Opinião

Por demagogia, reforma trabalhista é postergada há mais de 30 anos

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25 de setembro de 2015, 16h31

*Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo do dia 24 de setembro de 2015 com o título Relatório anual do TST – II.

O Relatório do Tribunal Superior do Trabalho, sucintamente examinado na edição de 22 de agosto de 2015, apesar de minucioso, é falho em relevantes aspectos. O primeiro consiste na ausência de preocupação com a análise da crise que ataca as relações de trabalho, refletida nos números trazidos pelo documento.

Basta, nesse sentido, considerar a quantidade de reclamações individuais no período compreendido entre 2006 e 2014, acima de 18,5 milhões. Com o acervo de dados de que dispõe, a Justiça do Trabalho poderia oferecer valiosa contribuição para a redução de demandas. O documento ignora o número de reclamantes. São comuns causas com dezenas de interessados, substituídos pelo respectivo sindicato da categoria, ou representados pelo Ministério Público do Trabalho. Não afasto a hipótese de haver, no país, mais reclamantes do que habitantes.

A partir dessa informação é que estaríamos aptos a avaliar o clima de insegurança jurídica que afeta o mercado de trabalho e se tornou um dos responsáveis pela desindustrialização, pela fuga de investimentos, pela perda de competitividade, pelo elevado desemprego.

O detalhado relatório desconhece a quantidade de ações ajuizadas por empregados desligados sem justa causa, aos quais foram pagos os direitos decorrentes da demissão injusta. Embora tenham assinado recibo final, sob a assistência do sindicato ou da autoridade local do Ministério do Trabalho e Emprego, ingressaram em juízo para reivindicar diferenças ou pagamentos a títulos diversos, como horas extras e dano moral.

O leitor desacostumado deste assunto certamente indagará o que induz milhões de empregados e ex-empregados a bater ininterruptamente às portas do Judiciário Trabalhista após darem quitação ao patrão, cientes de que a demora média, do início da causa ao encerramento da execução, ultrapassa cinco anos.

A resposta é porque nada têm a perder. Postular na Justiça do Trabalho é rápido, simples, gratuito e seguro. A reclamação, segundo prescreve o artigo 840 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), poderá ser oral ou escrita. Se escrita, requer breve exposição dos fatos, o pedido, data e assinatura do reclamante ou do representante. A lei dispensa fundamentação jurídica. Advogados não faltam em busca de clientes. Não há custas em caso de insucesso total ou parcial. O autor normalmente será beneficiado pela isenção, mesmo se não for realmente pobre. A Justiça, gratuita para ele, é mantida com recursos dos contribuintes.

Os prazos estão longe de ser reduzidos. No TST o processo aguarda julgamento em média durante um ano, um mês e 23 dias. Nos tribunais regionais, cerca de oito meses. Nas varas do trabalho, desde o início até se encerrar a execução da sentença, cinco anos e 11 meses. Conheço causas em andamento há mais de dez anos.

São elevadas as taxas de reforma da decisão. Na 17ª Região (Espírito Santo) a porcentagem de sentenças modificadas pelo Tribunal Regional alcançou 57,18%. Na 20ª (Sergipe), 53,43%. Na 1ª Região (Rio de Janeiro), 46,39%. Na 10ª (Brasília), ficou em 28,04%. São de assustar os números relativos ao TST, onde o Ceará é campeão em acórdãos reformados em recurso de revista, os quais atingem o fantástico patamar de 82,63%.

Grave falha decorre da ausência de informações acerca do direito coletivo. Não há uma única linha sobre a matéria. O poder normativo, exercido para pôr termo a disputas de natureza econômica entre empresas e sindicatos profissionais, ou de natureza intersindical, apareceu na Carta Constitucional de 1937, com o artigo 139 copiado do modelo corporativo-fascista italiano. A Justiça do Trabalho esbanjou a utilização da prerrogativa de interferir nas relações coletivas de trabalho, produzindo enorme quantidade de normas, como se observa na relação de precedentes normativos aprovados pelo TST.

Essa permanente intervenção é uma das razões do malogro das negociações diretas. Ao sindicato resulta mais simples recorrer à tutela judicial do que se empenhar na discussão de cláusulas coletivas. A Súmula 277 determina a incorporação definitiva de normas temporárias e não renovadas a contratos individuais de trabalho em vigor. Para que se empenhar em negociações, se a sobrevivência de dispositivos mortos está garantida pela jurisprudência?

A derradeira observação diz respeito às dívidas da administração pública consolidadas em precatórios. À folha 111 do relatório encontra-se esta informação: “Em dezembro de 2014, a dívida trabalhista em precatórios totalizava R$ 11.920.152.173,82; havia 70.633 precatórios pendentes de quitação, dos quais 41.192 (58,32%) estavam com prazo vencido. Não houve variação porcentual significativa dos precatórios pendentes de quitação em relação a 2013”. O espantoso volume de dinheiro é ininterruptamente corrigido, agora com a aplicação do IPCA-E, que, por decisão do TST, substituiu o TR anteriormente utilizado. Aos precatórios se somam 2.825.610 sentenças líquidas que, em 2014, permaneciam à espera de execução. Se imaginarmos o valor médio de R$ 25 mil por sentença, o débito pendente, em números redondos, seria de R$ 70,6 bilhões.

Sem discutir o erro cometido na mudança do índice de correção, o fato é que a Administração Pública, dos três Poderes da União, Estados, municípios, e todos os devedores da esfera privada, tiveram as dívidas trabalhistas elevadas, segundo alguns estudos, em 30%, no momento em que são vítimas da recessão e lutam contra a escassez de dinheiro e restrição do crédito.

Por excesso de demagogia a reforma trabalhista é postergada há mais de 30 anos. Teria a presidente Dilma lucidez para levá-la a efeito, quando é tão necessária? Não acredito. O desemprego se alastra com enorme velocidade; nem isso, porém, se mostra capaz de sensibilizar o Planalto.

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