Opinião

Possibilidade de reembolso de honorários contratuais não é pacífico

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18 de setembro de 2015, 7h39

Imagine o leitor o caso de um compromisso de compra e venda quitado, no qual o vendedor, tendo já recebido integralmente o preço, se recuse a outorgar a escritura, sem qualquer motivo minimamente plausível. Até 2002, o comprador era obrigado a requerer judicialmente a adjudicação compulsória do imóvel. Arcava, ainda, com os honorários advocatícios contratuais, nunca reembolsados.

Com o advento do novo Código Civil (CC), a possibilidade de reembolso vem prevista, de forma expressa, nos artigos 389, 395 e 404, que tratam de casos de descumprimento de obrigação pelo devedor, e nos artigos 927 e 944, caput, que cuidam dos casos de responsabilidade extracontratual. Em qualquer das hipóteses, a obrigação decorre da prática de ato ilícito, previsto no artigo 186 do diploma.

Entretanto, a possibilidade de reembolso não é pacífica. Alguns juízes e tribunais passaram a admiti-la. Outros não.

No julgamento do REsp 1.134.725-MG,  o Superior Tribunal de Justiça havia ratificado esse entendimento. A relatora do caso, Nancy Andrighi, valeu-se dos citados artigos 389, 395 e 404 do CC, acrescentando, ainda, que como honorários contratuais retirados do patrimônio da parte lesada, a reparação integral do dano só ocorreria se tais honorários também fossem reembolsados, prestigiando-se os princípios da restituição integral, da equidade e da justiça.

Ocorre que o mesmo STJ alterou tal entendimento no julgamento do REsp 1.155.527-MG, afastando o direito da parte à restituição desses honorários contratados.

Extraem-se do voto-vista proferido pela própria ministra Nancy os fundamentos para tal mudança de posicionamento:

(a) o exercício do direito de ação ou defesa não poderia ser considerado um ato ilícito, mas antes um direito constitucional da parte, não ensejando, pois, o dever de reparação dos prejuízos dele decorrentes;

(b) ao admitir-se o posicionamento anterior, dever-se-ia permitir ao réu vencedor, por reciprocidade, exigir os honorários contratuais pagos ao seu defensor, o que não pode ser admitido, visto que nesse caso o autor, justamente por estar apenas exercendo legítimo direito de ação, não teria “praticado nenhum ato ilícito capaz de dar ensejo a esse dever de indenizar”;

(c) a possibilidade de indenização dos honorários, nos moldes insertos nos artigos 389, 395 e 404 do CC, decorreria do inadimplemento de uma obrigação, não atingindo, destarte, as hipóteses de responsabilidade extracontratual;

(d) os honorários contratuais somente seriam devidos para a atuação do advogado em âmbito extrajudicial, porquanto a esfera judicial possui mecanismo próprio de responsabilização, os chamados honorários de sucumbência;

(e) os honorários contratuais não poderiam ser judicialmente exigidos porque convencionados entre a parte e seu advogado, não podendo, assim, vincular terceiros, alheios a referido ajuste[1].  

Há, porém, fortes argumentos contrários a essas razões.

O fato de o direito de ação ou de defesa serem constitucionalmente tutelados não torna a parte vencida imune à responsabilização pelos prejuízos causados à parte contrária, ao pressuposto de que (i) o litigante perdedor acaba praticando ato ilícito ao requerer o que não lhe era devido, ou então (ii) resistindo à justa pretensão da parte contrária, assumindo, em ambos os casos, os riscos advindos de seu ato, entre eles o dever de reparar a parte adversa por todos os prejuízos daí decorrentes.

Há, aqui, duas orientações diferentes, decorrentes de diferentes ideias a respeito da noção de ato ilícito. No segundo caso, havendo acolhimento da demanda, há um pressuposto de que houve um ilícito original, contratual ou extracontratual, reconhecido judicialmente, e cuja resistência obrigou o credor a ingressar em juízo, gerando assim a responsabilidade à indenização integral.

Já no primeiro caso, se a demanda não é acolhida, obviamente não há de se falar em reconhecimento de um ato ilícito original, mas não deixará de haver ao menos ato abusivo, visto que o litigante pleiteou o que não lhe era devido.

Nelson Nery Junior, ao afirmar não haver “direito absoluto no ordenamento brasileiro”, distingue ato abusivo de ato ilícito puro, afirmando que o abuso de direito não requer comprovação de dolo ou culpa, dado o caráter objetivo de sua existência. 

Para tal jurista, “cada indivíduo tem a escolha de exercer ou não determinada condição que a norma lhe permita. Mesmo amparado pela norma, àquele que ao exercer um direito subjetivo regular (aparência de legal) assim o faz desviando da finalidade social e econômica da norma (desvio de finalidade), acaba por cometer um abuso (uso anormal), tornando o que antes era lícito em ilícito.”[2]

Segundo Jorge Americano, “quem tem demanda usa do seu direito e assim, não causa dano a ninguém, é esquecer que o litigante tem um adversário e que este, quando assistido por um direito, deve estar coberto de quais quer ataques injustos. São os incômodos, a diminuição patrimonial causada pelo contrato de honorários, a produção de provas difíceis e custosas, o abandono de negócios urgentes, que perecem para atender as necessidades da demanda, enfim, a repercussão material mais ou menos intensa, além do dano moral, que só em parte serão reparados na sentença.”[3]

Neste sentido, interessante acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo:[4]

“O ônus de arcar com os honorários contratuais é, portanto, do cliente, e somente passa a ser da parte contrária quando resistir de maneira injustificada à pretensão perante o juízo, ou quando ajuizar ação infundada, independentemente da boa-fé. É certo que o direito de ação não é, per si, um ilícito. Mas, com a sucumbência, tem-se que, objetivamente — ou seja, independentemente do elemento subjetivo — a parte abusou desse direito, fazendo-se necessário indenizar os danos decorrentes dessa conduta, dentre os quais, os honorários do advogado arcados pela parte vencedora.” [5]

De qualquer forma e ainda que não se estivesse diante de um ato ilícito e sim de um ato lícito, haveria a obrigação de reparação integral, pois decorre de expressa previsão legal[6].

Se concluirmos que o direito de ação pode gerar o dever de indenizar, a tese da “falta de reciprocidade” também não se sustenta, podendo o vencedor, se réu na demanda, se valer de vários mecanismos processuais para buscar a reparação dos honorários contratados: a reconvenção, o pedido contraposto ou mesmo uma ação autônoma.

Já a previsão legal de honorários sucumbenciais não torna a condenação aos honorários contratuais num bis in idem, vez que, por expressa previsão legal, a sucumbência é convertida em favor do advogado, não da parte. Não se justifica, também, o argumento de que as previsões dos artigos 389, 395 e 404 do CC dizem respeito apenas à atuação extrajudicial do advogado, vez que é justamente em juízo que os custos com honorários são mais pesados, e a presença do advogado é obrigatória.

Registre-se que a reparação pelos honorários contratuais despendidos pela parte vencedora parece atender melhor ao princípio da equidade e aos acima citados  dispositivos legais, além de que, muito provavelmente, servirá, de forma reflexa, de fator inibidor a medidas judicias abusivas ou meramente procrastinatórias, o que atenderia à política de melhor eficiência do Poder Judiciário.

Esse direito, por outro lado, não pode ser motivo de abusividade, devendo o juiz aquilatar a razoabilidade dos valores pactuados, reduzindo-os, se necessário for. Deve-se, neste caso, utilizar os parâmetros contidos na Tabela de Honorários da própria OAB, visando a fixação de um valor apropriado.

Por fim, se a procedência (ou improcedência) do pedido for apenas parcial, tais honorários devem igual e proporcionalmente ser reduzidos, da mesma forma como ocorre no caso dos honorários de sucumbência.


[1] TJSP, Apelação 0000086-31.2010.8.26.0095, 35ª Câmara de Direito Privado, Rel. José MALERBI. Julg. 26/08/2013, votação não unânime.

[2] NERY Jr. Nelson. Código Civil Comentado. 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p.391.

[3] AMERICANO, Jorge. Do Abuso do Direito no Exercício da Demanda – Ed. Acadêmica – 2ª. ed. pag. 50

[4] Ap.0004681-84.2011.8.26.0565–Rel Hugo CREPALDI

[5] No mesmo sentido e citado em referido acórdão, NOGUEIRA, Antonio de Pádua S. Honorários advocatícios extrajudiciais. Revista Forense 402, março/abril 2009

[6] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª. ed. São Paulo: Editora RT, 2004, p. 158/159.

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