Justiça Tributária

Imposto de Renda sobre Movimentação Financeira é sucessão de absurdos

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

21 de setembro de 2015, 8h00

Spacca
Inúmeras pessoas físicas sofreram autos de infração muitas vezes em valores absurdos, com base na lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que usou o nome de “Lei do Ajuste Fiscal”, mas de cuja ementa verifica-se que ela supostamente “dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências”.

Ou seja: trata de tanta coisa que não tem objeto claro e definido como veio a determinar a Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998. Nossos “governos” são tão criativos que se tornam capazes de fraudar lei que ainda não foi criada!

Desde a sua promulgação até a presente data, a Lei 9430 sofreu 27 alterações, a primeira pela Lei 9.481, de 13 de agosto de 1997, e a mais recente pela Lei 13.043, de 13 de novembro de 2014. Isso demonstra que não existe um mínimo de segurança jurídica para o contribuinte neste país, o que por certo pode levar o investidor a instalar-se em local onde as regras tributárias sejam mais estáveis.

O primeiro absurdo dessa lei foi pretender criar novo fato gerador para o Imposto de Renda, baseado apenas em presunção. Vejamos o que diz o seu artigo 42:

Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.”

Esse artigo está contido na Seção IV da norma, que trata especialmente das pessoas jurídicas. Eis aqui uma das suas primeiras confusões, na medida em que pretende impor às pessoas físicas regras a que não deveriam estar sujeitas.

O próprio Conselho Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda chegou a editar a Súmula 28, no seguinte sentido:

“Em apuração de acréscimo patrimonial a descoberto a partir de fluxo de caixa que confronta origens e aplicações de recursos, os saques ou transferências bancárias, quando não comprovada a destinação, efetividade da despesa, aplicação ou consumo, não podem lastrear lançamento fiscal”.

Já no Recurso Especial 11.351 , em que foi relator o ministro Pedro Acioli, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, embasando-se na Súmula 182 do antigo Tribunal Federal de Recursos que “é ilegítimo o lançamento do imposto de renda arbitrado com base apenas em extratos bancários”.

O Código Tributário Nacional vigora como Lei Complementar, colocando-se hierarquicamente logo abaixo da Constituição. Portanto, não pode ser alterado por lei ordinária. Neste caso permanece íntegra a redação do seu artigo 43, que define o fato gerador do Imposto de Renda como sendo a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica, conceitos  já consagrados em nosso direito  e pacificados por quatro décadas de sistemática interpretação.

No artigo 153 da Constituição atribui-se a competência da União para instituir o imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza.

Em parecer publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, (Vol. 137, pgs.108/117),  o professor Ives Gandra da Silva Martins preleciona que:

“Ao determinar o legislador que os proventos são acréscimos não compreendidos na renda, definiu que, tanto para o inciso I, quanto para o inciso II do artigo 43, o acréscimo patrimonial é que determina o que seja aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica e provoca a concretização da hipótese de imposição do imposto previsto no inciso III do artigo 153 da Constituição Federal. Sem acréscimo patrimonial não há, pela Constituição e pela lei complementar, – que define o fato gerador do imposto sobre a renda – renda ou provento tributável.”

Todavia, há casos de autos de infração lavrados contra contribuintes que tiveram seu patrimônio reduzido no exercício objeto dos depósitos ou operações financeiras apurados.

Tal forma de lançamento pode aumentar expressivamente daqui por diante e não será surpresa se o Fisco, obtendo os valores das movimentações financeiras, inclusive através de cartões de crédito, pretender exigir cópias de extratos bancários, comprovações e até mesmo a elaboração de “planilhas” pelos contribuintes, como subsídios para a ação fiscal.

Os extratos bancários não são documentos no sentido jurídico do termo, pois não criam direitos ou obrigações, posto que se destinam a simples conferência ou conciliação e assim pode qualquer valor nele contido sofrer alteração ou estorno.  Por isso mesmo, não estão os contribuintes obrigados a fornecê-los, como já examinamos em nossa coluna de 2 de maio de 2011 – clique aqui para ler . Já os demonstrativos de cartões de crédito são protegidos pelo direito à privacidade, não sendo o contribuinte obrigado à autoincriminação.

Essa discussão poderia ter sido encerrada na esfera administrativa, se as autoridades respeitassem suas próprias decisões colegiadas. Como tal não ocorre, multiplicam-se no país os litígios judiciais, cujos custos oneram o orçamento público de forma desproporcional ao seu benefício e servem para aumentar a insegurança jurídica e atemorizar investidores.

Tantas são essas questões que algumas já provocam a atuação do Supremo Tribunal Federal.  O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, na relatoria do Recurso Extraordinário 855649, em decisão aprovada pela unanimidade do Plenário Virtual, afirmou que:

“No tocante à constituição de créditos do Imposto de Renda, a controvérsia reclama o crivo do Supremo, presentes diversas situações nas quais os contribuintes sofreram lançamentos tributários do imposto federal com base, exclusivamente, em movimentações bancárias”.

Ficou, portanto, reconhecida a repercussão  geral da decisão que vier a ser adotada sobre a matéria, com o que devemos aguardar uma posição mais segura a respeito. Não podemos nos esquecer de que o Judiciário é o mais respeitável de todos os nossos poderes e se não pudéssemos confiar na Justiça voltaríamos à caverna.

Enquanto a questão não estiver definitivamente pacificada, cabe aos contribuintes defender-se tanto na esfera administrativa quanto na judicial. Quando ocorrer a pacificação, esperamos que a decisão seja amplamente respeitada. Certamente o Poder Judiciário saberá como fazer cumprir suas decisões. 

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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