição que os crimes comuns praticados pelo chefe do Poder Executivo serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Verifica-se assim, que a Constituição da República reservou ao Senado Federal o julgamento dos crimes de responsabilidade que atentam contra a Constituição da República. Somente os crimes de responsabilidade praticados pelo presidente da República dolosamente e que atentem contra a Constituição. Isto se deve a gravidade dos crimes de responsabilidade cometidos contra o Estado Democrático de Direito e que tem como sanção o impeachment do Chefe do Poder Executivo. Não se pode, portanto, dá igual tratamento ao presidente da República que pratica crime de responsabilidade no exercício do seu mandato e aquele que pratica um crime comum.

Dúvida, também, não há que o presidente da República só poderá ser responsabilizado por crime praticado na vigência do seu mandato, não podendo ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (artigo 86, parágrafo 4º da CR).

Sem adentrar nas preliminares e nas demais questões de mérito da defesa apresentada pela presidente da República, em análise fria e racional, verificamos uma vez mais que não há razão jurídica e legal para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Lembrando que, razões e motivação políticas não são suficientes e não bastam para que o chefe do Poder Executivo seja sacado do cargo.

Como bem salientou o professor Pedro Estevam Alves Pinto Serrano em substancioso parecer:

O fato de o julgamento do crime de responsabilidade decorrer do exercício de uma função política do Estado não é alvará para que se atente contra os direitos fundamentais e ao Estado de Direito. Por essa razão é que a aplicação de sanções no processo do crime de responsabilidade demanda o atendimento de requisitos para sua incidência válida.

Por tudo, estão certos aqueles que dizem que o impeachment não é golpe porque está previsto na Constituição da República, mas razão, também, assiste, notadamente, aqueles que dizem que impeachment sem que haja comprovação de crime de responsabilidade e que atente contra a Constituição da República é golpe.


1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

2 Disponível em: http://emporiododireito.com.br/juarez-tavares-e-geraldo-prado-assinam-parecer-contra-o-impeachment/

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