Opinião

Lei de repatriação trará trégua a embates entre contribuinte e Fisco

Autores

  • José Luis Oliveira Lima

    é advogado criminalista sócio do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e ex-presidente da Comissão de Prerrogativas e Direitos da OAB-SP.

  • Rodrigo Dall'Acqua

    é advogado criminalista sócio do escritório Oliveira Lima Hungria Dall’Acqua & Furrier Advogados e diretor jurídico do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

2 de abril de 2016, 7h30

A repatriação de valores não declarados já possui seus contornos práticos melhor definidos, uma vez que a Receita Federal emitiu, nesse mês de março, instrução normativa regulamentando a aplicação da Lei 13.254/16. Uma das principais dúvidas dos contribuintes era saber de que forma o Fisco se posicionaria sobre a comprovação da origem lícita dos valores. Relembrando, a lei permitiu apenas a repatriação de recursos lícitos, assim entendidos como “oriundos de atividades permitidas ou não proibidas pela lei”, bem como os valores decorrentes de crimes de sonegação fiscal e delitos relacionados com a prática de “caixa dois”.

A recente regulamentação da norma estabeleceu que o contribuinte deve apenas fazer uma declaração de que os bens ou direitos possuem origem em atividade econômica lícita. Não há qualquer exigência de que essa declaração seja acompanhada de prova documental, o que é bastante razoável, já que boa parte dos recursos brasileiros não declarados foi remetida ao exterior há muitos anos, como resultado de drásticos planos econômicos, impossibilitando a apresentação de prova de sua origem. A apresentação de documentos é exigida, pela mesma instrução normativa exige, para fim de atribuição do valor em real dos recursos, mediante a entrega de saldos, contratos, balanços e avaliações patrimoniais. Não é necessário, portanto, apresentar documento sobre a prova da origem lícita.

Obviamente, a declaração de origem lícita dos valores não tem valor absoluto e poderá ser contestada pela Receita Federal. Todavia, segundo a regulamentação da matéria, o contribuinte somente terá sua adesão ao regime de regularização cancelada se apresentar uma declaração falsa. Observe-se que, na consulta pública lançada para preparar o texto final da instrução normativa, o Fisco pretendia excluir aquele que não “comprovar a veracidade das informações prestadas”, com a clara intenção de transferir ao particular o dever de demonstrar a origem lícita dos valores. Mas essa posição inicial foi reformulada e, para todos os efeitos, agora é a Receita Federal quem tem o ônus de provar que a declaração de licitude não é verdadeira.

Outro aspecto criminalmente relevante, abordado na instrução normativa, é a declaração de conta no exterior sem saldo ou cujos recursos tenham sido transferidos para um trust. Declarar uma conta sem recursos ou encerrada pode parecer desnecessário, mas possui como principal finalidade garantir a extinção da punibilidade do crime de manutenção de conta não declarada no exterior. Esse delito é classificado como crime permanente, tem seu início na data da abertura e deixa de ser praticado apenas no momento do fechamento da conta ou do esgotamento de seu saldo. Mas tal crime prescreverá somente doze anos após o fim conta ou do saldo, permitindo, nesse período, que o Estado promova uma investigação criminal. Para evitar problemas penais, o contribuinte deve considerar a possibilidade de fazer a declaração de contas no exterior encerradas há menos de doze anos e, nesta específica hipótese, a norma exige que a descrição, para o Fisco, dos crimes cometidos (manutenção de conta não declarada, remessa ilegal de valores e crimes tributários).

Certamente surgirão vozes contrárias ao fato de a instrução normativa da Receita Federal não exigir a comprovação documental da origem lícita dos valores – e sua consequente anistia criminal – sob o argumento de excessiva permissividade do Estado. Porém, a adoção de critérios mais rigorosos certamente inviabilizaria a repatriação de valores, impedindo, por exemplo, a regularização de dinheiro antigo, cuja prova da origem se perdeu no tempo.

Por fim, é preciso enxergar o movimento mundial de transparência financeira que o Brasil faz parte, no qual acordos multilaterais possibilitarão, já nos próximos anos, a troca automática de dados sobre contas ativas ou encerradas. A experiência internacional nos mostra que, antes das novas regras sobre sigilo bancário entrarem em vigor, devem ser oferecidos ao cidadão programas de regularização de valores e anistia criminal. O cenário, portanto, sugere uma trégua entre o contribuinte e o Fisco, ao menos no que diz respeito a recursos não declarados.

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    é advogado criminal, sócio do escritório Oliveira Lima, Hungria, Dall’Acqua & Furrier Advogados e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Foi presidente da Comissão de Prerrogativas e Direitos da OAB-SP.

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    é advogado, sócio do Oliveira Lima, Hungria, Dall"Acqua e Furrier Advogados, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

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