Constituição e Poder

Consórcio Brasil Central é experiência inovadora do federalismo cooperativo

Autor

  • Marco Aurélio Marrafon

    é advogado professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) com estudos doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

22 de setembro de 2015, 14h30

Spacca
Em 11 de setembro de 2015, durante o 3º Fórum de Governadores do Brasil Central, foi assinado em Palmas (TO) o Protocolo de Intenções que constitui a carta fundamental de criação do Consórcio Interestadual para o Desenvolvimento do Brasil Central.

Resultado da provocação do então ministro Mangabeira Unger (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República) acerca da necessidade de formação de um novo polo de desenvolvimento nacional a partir da união dos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e do Distrito Federal, somado aos estados de Tocantins e Rondônia, o Brasil Central é o primeiro consórcio público interestadual criado em nosso país, representando grande pioneirismo em matéria federativa, um verdadeiro e novo pacto de cooperação horizontal para a realização de programas e ações políticas comuns, tais como um modelo inovador de educação, um olhar diferenciado para o pequeno e médio produtor rural, empreendedorismo e inovação, meio ambientes e infraestrutura.

Por meio da cooperação entre os estados, o Brasil Central representa uma possibilidade real de avançar no desenvolvimento regional a partir da periferia para o centro, invertendo a máxima furtadiana de que os entes nacionais/centrais deveriam promover a igualdade regional em nosso país por meio de agências e superintendências, tais como a Sudene, Sudam e Sudeco.  

Como bem lembrado pelo governador do estado de Mato Grosso, Pedro Taques, ao invocar as lições de Peter Häberle, o federalismo cooperativo é um arranjo institucional de cooperação entre os diferentes níveis do governo para a melhoria da vida da população como um todo. A Federação e os estados federados formam uma integração em um sistema no qual a tensão e a consequente competição entre os entes são amenizadas em favor de um mutualismo de atividades e realizações em áreas de interesse comum.

Häberle fez importantes contribuições ao pensamento federativo por meio de seus estudos comparativos sobre o desenvolvimento das Federações na Alemanha, na União Europeia e na América Latina e os reflexos da composição política na ordem constitucional[1]. Conforme menciona o constitucionalista alemão em sua obra El Estado Constitucional, as motivações para a formulação de um Estado Constitucional Cooperativo são identificadas em duas linhas principais: o aspecto socioeconômico e o aspecto ideal-moral.  O primeiro se refere ao reconhecimento das formas de cooperação econômica e sua conversão em conceitos, procedimentos e competências jurídicas necessárias; o segundo, por sua vez, está pautado na consolidação de direitos humanos e fundamentais, que devem alcançar a todos os cidadãos de diferentes estados da mesma maneira.

Suas lições podem inspirar um novo modelo de aprimoramento do pacto federativo brasileiro, baseada numa verdadeira cooperação entre os entes para a melhoria de vida da população.

O federalismo no Brasil é objeto de inúmeros questionamentos. Isso porque a distribuição de competências entre União e estados proporcionou um federalismo nominal, altamente centralizador, que na prática muitas vezes funciona como um estado unitário descentralizado. 

Como consequência empírica desta disposição constitucional, os estados ficam financeiramente dependentes da União, o que muitas vezes significa um grande obstáculo à realização de políticas públicas prescritas em suas competências executivas, que são comuns ao poder federal.

E foi justamente com o objetivo de discutir a remodelagem do pacto federativo que o 1º Fórum do Brasil Central, realizado em Goiânia (GO) em 3 de julho deste ano, reuniu os governadores do Distrito Federal, de Goiás, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul e do Tocantins. Durante o encontro, foram definidos seis eixos temáticos iniciais a serem trabalhados com o intuito de promover o desenvolvimento interestadual: agropecuária, logística, industrialização, educação, empreendedorismo e inovação.

Em Cuiabá (MT), nos dias 6 e 7 de agosto foram acertadas as diretrizes principais do conteúdo do Protocolo de Intenções, em reuniões entre os governadores e seus secretários de Planejamento.

O documento previamente pactuado estabeleceu uma estrutura enxuta do consórcio, que se constituirá de uma assembleia geral formada pelos chefes do Poder Executivo de cada um dos entes signatários e será presidida por um deles, sendo o representante legal do consórcio para todos os efeitos.

Além disso, ficou decidido que a parte executiva das ações comuns serão operacionalizadas por um conselho de administração composto por servidores dos seis entes participantes e um secretário executivo, que deverá buscar as melhores práticas de gestão pública e diferentes formas de viabilizar políticas públicas em parceria com o setor privado.

A grande finalidade do consórcio Brasil Central é possibilitar um novo modelo de gestão, dinâmico e visionário, que seja eficiente em realizar os fins sociais do poder público de maneira integrada e cooperada, com evidente ganho de escala e força política na implementação das ações programadas.

Na agropecuária, foi prevista a formulação de um modelo com a finalidade de ampliar a produtividade nas pequenas e médias propriedades, e, com o assessoramento técnico, contribuirá para o surgimento de uma nova classe média rural. Uma das propostas a serem estudadas é a uniformização das legislações estaduais e municipais, de modo que os pequenos produtores possam sair do mercado informal e assim expandir seus negócios com previsibilidade e segurança jurídica. Deliberou-se também pela criação de um cinturão fitossanitário regional e a fortalecimento da transferência de tecnologia para assistência técnica rural.

Em matéria de logística, haverá o desenvolvimento de um projeto de integração para a região com ações estratégicas para infraestrutura rodoviária, hidroviária, ferroviária e aeroviária. Para uma área geográfica tão grande quanto a do Brasil Central, é preciso que o fluxo de pessoas e bens seja cada vez mais célere.

No que se refere à industrialização, o Brasil Central contribuirá com a elaboração de políticas que proporcionem melhoria de instrumentos, técnicas e produtividade dos produtos agropecuários, além de outros modos de desenvolvimento industrial nos entes federativos associados, tais como o investimento em start ups, de modo a promover a superação do clássico modelo de industrialização brasileira, assentado em metalúrgica, veículos e bens duráveis de consumo. Será realizado um mapa de necessidades e oportunidades para investimentos produtivos do Brasil Central e para promover investimentos mediantes road show comum.

Em ciência e tecnologia, o Brasil Central se propõe parcerias com empresas de pesquisas com o objetivo de encontrar soluções inovadoras que se coadunem com as vocações produtivas dos estados associados e o apoio a incubadoras.

No empreendedorismo, o consórcio irá propor a utilização de recursos do FCO e FNO para investimentos destinados a participações empreendedoras como venture capital, aceleradoras e incubadoras de empresas, com a finalidade de aprimorar tecnologias que possam atender às exigências do mercado nacional e internacional. 

Para fomentar o turismo, será implementado um plano estratégico de modernização da infraestrutura logística.

Como não poderia deixar de constar, haverá um programa de meio ambiente sustentável para os entes federativos do consórcio, tais como o combate aos impactos do aquecimento global, o fortalecimento dos sistemas de recursos hídricos e a racionalização do processo de licenciamento ambiental.

E, finalmente, na educação, o Brasil Central atuará para o aprimoramento da educação básica e do ensino profissionalizante, de modo a capacitar os estudantes para se adequarem ao mercado de trabalho e atenderem suas exigências. Será criada a Rede Brasil Central de Educação, que contará com um centro avançado de formação de professores e outros profissionais pedagógicos e a implementação de um novo modelo educacional para as escolas da região.  

Superadas as questões jurídico-formais, os encontros realizados nos próximos fóruns (serão ainda mais três neste ano) têm como objetivo o debate sobre as possibilidades imediatas de ações comuns e a implementação dos projetos inicialmente previstos no Protocolo de Intenções assinado em Palmas. Esse instrumento, de acordo com a legislação sobre consórcios públicos, deverá ser devidamente aprovado pela Câmara Distrital do Distrito Federal e pelas Assembleias Legislativas de cada um dos estados envolvidos e, após a quarta ratificação feita pelos parlamentos estaduais, se converterá no contrato de consórcio público, documento estruturante desta associação pública, que será uma autarquia comum a todos os entes federativos.

Com a criação do Brasil Central, a cooperação entre os estados ganhará uma estrutura normativa que possibilitará o crescimento conjunto dos estados associados, de forma cada vez mais autônoma e de modo a proporcionar melhoria na qualidade de vida de sua população, além de contribuir para a economia nacional.  

Sem disfarçar certo entusiasmo, penso que por meio de ações como essas é possível acreditar nas possibilidades do federalismo cooperativo no Brasil, com um novo modelo de desenvolvimento a partir dos entes subnacionais, que possam avançar no combate às desigualdades regionais, superando nossa histórica dependência do paternalismo do governo central.


[1] Verificando a cooperação na Federação da Alemanha — que Häberle reconhece se estender a outras federações —, mostra-se uma necessidade de integração entre as Länder (unidades básicas federativas alemãs, equivalente ao estado federado no Brasil) com maior poderio econômico e maior desenvolvimento social e cultural, com as menos favorecidas, sobretudo após a reunificação em 1990, na qual estímulos financeiros eram necessários para equalizar o baixo nível de vida da população das recém-integradas Länder da antiga Alemanha Oriental ao melhor padrão dos habitantes da parte Ocidental. Segundo Häberle, essa situação política vivida na Alemanha demonstra os dois lados do federalismo cooperativo: pode, por um lado, contribuir para a garantia efetiva dos deveres do Estado social moderno sem levar a uma centralização. Por outro lado, limita a tendência de os estados competirem entre si.

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