Opinião

Supremo já definiu que conceito de família deve ser abrangente

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30 de setembro de 2015, 6h31

“Você tem que respeitar o direito de escolher livremente. Como um velho mandamento.”[1]

É isso que nos parece estar ocorrendo no seio do Poder Legislativo — com reflexos para a sociedade — e com especial destaque para a discussão do PL 6583/2013.

Tendo por suposto objeto instituir a valoração da família, dispõe aquele projeto sobre o Estatuto da Família, sendo que logo em seu artigo 2º o mencionado decreta — sem meias palavras ou volteios — “define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Não obstante o evoluir e o caminhar à frente que mais se destaca em ritmo global, não raro as exceções truculentas que temos notícias vindas da Rússia ou de atos deflagrados pelo Estado Islâmico, o conceito de família não se restringe tão somente “a partir da união entre um homem e uma mulher”, como pretende impor a legislação ainda em votação, tendo como justificativo e discutível pano de fundo a lhe sustentar o argumento de que “a sociedade encontra-se num processo permanente de transformação afetando diretamente seus valores. Infelizmente alguns valores importantes que forjam caráter, deveres e direitos, que se reproduzem no seio familiar são abalados.”

“Te julgam e não aceitam a tua fome. Te insultam e te condenam a pecar. Te julgam e nem conhecem o teu nome. Te humilham e não te deixam falar.”[2]

Somente aquele conceito de família proposto: de que a mesma é formada tão somente por um homem e uma mulher é que vai salvar a sociedade de suas mazelas? O mal reside no ser humano em si, em estado dormente ou latente.

Acreditamos que somente será este — o mal — ‘domado’ com educação e ensino, educação essa que pode sim ser professada em uma família formada a partir de pessoas, não mais que isso!

Aliás, tal proposta legislativa demonstra quão equivocada tem sido o dispêndio de foco, dinheiro e energia da parte de nossos legisladores. Explicamos.

A matéria objeto nesse expediente já nos parece ter entendimento solidificado na esfera do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o conceito de família deve ser exponencial e constitucionalmente interpretado de modo mais abrangente ao modo que ora se pretende legislar, pois:

“(…) o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recentíssimo julgamento, ao apreciar a ADPF 132/RJ e a ADI 4.277/DF, ambas de relatoria do eminente Ministro AYRES BRITTO, proferiu decisão em que reconheceu, como entidade familiar, a união entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidos os mesmos requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher, além de também haver proclamado, com idêntica eficácia vinculante, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis heteroafetivas estendem-se aos companheiros na união estável entre pessoas do mesmo sexo (Informativo/STF nº 625). Ao assim decidir a questão, o Pleno desta Suprema Corte proclamou que ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Isso significa que também os homossexuais têm o direito de receber a igual proteção das leis e do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual. Essa afirmação, mais do que simples proclamação retórica, traduz o reconhecimento, que emerge do quadro das liberdades públicas, de que o Estado não pode adotar medidas nem formular prescrições normativas que provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, a exclusão jurídica de grupos, minoritários ou não, que integram a comunhão nacional. Esta Suprema Corte, ao proferir referido julgamento, viabilizou a plena realização dos valores da liberdade, da igualdade e da não discriminação, que representam fundamentos essenciais à configuração de uma sociedade verdadeiramente democrática, tornando efetivo, assim, o princípio da igualdade, assegurando respeito à liberdade pessoal e à autonomia individual, conferindo primazia à dignidade da pessoa humana, rompendo paradigmas históricos, culturais e sociais e removendo obstáculos que, até então, inviabilizavam a busca da felicidade por parte de homossexuais vítimas de tratamento discriminatório. Com tal julgamento, deu-se um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que têm marginalizado grupos minoritários em nosso País, viabilizando-se a instauração e a consolidação de uma ordem jurídica genuinamente inclusiva. Vale referir, tal como eu próprio já o fizera em decisão anterior (ADI 3.300-MC/DF), que o magistério da doutrina – apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) – tem revelado admirável percepção quanto ao significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares.” (Informativo n. 635 – RE 477554)

Ora, os congressistas deveriam abrir suas janelas e mentes, permitindo-se assim ser bafejados pelos ventos que sopram do Supremo Tribunal Federal e, em consequência, lançar armas e esforços aos verdadeiros problemas que assolam o país.

É relevante sim forjar caráter, deveres e direitos em prol do desenvolvimento de uma sociedade mais ética, justa, pacificada e estruturada em pilares de busca pela felicidade.

O exemplo deve ser dado por todos e para todos, não obrigatoriamente advindos de um núcleo familiar derivado — a ferro e fogo — da união de um homem e uma mulher.

É necessário dar voz a todos, sem exceção, estancarmos essa duvidosa necessidade de criarmos situações de conflito desnecessárias entre seres humanos — maliciosamente divididos em grupos, subgrupos, maiorias e minorias, na maioria das vezes por trás de interesses escusos —, cujos constitucionais direitos fundamentais deveriam ser usufruídos de forma igualitária.

Foco e esforço na elaboração de projetos a buscar solução para os verdadeiros problemas são o que se reclama, pois que caráter, deveres e direitos são forjados por pessoas oriundas de famílias formadas também por pessoas, com acesso a saúde e ensino de qualidade, alimentos à mesa, segurança e liberdade, nada mais tão complexo e simples do que isso possa parecer.

“E ninguém diz o que se vê, sendo a minoria. E ninguém fala por você, sendo a minoria.”[3]


1 BRITTO, Sérgio. Quem são os animais?

2 Ibidem

3 Ibidem

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