Opinião

Especificidade garante contratação direta de advogados por municípios

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26 de setembro de 2015, 9h20

Considerando que nem todos os entes públicos (mormente aqueles situados em pequenos Municípios) possuem advogados em seu quadro efetivo de pessoal, bem como que, mesmo nos locais dotados de corpo jurídico próprio, este costuma ser limitado, é bastante comum a contratação direta de escritórios de advocacia pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, para o exercício da atividade jurídica.

Este artigo visa à análise da viabilidade do procedimento, em apertada síntese, por intermédio das seguintes fontes de pesquisa: a) Normatividade vigente, sobretudo a lei 8.666/93, lei 8.906/94 e o Código de Ética e Disciplina da OAB; b) Princípios gerais do Direito Administrativo; c) Doutrina e d) Jurisprudência, sobretudo dos Tribunais Superiores.

Requisitos para a inexigilibilidade licitatória nos serviços advocatícios
O rol exemplificativo do art. 13 da lei 8.666/93 elenca, dentre as hipóteses de serviços técnicos especializados, a prestação dos serviços de advocacia, que abrange tanto a atuação não judicial (administrativa) quanto causas já propostas ou a se propor perante o Poder Judiciário. Com efeito, são três os requisitos necessários para consubstanciar a inexigibilidade licitatória nos serviços advocatícios: serviço técnico, notória especialização do contratado e serviço singular.

O primeiro requisito – tecnicidade – é entendido como a aplicação do conhecimento teórico e da habilidade pessoal para modificar o mundo dos fatos, concretizando as teorias e os elementos científicos. Por sua vez, o requisito de notória especialização do contratado vem estampado na própria lei de licitações, em seu art. 25, §1º. Trata-se do reconhecimento público da capacidade do profissional acerca de determinada matéria: no caso da advocacia, o renome do prestador do serviço deve ser facilmente perceptível no mundo jurídico. Segundo as lições de Carvalho Filho:

A lei considera de notória especialização o profissional ou a empresa conceituados em seu campo de atividade. Tal conceito deve decorrer de vários aspectos, como estudos, experiências, publicações, desempenho anterior, aparelhamento, organização, equipe técnica e outros do gênero.[1] (grifamos)

Logo, existe a possibilidade de mais de um profissional preencher o requisito da notória especialização. Conforme o professor Marçal Justen Filho, in verbis:

O conceito de viabilidade de competição não é simplisticamente reconduzível à mera existência de uma pluralidade de sujeitos em condições de executar uma certa atividade. Existem inúmeras situações em que a competição é inviável não obstante existirem inúmeros particulares habilitados a executar a atividade objeto da contratação, há casos em que o interesse sob tutela estatal apresenta-se com tamanhas peculiaridades que seu atendimento não pode ser reconduzido aos casos e parâmetros comuns e usuais.[2] (grifamos)

O profissional de advocacia será sempre técnico-especializado, pois assim foi elencado no rol do art. 13, da lei 8.666/93, em decorrência da sua graduação, mas a notória especialidade deverá ser adquirida com o desempenho de sua atividade, devendo aliar-se ao próximo requisito, de singularidade do objeto do contrato.

Conforme assevera Jorge Ulisses Jacoby Fernandes em sua monografia acerca de contratação direta: “Singular é a característica do objeto que o individualiza, distingue dos demais. É a presença de um atributo incomum na espécie, diferenciador.”[3]

Celso Antônio Bandeira de Mello ainda define:

                     A singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como singular quando nele tem de interferir, como requisito de satisfatório atendimento da necessidade administrativa, um componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual, artística, ou a argúcia de quem o executa, atributos, estes, que são precisamente os que a Administração reputa conveniente e necessita para a satisfação do interesse público em causa.[4]

Destarte, a singularidade do interesse público ocorrerá quando a especificidade se sobrepuser ao padrão médio das atividades e dos recursos disponíveis no âmbito da Administração, somando-se a necessidade administrativa com tamanha complexidade e heterodoxia que não seja possível sua satisfação através dos recursos materiais e humanos da própria Administração. O interesse público, pois, reflete a finalidade necessária e suficiente para caracterizar o serviço como singular.

O caso dos profissionais da advocacia nos presta ao melhor exemplo, pois cada advogado possui uma visão peculiar do caso prático que pode levar a uma solução diferente para a causa, no entanto não poderemos afirmar qual a mais correta, uma vez que todas podem ser defensíveis. Ainda aquelas soluções ditas erradas, se decorrentes de uma lógica científica, podem, no desenvolvimento dos fatos, passarem a ser aceitáveis.

A inviabilidade de competição, neste caso, baseia-se na impossibilidade de selecionar o melhor prestador com critérios objetivos, já que a comparação entre as alternativas heterogêneas, cujo fundamento depende das habilidades e capacidade intelectual de cada um dos concorrentes, torna-se impossível.

Entendimento jurisdicional das cortes de contas, da OAB e do STF
O Tribunal de Contas da União elencou três requisitos legais para que se vislumbre a hipótese de inexigibilidade de licitação, conforme é possível verificar em sua súmula nº 252, segundo a qual, “a inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado”.[5] Tais requisitos foram amplamente analisados no tópico anterior.

Ademais, conforme entendimento da referida Corte de Contas, expresso desta vez na súmula nº 264, a contratação dos profissionais jurídicos ocorre em causas ou litígios especializados. A ideia central da súmula é a de que a subjetividade que envolve a escolha de determinados tipos de serviços, em virtude de suas peculiaridades especiais, impossibilita a objetividade das licitações. Assim, o legislador determinou que estes serviços que impossibilitam a utilização de critérios objetivos para escolha da melhor proposta seriam serviços singulares.

Por sua vez, na defesa das contratações de escritórios por inexigibilidade de licitação, a OAB editou as Súmulas 4 e 5, de modo a defender o seu Código de Ética, o qual veda a concorrência entre os profissionais da advocacia. Ora, o Código de Ética e Disciplina da OAB, nos artigos 28 e 29, recomenda ao causídico moderação, discrição e sobriedade. Sendo assim, inibe a prática da concorrência, inviabilizando a competição, e, da mesma forma, o artigo 34, inciso IV, informa que “organizar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros”[6] é infração disciplinar, enquanto o artigo 5º veda qualquer procedimento de mercantilização do advogado no exercício da profissão, e o artigo 7º veda a vinculação ou a captação de clientela.

O posicionamento da Ordem de Advogados do Brasil, pois, é no sentido de inviabilidade de competição na prestação de serviços advocatícios, e, portanto, pela possibilidade de inexigibilidade de licitação de forma abrangente, como vem ocorrendo nos tribunais, contrapondo-se à visão punitiva do Ministério Público (que trata a inexigibilidade como hipótese utilizável apenas para casos excepcionalíssimos) para impetrar diversas ações de improbidade, ações estas que seriam um constrangimento aos advogados, uma ameaça às prerrogativas profissionais.

A privação do Estado na obtenção de consultoria e defesa competentes debilitam-no nas empreitadas jurídicas contra os agentes privados, que podem recorrer a profissionais mais habilitados. Ao passo da argumentação esboçada, o Pretório Excelso já reconheceu, muito acertadamente, haver repercussão geral quanto ao tema de contratação direta de escritórios de advocacia pela Administração Pública, concluindo pela viabilidade do procedimento:

IMPUTAÇÃO DE CRIME DE INEXIGÊNCIA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR FALTA DE JUSTA CAUSA. A contratação direta de escritório de advocacia, sem licitação, deve observar os seguintes parâmetros: a) existência de procedimento administrativo formal; b) notória especialização profissional; c) natureza singular do serviço; d) demonstração da inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado. Incontroversa a especialidade do escritório de advocacia, deve ser considerado singular o serviço de retomada de concessão de saneamento básico do Município de Joinville, diante das circunstâncias do caso concreto. Atendimento dos demais pressupostos para a contratação direta. Denúncia rejeitada por falta de justa causa.

(Inq 3074, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 02-10-2014 PUBLIC 03-10-2014) (grifamos)

Conclusão
Este artigo teve como objeto a análise da contratação de profissionais da advocacia por inexigibilidade de licitação, concluindo pela sua possibilidade, desde que atendidas as diretrizes consagradas pela lei 8.666/93, bem como pela jurisprudência e pela doutrina pátrias.

Da análise da lei 8.666/93 conclui-se que o procedimento de Licitação não visa à padronização de exigências culturais, intelectuais, técnicas ou até mesmo científicas, mas sim à comparação de propostas diferentes para trabalhos iguais.          Logo, existe a possibilidade de ser inviável a competição, em razão das peculiaridades que tornam o serviço advocatício singular e exclusivo, de modo a autorizar a contração direta por inexigibilidade licitatória, nos termos do art. 25, inciso II da lei nº 8.666/93.

Ressalte-se que tanto quando o Poder Público não possui profissionais especializados para a tarefa de natureza singular, ou, se possuindo, a natureza da tarefa pretendida, pelo volume, não puder ser realizada pelos profissionais do quadro, é possível a contratação de advogado, segundo a jurisprudência do Pretório Excelso e até mesmo da Corte de Contas, na esfera administrativa.

A contratação direta não deve servir como forma de burlar o princípio da moralidade; contudo, isso não vem ocorrendo de modo geral nas situações analisadas de contratação de advogados por inexigibilidade licitatória pela Administração Pública, já que essas contratações preenchem os requisitos determinados pela norma, bem como aqueles estabelecidos na súmula 252 do TCU, quais sejam, “serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado”.

E mais: a confiança no profissional (conforme sedimentado, sobretudo, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal) e a subjetividade que envolve a escolha dos serviços de advocacia, em virtude de suas peculiaridades especiais, impossibilitam a objetividade das licitações. Tal entendimento também está consubstanciado na súmula 264 do TCU.

Ainda mais abrangente é a visão da Ordem dos Advogados do Brasil, segundo a qual a realização de procedimento licitatório para contratação de Advogado gera disputa entre estes profissionais e, consequentemente, ocasiona a mercantilização da profissão, o que é vedado pelo Código de Ética e Disciplina da OAB (CED, art. 5º), sendo igualmente vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela (CED, art. 7º). Para firmar esse entendimento, foram editadas a Súmula n. 04/2012/COP e a Súmula n. 05/2012/COP.

Condenamos ainda as investidas dos Ministérios Públicos, com ações judiciais de improbidade administrativa que combatem os contratos advocatícios realizados por inexigibilidade de licitação e a suposta inibição de tais contratos por conta dessas condutas, em ofensa ao princípio constitucional da eficiência. Portanto, as entidades são praticamente unânimes em apoiar o uso do instituto da inexigibilidade para a advocacia, costumando a abordagem do nosso Poder Judiciário ser mais flexível (e adequada à realidade da problemática) do que a dos Tribunais de Contas no julgamento da regularidade dessas contratações.

De fato, o uso da licitação é incompatível com o exercício da advocacia, dada a subjetividade que reside na aferição do serviço, bem como a mácula que tal procedimento ocasiona ao Código de Ética e disciplina da OAB. Ademais, a contratação em tal hipótese constitui ato administrativo discricionário, cabendo à própria Administração Pública avaliar a conveniência e a oportunidade de uma eventual contratação.

Assim, sendo o trabalho do advogado intelectual e, por isso mesmo, singular, há de ser inexigível a licitação, vez que expresso no próprio art. 25, inciso II da lei 8.666/93. Nessa senda, o poder público não deve licitar quando decide contratar advogados; contudo, a inexigibilidade de licitação não pode ser utilizada de forma abrangente, e sim com a apreciação dos requisitos extraídos da lei de licitações, bem como da doutrina e jurisprudência nacionais, cujos ensinamentos foram largamente colacionados no presente artigo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2011.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação. 5ª. ed., Brasília Jurídica, 2004.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012.

MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009.

NAVES, Rubens. A Contratação de Advogados pela Administração Pública. Disponível em: <http://www.rubensnaves.com.br/>. Acesso em: 12 ago. 2015.

 


[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2011. Página 251.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª ed. São Paulo: Dialética, 2008. Páginas 360 e 361.

[3] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação. 5ª. ed., Brasília Jurídica, 2004. Página 588.

[4] MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009. Página 545.

[5] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Súmula nº 252. SESSAO 31/03/2010. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/jurisprudencia/sumulas>. Acesso em: 03 ago., 2015.

[6] BRASIL. Código de Ética e Disciplina da OAB. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: < http://www.oab.org.br/visualizador/19/codigo-de-etica-e-disciplina>. Acesso em: 12 ago. 2015.

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