Opinião

Aumentar as alíquotas do IRPF não garantirá maior progressividade

Autor

  • Carolina Mizuta

    é advogada membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná membro do Núcleo de Direito Tributário Aplicado da FGV Direito SP e aluna do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.

21 de setembro de 2015, 6h42

A recente proposta do Ministro Joaquim Levy de se aumentar as alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) tem caráter meramente arrecadatório, não sendo de todo verdadeiro o argumento de que esta medida serviria para melhorar a progressividade do tributo em questão. Com efeito, a arrecadação do IRPF passou por mudanças nos últimos anos que acabou por torná-lo progressivo apenas até uma determinada faixa de renda, de modo que especialmente os mais ricos acabaram livres desta tributação.

Aparentemente a tributação da renda das pessoas físicas, no Brasil, teria foco eminentemente progressivo, não incidindo sobre os mais pobres (isentos) e tributando mais pesadamente os mais ricos (com alíquotas maiores). Haveria, em tese, uma sintonia com a pirâmide social brasileira na forma de incidência destes tributos.

Todavia, um fenômeno que vem se intensificando a cada ano demonstra que esta conclusão é equivocada: trata-se da crescente existência de receitas declaradas pelas pessoas físicas mas não tributáveis pelo IRPF. Comparando-se as rendas auferidas não tributáveis declaradas em 2007 e em 2012, dentre as quais as rendas obtidas por meio de pessoas jurídicas, vê-se um aumento significativo. Em 2012, 38% do rendimento total declarado não se sujeitava ao IRPF, quando em 2007, esse percentual era de apenas 29%.

A questão a ser colocada é: para fins de análise da efetiva progressividade do IRPF, não basta analisar a incidência do imposto sobre as receitas tributáveis, também se mostrando importante verificar o volume de riquezas que fica de fora da exigência fiscal.

O verificado aumento do volume de receitas não tributáveis declaradas no IRPF decorre, em sua parte mais significativa, da crescente transfiguração do trabalho em capital. Neste aspecto, conforme bem salienta Piketty[1], as pessoas físicas com melhor remuneração têm transferido o exercício de suas atividades para pessoas jurídicas. Este fenômeno, mundialmente verificado, é mais acentuado no Brasil, especialmente em decorrência da alta tributação da renda assalariada.

Neste aspecto, José Roberto Afonso[2] analisa outros diversos dados extraídos das informações divulgadas pela Receita Federal do Brasil (RFB) que corroboram para a conclusão do referido economista Francês. Demonstra fatores como o da acumulação maior de bens em grupos de contribuintes que não necessariamente tenham obtido maior renda tributável, como o do aumento significativo na proporção de contribuintes empregados dentre aqueles que auferem renda tributável frente à diminuição da participação de profissionais liberais, dentre outros.

Este movimento, por permitir que muitas pessoas físicas, em especial as mais ricas, escapem da tributação pelo IRPF, é um fator de grande e importante distorção na progressividade do imposto. Assim, a existência de uma tabela progressiva de IRPF estaria se mostrando cada vez mais inefetiva para fins de se promover equidade, porque é falha a ideia de que os mais ricos estão atualmente sujeitos à alíquota de 27,5%, ou estariam sujeitos a uma futura alíquota de 35%. Modificar a tabela de incidência do IRPF — criando-se novas faixas de incidência com alíquotas cada vez maiores, portanto, não seria meio hábil para se tributar mais pesadamente os ricos, conforme vem sendo dito pelos defensores da medida.

A solução para a distorção verificada, evidentemente, mostra-se complexa e passa bem longe de medidas que visem mero aumento da arrecadação. A conclusão a que se chega para o tema posto em debate pode parecer lugar comum, qual seja, da necessidade de revisão geral do sistema tributário nacional. O fato de tantos debates chegarem a este mesmo final não pode decorrer de mera obra do acaso, mas sim da constatação de uma realidade inegável: o caso brasileiro não comporta mais simples aumentos de alíquotas ou de bases de tributação para correção de distorção. Não basta instituir isoladamente tributação sobre grandes fortunas, tributar mais as pessoas jurídicas ou os lucros recebidos pelas pessoas físicas.

Aumentar sobremaneira a tributação sobre a folha de salários, algo visto como solução por alguns, gerou distorção na arrecadação do IRPF. Aumentar sobremaneira a alíquota de IRPF gerou a fuga de rendimentos para as pessoas jurídicas. A solução, sem dúvida, está numa reforma sistêmica, que não pode prescindir de uma visão geral sobre todos os tributos e a realidade econômica do país.


1 – Piketty, Thomas. O Capital no Século XXI; tradução Monica Baumgarten de Bolle. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

2 – Em seu artigo “Imposto de Renda e Distribuição de Renda e Riqueza: As Estatísticas Fiscais e um Debate Premente no Brasil. Revista da Receita Federal: estudos de direito tributários e aduaneiros, Brasília – DF, v. 01, n.01. p. 28-60, ago/dez. 2014.

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