Academia de Polícia

Críticas à lei de enfrentamento ao terrorismo e seus avanços

Autor

  • Rodrigo Carneiro Gomes

    é delegado da Polícia Federal mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília especialista em segurança pública e defesa social e professor da Academia Nacional de Polícia. Foi assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça e da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal.

5 de abril de 2016, 13h43

Spacca
Em vigor desde o dia 17 de março, a Lei Federal 13.260, de 16/3/2016, disciplinou o terrorismo, tratou de disposições investigatórias e alterou as leis 7.960/89 e 12.850/2013.

A lei antiterrorismo (LAT) definiu o terrorismo como a prática por um ou mais indivíduos dos atos que descreve, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública (artigo 2º).

Em outras palavras, a definição legal de terrorismo está estruturada da seguinte forma:

a) Número de agentes:
É desnecessária a pluralidade de agentes. Basta a prática de atos descritos como de terrorismo (artigo 2º, parágrafo 1º) por qualquer pessoa (um ou mais indivíduos), sendo crime comum, unissubjetivo;

b) Motivação do agente
Atua por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Não foram incluídas a motivação política e a supressão de valores democráticos, no que a legislação poderia ser mais avançada;

c) Elemento subjetivo
Atuação com o fim especial de provocar terror social ou generalizado, com exposição a perigo de pessoa, patrimônio, da paz pública ou da incolumidade pública. Basta a verificação do estado anímico ou da psique do agente, sendo desnecessário perquirir se, efetivamente, foi provocado terror, mas a consubstanciação da exposição a perigo é essencial do tipo;

d) Meio
Explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares, mecanismos cibernéticos, sabotagem, violência, grave ameaça, atentados;

e) Elemento objetivo
Praticar atos de terrorismo previstos no artigo 2º, parágrafo 1º.

Pena: reclusão, de 12 a 30 anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.

Os bens jurídicos tutelados são a vida, a integridade física, a igualdade e o pluralismo da sociedade. Contudo, a lei foi muito tímida ao não elencar a liberdade como bem jurídico tutelado, sabendo-se que inúmeros grupos terroristas utilizam-se do sequestro e do cárcere privado como formas de barganha, propaganda, difusão de terror, ampliação das fileiras da ORT ou mesmo de financiamento de suas atividades.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não se exigindo condição particular para a prática de ato de terrorismo, que pode ser de forma individual ("lobo solitário") ou coletiva, independentemente de uma clara vinculação do autor do delito a determinada ORT. Constituir ou integrar organização terrorista é crime diverso e criminalizado no artigo 3º, com previsão de pena de reclusão de 5 a 8 anos, e multa.

Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa. Não há previsão de sujeito passivo especial, embora seja de conhecimento comum que as ORTs possuem uma predileção por embaixadas, autoridades públicas, militares, integrantes de forças de segurança pública, representantes do Estado, em geral. O artigo 29, combinado com o artigo 26 da Lei 7.170/83, trata do atentado contra a vida do presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal.

Elemento subjetivo do tipo é o dolo direto ou indireto (eventual ou alternativo) (quando assumido o risco de expor a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública) de praticar atos de terrorismo. Podem ser de dano (destruição, sabotagem, atentado contra a vida) ou de perigo abstrato (porte de explosivos, agentes químicos). Conjuga-se o caput com o parágrafo 1º do artigo 2º.

Tentativa de ato de terrorismo: é possível, diante do que dispõe o artigo 14, inciso II do Código Penal, ou seja, quando iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, por exemplo, nos casos de tentativa de sabotagem de instalações e de atentado contra vida.

Atos preparatórios: são puníveis, na forma do artigo 5º. A previsão de punição antecipada do iter criminis é mais do que razoável, considerando-se que o uso massivo de armas de fogo automática e explosivos tem vitimado centenas de famílias e pelo fato de os terroristas não seguirem nenhum código de combatente, sem limites éticos, em ataques a alvos civis e militares, indistintamente. A cogitação não é punível.

Majorante: salvo quando for elementar da prática de qualquer crime previsto na Lei 13.260/2016, se de algum deles resultar lesão corporal grave, aumenta-se a pena de 1/3, e se resultar morte aumenta-se a pena da metade (artigo 7º).

Desistência voluntária e arrependimento eficaz exatamente por parecerem não ser compatíveis com a natureza e periculosidade de organizações terroristas receberam a expressa previsão legal da possibilidade de seu reconhecimento, na forma do artigo 10 da Lei 13.260/2016 combinado com o artigo 15 do CP.

Prisão temporária: admissível em qualquer dos crimes previstos pela Lei 13.260/2016 (artigo 18, que incluiu a alínea "p", na Lei 7.960/89).

Crime equiparado a hediondo: os atos de terrorismos são considerados crimes equiparados a hediondos. Por força do artigo 17 que determina a aplicação da Lei 8.072/90, todos os crimes previstos pela Lei 13.260/2016 também serão insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança. No HC 111.840, o STF declarou inconstitucional a obrigatoriedade da fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena por crime hediondo ou equiparado.

Competência: cabe à Justiça Federal o processamento e julgamento dos crimes previstos na Lei 13.260/2016, nos termos do artigo 11 da LAT, que presumiu ser a prática contra interesse da União. O tema é polêmico, considerando o rol taxativo do artigo 109 da CF.

Investigação: cabe à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial (artigo 11). A legislação não previu a investigação "criminal" por outros órgãos, portanto, qualquer informação (de inteligência ou não, financeira ou não) produzida por órgãos como Abin, Coaf, Receita Federal, Forças Armadas, Ministérios Públicos, Polícias Civis e Militares, neste meandro, devem ser trabalhadas de forma integrada e coordenada, com protagonismo investigativo da Polícia Federal, não sendo admissível a instrução de processos paralelos simultâneos e espúrios em outras instituições, sob o manto de subsidiariedade ou complementariedade. É de bom alvitre lembrar que uma das mais duras e frequentes críticas às repartições públicas das nações que sofreram atentados terroristas foi justamente o desencontro e falta de centralização de informações sobre organizações terroristas, infelizmente, atribuível a secretismo, "reserva de mercado" e disputas corporativistas de espaço e poder entre órgãos parceiros refratários ao trabalho coordenado.

Frise-se o imperativo legal do artigo 3º da Lei 12.850/2013: "Art. 3º. Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: (…) VIII – cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal".

Técnicas especiais de investigação: utilizam-se aquelas previstas no artigo 3º da Lei 12.850/2013, por força do artigo  16 da Lei 13.260/2016: colaboração premiada; interceptação telefônica e ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; ação controlada; quebra de sigilos, infiltração, por policiais.

Constrição e administração de bens: os artigos 12 a 14 tratam sobre medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes de terrorismo ou equiparados, bem como da sua administração. A redação é baseada no que dispõe, de forma pormenorizada, a Lei 9.613/98.

A legislação possui algumas imperfeições. Fere o sistema acusatório e a imparcialidade judicial a decretação de ofício, prevista no artigo 12, de medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ademais são necessárias investigações a cargo do órgão de polícia judiciária para vincularem os bens do investigado ou acusado a instrumento, proveito ou produto do crime. A atuação judicial de ofício seria justificável na preservação dos bens, mas não na constrição.

A alienação antecipada de bens deveria ser a regra, e não apenas recomendável em casos de risco de deterioração, depreciação ou dificuldade de manutenção, pois os depósitos judiciais e os policiais possuem, reconhecidamente, estrutura deficiente para armazenamento, controle e custódia de bens, além do custo de manutenção e vigilância deles. Portanto, a lei poderia ter previsto a alienação antecipada como regra.

A administração de bens é complexa e, muitas vezes, pode gerar mais incidentes processuais do que a própria ação penal, com os mesmos problemas de manutenção, depreciação e deterioração de bens. A maior parte dos países que adotam o modelo de administração de bens de forma exitosa contam com uma entidade pública especializada para tal fim, o que não acontece no Brasil. Para agravar a problemática, ao contrário da Lei 9.613/98, a remuneração do responsável pela administração dos bens deixa de ser procedida obrigatoriamente com o produto desses bens para ser "preferencialmente" paga com seus frutos, abrindo uma brecha para que o Estado arque com o custo da sua administração. Essa prática não é recomendável, pois se o bem não gera frutos ou outro produto suficiente para sua preservação, a solução legal é a alienação antecipada por dificuldade de manutenção.

A inversão do ônus da prova para o investigado ou acusado obter a liberação dos bens, direitos e valores constritos, a exemplo da Lei 9.613/98, foi prevista na Lei 13.260/2016 (artigo 4º, parágrafo 2º), quando comprovada a licitude de sua origem e destinação. Nesse aspecto, a redação legal foi aperfeiçoada para prever que a comprovação também se estende à destinação lícita do bem.

Lamentavelmente, a Lei 13.260/2016 foi omissa quanto ao perdimento de bens, devendo ser adotada a disciplina geral do artigo 4º-A, parágrafo 10 da Lei 9.613/98, incluído pela Lei 12.683/2012, ou seja, aguardando-se o trânsito em julgado, quando ao perdimento com caráter definitivo. Nada impede, contudo, diante da omissão legal, que os pretórios se posicionem na esteira do Habeas Corpus 126.292, no qual o STF decidiu que uma condenação em segundo grau de jurisdição pode ser executada imediatamente.

Outra deficiência legal foi não haver a previsão de pena de multa, com proporcionalidade e adequação ao crime cometido, na parte que dispôs sobre a criminalização do financiamento ao terrorismo (artigo 6º, parágrafo único).

Na falta de tratado internacional multilateral ou bilateral que disponha de forma contrária, os bens constritos por solicitação de autoridade estrangeira serão repartidos entre o Estado requerente e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé (artigo 15, parágrafo 2º). Essa é uma disposição padrão que é veiculada na maior parte dos acordos que versam sobre a cooperação jurídica internacional em matéria penal, inclusive na área de repressão a crime organizado.

Outros crimes previstos pela Lei 13.260/2016
a) Criminalização da participação em organização terrorista

A definição de organização terrorista (ORT) foi remetida à Lei 12.850/2013 que trata de repressão ao crime organizado, na qual foi inserido um dispositivo que prescreve a sua aplicação "às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos". Nos parece que essa definição deveria ter sido mantida no corpo do texto da Lei 13.260/2016.

De qualquer forma, integrando-se a mencionada disposição com o artigo 3º, chega-se à conclusão de que organização terrorista é aquela voltada para a prática dos atos de terrorismo previstos no artigo 2º, parágrafo 1º Lei 13.260/2016, sendo punível com reclusão, de cinco a oito anos, e multa, aquele que "promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista" (artigo 3º).

A legislação poderia avançar e ter aplicado, por analogia, o artigo 1º, parágrafo 1º da Lei 12.850/2013 para inserir como características da organização terrorista a divisão de tarefas, a cadeia de comando (estruturalmente ordenada) e a pluralidade de agentes. Não se sabe se a omissão foi proposital, em razão da atuação de células terroristas que agem isoladamente, ou pelo recurso a "pessoas-bomba", empecilhos à percepção e identificação da ORT envolvida. De qualquer sorte, parecem ser inerentes à conceituação de "organização" elementos normativos mínimos como pluralidade de agentes, divisão de tarefas e estruturação do grupo.

b) Criminalização dos atos preparatórios de terrorismo
São puníveis, na forma do artigo 5º. Exitosa ou não, a simples constatação de um operativo terrorista em curso já é motivo de grande repulsa da sociedade internacional.

c) Criminalização do recrutamento, transporte, municiamento e treinamento de pessoas internacional ou não
É criminalizada a conduta do agente que recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade. Caso não ocorra o treinamento ou viagem para país distinto, o agente se beneficiará de circunstância de diminuição de pena de 1/2 a 2/3.

A legislação não especificou qual o tipo de treinamento é recriminável e, portanto, deve-se entender como qualquer tipo de treinamento, militar ou não, que implique em capacitação do agente terrorista para qualquer dos atos sancionados pela Lei 13.260/2016.

d) Criminalização do financiamento do planejamento, da preparação ou da execução de atos de terrorismo e outros equiparados pela Lei 13.260/2016
É crime, com pena de reclusão, de 15 a 30 anos, "receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos" pela Lei 13.260/2016 (hipótese de financiamento direto das atividades terroristas, de sua logística).

Incorre na mesma pena quem pratique idênticos atos, com a finalidade de financiar pessoa, grupo de pessoas, associação, entidade, organização criminosa que tenha como atividade principal ou secundária, mesmo em caráter eventual, a prática dos crimes de terrorismo e equiparados (hipótese de financiamento de pessoa ou grupos terroristas, ainda que atuem de forma secundária ou eventual).

Conclui-se que, apesar das imperfeições da lei e do uso de inúmeras expressões vagas, de conceitos abertos indeterminados, como bem anotado pelo emérito professor Ruchester (2016[1]), mas por decorrência lógica da dificuldade de consenso num projeto de lei e de melhor adequação dos núcleos dos tipos penais, a Lei 13.260/2016 apresentou avanços louváveis com a definição de atos de terrorismo, organização terrorista e criminalização do terrorismo, seu financiamento, seus atos preparatórios e a participação em ORTs.

Embora tímida, a Lei 13.260/2016 atende aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil há muito tempo e, agora, abre-se a possibilidade de aperfeiçoamento da legislação brasileira frente a um fenômeno mundial de constante mutação, de rumos imprevisíveis e que tem atingido milhares de vítimas civis inocentes, numa verdadeira guerra assimétrica.

Espera-se que sua aplicação não seja necessária tão cedo, mas o mundo contemporâneo, com ataques cibernéticos aptos a causarem caos no fornecimento de energia e abastecimento de água, com destruição reservas energéticas estratégicas, de sítios arqueológicos e patrimônios histórico-culturais mundiais, não permite ao Brasil, a esta altura, uma visão passiva e romântica do que acontece além de nossas fronteiras.

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    é delegado da Polícia Federal, mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, especialista em segurança pública e defesa social e professor da Academia Nacional de Polícia. Foi assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça e da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal.

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