Abandono afetivo

Filho perde ação ao não comprovar que sofreu danos com ausência do pai

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5 de setembro de 2015, 16h44

O abandono afetivo dos pais não é suficiente para gerar o dever de reparar — é preciso provar que a ausência trouxe reais prejuízos à formação do indivíduo. Foi o que afirmou a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao julgar improcedente um recurso proposto por um homem que pedia indenização do pai. Na avaliação do colegiado, o autor não comprovou ter sofrido qualquer sequela resultante da omissão.

Segundo a relatora do caso, desembargadora Elisabete Filizzola, a jurisprudência tem admitido a possibilidade de reparação nos casos de abandono afetivo, porém somente quando se verificam danos aos direitos tuteláveis dos filhos.

Neste sentido, ela citou o Recurso Especial 1.159.242, relatado pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça. Referência jurisprudencial sobre esse tema, o julgado não discutiu “o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas gerarem ou adotarem filhos”.

Segundo a desembargadora, a ministra ressaltou, no julgamento ocorrido em 2012, que, “estabelecida a assertiva de que a negligência em relação ao dever de cuidado é ilícito civil, importa, para a caracterização do dever de indenizar, estabelecer a existência de dano e do necessário nexo causal”. E que a forma simples de verificar a ocorrência desses elementos é a existência de laudo formulado por especialista, que aponte a existência de uma determinada patologia psicológica e a vincule, no todo ou em parte, ao descuidado por parte de um dos pais. Na avaliação de Elisabete, isso não ocorreu no recurso que relatou.

Segundo informações do processo, o autor buscou a Justiça após completar 21 anos. Na ação, ele alegou que perdeu a mãe quando tinha seis anos de idade e que, desde então, ficou sem amparo afetivo por parte dos genitores, uma vez que diante da tragédia, jamais fora procurado pelo pai. O autor contou que o genitor cumpriu com a obrigação alimentar “apenas para evitar a prisão civil”, mas que no ano de 2011, o réu o procurou a fim de se eximir dessa responsabilidade.

A primeira instância negou o dano moral, após as testemunhas sugeridas pelo autor não comparecerem à audiência na qual deveriam confirmar as alegações dele. O rapaz, então, recorreu. Mas para a relatora do recurso, o depoimento dele “é pouco, principalmente por não discorrer adequadamente sobre um dos elementos fundamentais da responsabilidade civil: o dano decorrente da alegada omissão do réu”.

“É bem verdade que a demonstração da simples ausência paterna […] não chegaria a ser fundamental ao deslinde da controvérsia, afinal, o próprio réu admite não ter mantido contato com seu filho ao longo de sua criação, muito embora atribuindo o fato a fatores alheios à sua vontade. O que, na verdade, não dispensava cabal demonstração era mesmo o dano alegadamente suportado pelo autor. Como já referido, não é suficiente à responsabilização civil do genitor o só fato de ter sido ‘ausente’ na criação de sua prole, se dessa ‘ausência’ não resultaram quaisquer sequelas psicológicas à formação humana do indivíduo ou mesmo outras eventuais circunstâncias negativas à sua vida atual. Tais sequelas consubstanciam o verdadeiro dano, elemento da responsabilidade civil sem o qual ela não existe”, afirmou.

Para a desembargadora, aceitar a tese de que a simples omissão do genitor no cuidado com seus descendentes acarreta automaticamente na responsabilização civil pode elevar o clima de intranquilidade social e jurídica. De acordo com Elisabete, são inúmeros os exemplos de filhos, “a despeito de absoluta ausência de amparo afetivo de um dos genitores”, que cresceram e se formaram como seres humanos “perfeitos, equilibrados e imunes a quaisquer distúrbios de ordem psíquica” motivados pela ausência paterna. A decisão foi unânime. 

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