Direito comparado

Tribunal dos EUA vai decidir quão "sagrado" é o direito a um advogado

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18 de setembro de 2015, 13h45

O Tribunal Superior de Maine (EUA) vai decidir se anula o julgamento em que o juiz Thomas Warren cassou o direito constitucional do réu Joshua Nisbet a um advogado. Em abril de 2014, o juiz ordenou ao réu que fizesse a própria defesa. Ele o fez, contra sua vontade, e foi condenado a sete anos de prisão, segundo o Portland Press Herald e o jornal da ABA (American Bar Association).

Nos EUA, o réu pode renunciar a seu “direito sagrado”, como os americanos se referem ao direito constitucional do réu a um advogado. Nesse caso, porém, o réu não só não renunciou a seu direito, como insistiu, tanto quanto foi possível, que não queria fazer a própria defesa no processo em que foi julgado por roubo.

O juiz, no entanto, já havia perdido a paciência com Nisbet, por causa de seu comportamento “não cooperativo” com cinco advogados que foram indicados pela corte para defendê-lo. Na verdade, ele chegou a ameaçar o quarto e o quinto advogados. Por isso, o juiz declarou que ele perdeu o direito que lhe é garantido pela Sexta Emenda da Constituição dos EUA.  

Em seu julgamento, o juiz indicou dois advogados de plantão (standby lawyers) para dar alguma ajuda a Nisbet. Porém, os advogados não podiam fazer nada, além de cochichar algumas sugestões em seu ouvido. O réu teve de fazer as alegações iniciais e finais, apresentar provas e inquirir as testemunhas.No entanto, ele só inquiriu a própria mãe e abriu mão de inquirir, por exemplo, o policial que testemunhou contra ele.

Direitos do réu
Na verdade, a Constituição dos EUA prevê “cinco direitos distintos” do réu: o direito a um advogado de sua escolha, o direito a um advogado apontado pela corte (se não tiver recursos para contratar um advogado), o direito de se representado por um advogado livre de conflitos de interesse (nesse caso o juiz pode interferir), o direito a uma assistência jurídica eficaz (significando que um réu pode anular uma condenação se provar que sua defesa foi ineficaz) e o direito de representar a si mesmo (pro se — nesse caso, ele tem de expressamente renunciar a seu direito a um advogado).

De acordo com o site FindLaw, o direito a um advogado vale para a fase de interrogatórios de uma investigação criminal, pré-julgamento, para todas as etapas do julgamento, para a sessão de pronúncia da sentença e, no caso de ser condenado, pelo menos a um recurso inicial contra a condenação.

No caso de qualquer pessoa presa nos EUA, mesmo estrangeiros, ela tem a garantia de algumas proteções legais, que incluem os seguintes direitos:

  • um julgamento em tribunal do júri (na maioria dos casos);
  • apresentação aos jurados de todas as provas e todas as testemunhas;
  • presença no julgamento e enquanto o júri estiver ouvindo o caso;
  • a oportunidade de ver, ouvir e confrontar as testemunhas que depõem contra ele;
  • a oportunidade de chamar testemunhas e de fazer o tribunal intimar testemunhas, para obrigá-las a comparecer;
  • a chance de ela mesma testemunhar em seu favor;
  • a opção de se recusar a testemunhar;
  • acesso a um advogado criminalista, a um defensor público ou advogado indicado pela corte, para atuar antes, durante e após o julgamento;
  • o direito de fazer a inquirição cruzada de testemunhas da acusação;
  • o direito de obrigar o estado (ou Promotoria) a provar seu caso contra ele além de qualquer dúvida razoável.

No entanto, há exceções. Por exemplo, o réu não tem direito constitucional a um advogado se a possível condenação não envolver uma sentença de prisão. Ou se não puder ser sentenciado a mais de um ano de prisão — mesmo que a condenação possa ser usada mais tarde como um agravante em um novo processo.

No caso de condenação com suspensão condicional da pena, qualquer violação das condições estabelecidas poderá suprimir seu direito a um advogado, mesmo que isso resulte em prisão, mas cada caso será examinado separadamente pela corte.

Argumentos frívolos
O réu também não tem direito a um advogado para apresentar “argumentos frívolos”, em recursos diretos, nem para apresentar quaisquer argumentos em pedidos de Habeas Corpus ou outro recurso colateral, mesmo em caso de execução.

A Sexta Emenda da Constituição também não prevê direito a um advogado em ações civis. Isso inclui casos de deportação de imigrantes, em que, na maioria das vezes, o processo de deportação é consequência de um processo criminal.

No caso de pessoas que não pagam pensão alimentícia, a Suprema Corte dos EUA já determinou que também elas não têm direito a um advogado, mesmo que a pena seja a prisão. Porém, para isso, é preciso comprovar que: 1) a pessoa tem condições de pagar a pensão, mas se recusa a fazê-lo; 2) a matéria não é “excepcionalmente complexa”; 3) o autor da ação não é o governo nem é representado por um advogado.

Joshua Nisbet aprendeu a lição e, agora, é representado pela advogada Jamesa Drake, professora adjunta na Faculdade de Direito da Universidade de Maine. Na petição protocolada no tribunal superior, ela pede aos ministros para responder a uma simples pergunta: o juiz de primeiro grau pode ou não obrigar o réu a se defender no julgamento, sem um advogado?

Ela afirma que o juiz não pode fazer isso, porque o direito a um advogado é o que garante ao réu todos os demais direitos previstos na Constituição e nas leis. Além do mais, o réu jamais renunciou a seu direito a um advogado.

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