Decisões incoerentes

TJ-SP abre processo disciplinar contra desembargador por concessão de HC

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23 de setembro de 2015, 15h14

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu abrir processo administrativo e afastar das atividades o desembargador Otávio Henrique de Sousa Lima, integrante da 9ª Câmara Criminal. A sindicância foi aberta depois que ele deu liberdade a Welinton Xavier dos Santos, conhecido como Capuava e como um dos maiores traficantes de drogas do estado de São Paulo, mas manter presos acusados de ser integrantes da mesma quadrilha.

A decisão se deu por unanimidade e seguiu o entendimento do presidente da corte, desembargador José Renato Nalini. Durante duas horas, Nalini leu seu voto pela abertura de processo administrativo contra o colega por afronta ao Código de Ética da Magistratura.

O presidente do TJ-SP disse que o caso deve ser investigado porque a concessão de liberdade ao acusado de ser o chefe de um grupo de traficantes de drogas não coincide com o perfil do desembargador, conhecido por ter a mão pesada. A 9ª Câmara de Direito Criminal, de acordo com o presidente do tribunal, também é conhecida pelo rigor de suas decisões.

A defesa do desembargador, feita pelo advogado Marcial Herculino de Hollanda Filho, argumentou que a decisão de manter o traficante em liberdade foi devidamente fundamentada. Em sustentação oral nesta quarta, o advogado disse que seu cliente "seguiu sua consciência" nas decisões.

O crime
Welinton Santos foi preso em julho deste ano com outras quatro pessoas por policiais do Denarc (Departamento de Narcóticos). Na operação, foram apreendidos 1,6 tonelada de cocaína, 898 quilos de insumos para a produção da droga, aparelhos micro-ondas, peneiras, balanças, além de quatro fuzis e uma pistola automática. A apreensão aconteceu em um sítio em Santa Isabel.

Todos os presos levaram pedido de Habeas Corpus ao tribunal. O desembargador Sousa Lima constatou fragilidade na denúncia apresentada contra Welinton Santos e permitiu que respondesse ao processo em liberdade. Em relação às outras quatro pessoas detidas no mesmo dia, concluiu não haver constrangimento e manteve a prisão preventiva decretada em primeira instância.

De acordo com o advogado do desembargador Souza Lima, a prisão de Welinton estava, até aquele momento, fundamentada em elementos frágeis. O laboratório, disse, funcionava a mais de 1 km de onde ele foi preso e foi apresentado como antecedente uma condenação de 1995.

"Pobreza franciscana"
Nalini chamou atenção para a falta de fundamentação na decisão que concedeu a liberdade e na outra, que rejeitou o pedido. “A fundamentação é de uma pobreza franciscana. Não é possível saber porque as provas produzidas pelos policiais não foram levadas em conta na decisão”, questionou.

Além da fundamentação, Nalini ressaltou que Sousa Lima não era o juiz natural do caso, que “lhe foi direcionado de propósito, por dolo ou por culpa”. Uma anotação no HC, feita por um servidor da distribuição de processos, fez com que o caso ficasse prevento ao desembargador da 9ª Câmara. A indicação, entretanto, era de um Habeas Corpus de numeração inexistente (tinha um dígito a mais). Questionado, o servidor Paulo Roberto Fogaça disse que havia cometido um erro.

Nalini afirmou que este erro não aconteceu apenas no HC de Welinton Santos. A mesma prevenção inexistente foi encontrada em outros Habeas Corpus. “As consequências dessas decisões ilegais e indevidas foram graves.”

Outros casos
O presidente da corte disse ainda que recebeu em seu gabinete indicação de outros casos em que a atuação do desembargador merece ser investigada. Por exemplo, decisões liminares que deu durante plantões de fim de semana, principalmente a acusados de tráfico de drogas, que não poderiam ter sido dadas. Nalini explicou que durante o plantão os desembargadores não podem dar decisões em processos que já estão em andamento. Apenas quando há prisões em flagrante.

Entre os entendimentos mais recorrentes de Sousa Lima, como relatou Nalini no julgamento, está o que “seria um paradoxo conceder liberdade a quem respondeu preso a todo o processo”. “Diante desses paradoxos e coincidências faz sentido pedir coerência ao desembargador. Casos de falta de ética recaem sobre toda a magistratura. Essa situação causa a este presidente tristeza e preocupação”, afirmou Nalini.

O desembargador Antonio Carlos Villen foi o único a se manifestar depois do presidente. Disse ser inegável a presença de indícios do descumprimento do dever de fundamentar as decisões. Para ele, o afastamento é uma medida para resguardar o próprio magistrado, “que é poupado de decidir em momento difícil de manter a serenidade”.

Ressaltou não se tratar de pré-julgamento. “Depois, se nada for constatado, os membros deste tribunal ficarão aliviados. É doloroso discutir esses casos”, declarou.

Clique aqui para ler o voto do desembargador José Renato Nalini.

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