Ação anulatória

Só são garantidas a indígenas terras ocupadas por eles em outubro de 1988

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10 de setembro de 2015, 13h38

A portaria do Ministério da Justiça que declarou a posse permanente do grupo indígena Guarani Chiripá e Mbya na chamada Terra Indígena Mato Preto, localizada nos municípios gaúchos de Erebango, Erechim e Getúlio Vargas não está em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Por isso, a 1ª Vara Federal de Erechim julgou procedente a Ação Anulatória de um grupo de agricultores, que se insurgiu contra a desocupação de 4,2 mil hectares reivindicados pelos índios e com o apoio da União.

Na sentença, assinada na quarta-feira (9/9) pelo juiz-substituto Joel Luís Borsuk, citou o artigo 231 da Constituição, que assegura aos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Ponderou, entretanto, que, nos balizamentos estabelecidos pelo STF em 2009, por ocasião do caso Raposa Serra do Sol, o conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” só abrange as terras ocupadas por índios quando da promulgação da Constituição de 1988. Portanto, áreas de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas em passado remoto, não são protegidos pelo dispositivo constitucional.

Borsuk observou que a atual ocupação dos índios da etnia guarani, na região de Mato Preto, iniciou no mês de setembro de 2003, a partir de um ‘‘acampamento de retomada’’, localizado numa área pública às margens da rodovia RS-135 e do leito da ferrovia Santa Maria-Marcelino Ramos. ‘‘Controvertem as partes a respeito apenas quanto ao conceito que deve prevalecer acerca do que seja ocupação tradicional indígena. Ou seja, as suas implicações com a ocupação passada da área e/ou a existência de esbulho renitente por parte de não índios – e neste caso o seu conceito, existência no caso concreto e até quando teria perdurado”, pontuou na sentença.

Segundo o juiz, pela memória oral dos indígenas coletada no processo administrativo e pela documentação histórica juntada aos autos, é possível determinar que houve a criação formal, por parte do estado do Rio Grande do Sul, de uma área destinada aos guaranis com 223.635 hectares na década de 1920. Na ocasião, a Floresta de Mato Preto foi dividida em três polígonos, dos quais dois se destinariam à colonização e um terceiro reservado aos índios.

Em período anterior, entretanto, discorreu, não foram encontrados documentos que referendassem a presença da etnia no local. “Em mapa de 1910 da planta da Colônia Erechim, juntada pelos autores, é possível observar a área reservada para a Floresta Protetora de Mato Preto, que depois, em 1928, seria discriminada e parte da área destinada aos índios guaranis. Na referida planta de 1910, é possível observar que já existia a referência ao Toldo Ventarra dos índios kaingang, mas nenhuma referência à presença de índios guaranis”.  Esclareceu que a ocupação teria perdurado desde os anos de 1920 até meados da década de 1930, quando os guaranis deixaram a região.

Na sua visão, ainda que se admita a possibilidade de esbulho renitente por parte de não-índios até a desocupação completa da área pelos indígenas, fica claro que, na data da promulgação da Constituição, não havia qualquer conflito possessório, esbulho renitente de não-índios ou obstinação dos indígenas na busca da retomada das terras. ‘‘Portanto, no caso concreto, não se verifica ocupação tradicional dos índios guaranis na região de Mato Preto ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988 (05/10/1988), sempre devendo ser salientado que o STF não compreende a palavra ‘tradicionalmente’ como posse imemorial”, fulminou.

O processo
Em novembro de 2012, 108 produtores rurais residentes na região afetada ajuizaram ação ordinária contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União, pleiteando a declaração de nulidade do ato normativo editado pelo Ministério da Justiça. De acordo com os autores, em torno de 300 famílias detentoras do domínio e da posse de imóveis rurais estão na iminência de ser removidas para dar lugar ao grupo indígena Chiripá e Mbya, composto por aproximadamente indivíduos. Conforme alegaram, suas propriedades são exploradas em regime de agricultura familiar, constituindo-se na única fonte de sustento.

A Funai contestou, destacando que o procedimento de identificação e delimitação da Terra Indígena de Mato Preto seguiu todas as etapas estipuladas no Decreto 1.775/96, comprovando a tradicionalidade da área. Discorreu, ainda, sobre as características da ocupação e posse da terra pelos indígenas baseada na teoria do indigenato, argumentando se tratar de um direito originário que não decorreria de nenhum outro e de nenhuma situação fática que não a própria história dos índios no Brasil.

Atuando como interessado, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu que as definições de ocupação tradicional ou do que seria necessário ou não para a sobrevivência física e cultural da comunidade indígena deveriam ser realizadas por aqueles que a integram. Ressaltou que a relação do silvícola com a terra não possui natureza puramente econômica, mas existencial, adotando um caráter de direito identitário, integrante do conceito de dignidade humana. Com informações da Assessoria de Imprensa da Justiça Federal do RS.

Clique aqui para ler a sentença.

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