Opinião

Delação premiada vem sendo fervorosamente aplicada no Brasil

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4 de setembro de 2015, 6h21

É inegável que a legislação processual penal brasileira passou a contar com uma serie de inovações formais, que trouxeram um maior grau de efervescência junto às discussões promovidas pela comunidade jurídica. O próprio instituto da delação premiada é flagrante exemplo disto.

A delação premiada (ou colaboração premiada, pois serão utilizadas neste escrito estas perífrases como sinônimos) restou firmada pela Lei 12.850/2013, a qual define a organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, além de dar outras providências. Em sendo assim, é no seio da obtenção da prova que emerge o instituto da colaboração premiada.

Críticas à delação
Por certo, não faltam críticas à delação premiada, principalmente por autores festejados e que não a aceitam no ambiente do direito processual penal. Diversos argumentos, bem esclarecidos e dotados de razoáveis fundamentos, são traçados para repelir a colaboração premiada, como a coerente alegação de que se trata de um abjeto incentivo do Estado, que estimula a manifestação imoral, maculada pelo egoísmo e caracterizada pela traição entre as pessoas. A oficialização do indecoroso incentivo para produção de provas, através de ato eticamente contestável, mesmo que dentro da seara marginal do sistema social, promovida pelo Estado, que deseja ser chamado de Democrático de Direito, não passa de escabrosa medida que enaltece e estimula mercenários interesses egoístas. Um acordo entre o Estado e o criminoso, em que se negocia o puro Direito com a moeda conspurcada pelo ilícito, em que o prêmio é a melhor traição, não pode ser homologado pela justiça.

Outrossim, existem aqueles que reclamam que a delação premiada ofende as garantias do réu, pois afasta a ampla defesa, o contraditório e a publicidade probatória, já que acertos precoces ao acordo são firmados na sombra do sigilo, em pré-negociações desconhecidas, como também desconhecidos os interesses envolventes. Para outros, também é cristalina a violação do tão sagrado princípio da igualdade e do critério da proporcionalidade que asseguram aos réus que a mesma culpa determinará semelhantes sanções. No caso da colaboração premiada, beneficia-se o delator, através da mitigação da pena, mesmo quando este possui igual ou maior culpabilidade no evento criminoso.

E no âmbito do expediente investigatório, também alinham-se críticas no sentido de que as facilidades que as delações premiadas ofertam a apuração criminal estimulam à negligência das obrigações de ofício das autoridades que, contrariando seus deveres funcionais, através da colaboração, são instigadas a omissões e a diminutos esforços investigativos.

Em favor da delação premiada
Por certo, poderíamos seguir em frente, arrolando outras sensíveis razões para atacar o instituto que se aproveita da traição para premiar o criminoso. Porém, em linha diametralmente oposta, seguem aqueles favoráveis à delação premiada. Com argumentos que ilustram o aspecto subjetivo, em face da possibilidade de arrependimento da pessoa frente ao mal causado e a pretensão de recuperar os mais preciosos valores humanos atinentes ao pesar, surgem aqueles que defendem a delação premiada, glorificando-a. Há, nesta linha, inclusive o entendimento do próprio caráter de penitência, pois a colaboração, por si só, traz diversas repercussões negativas ao delator, sejam no âmbito moral, social, patrimonial entre outros, razão que deve ser bem oportunizada, já que apresenta carga de reprimenda. Daí que o prêmio se revelaria como um catalisador junto à pena.

Também, existe o forte consenso entre os favoráveis à delação premiada de que esta instituição busca salvaguardar bens jurídicos dignos de tutela penal, o que é algo de extraordinário interesse à sociedade, já que permite a resolução de delitos, sua prevenção e, em muitos casos, a própria recuperação do produto ou proveito ilícito. Nestas condições, torna-se natural à lógica de colaboração com a justiça atual, principalmente quando se defende um processo penal não anacrônico e capaz de enfrentar as sofisticadas técnicas de criminalidade, tão comuns nos dias de hoje em face das audaciosas técnicas das organizações criminosas contemporâneas.

E, com relação ao aspecto constitucional, seguem entendimentos de que se de um lado o indivíduo tem o direito de permanecer em silêncio, já que a lei não o obriga a falar, sequer se auto-incriminar ou incriminar alguém, de outro lado existe o direito de falar voluntariamente, acusar outrem e até se auto-incriminar. Neste aspecto, é de se lembrar a própria confissão, que há muitos anos faz parte do cenário da política criminal, e que acolhe também a auto-incriminação ou incriminação de terceiros.

Afinidades legais da delação premiada
Entrementes, seja qual for o entendimento sobre a delação premiada é possível se afirmar que a mesma não pode ser considerada uma instituição de todo alienígena ao direito e estranha ao ninhal do sistema probatório processual penal. É que a mesma apresenta afinidades com os já admitidos institutos de cooperação, há muito tempo arraigados no cenário jurídico e procedimental penal brasileiro.

Tanto que a Lei 7.492 de 1986 (crimes contra o Sistema Financeiro Nacional) já prescrevia a redução de pena de um a dois terços em face da confissão espontânea da trama delituosa, sendo que mesma redução já era prevista na Lei 8.137 de 1990 (crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), bem como para a Lei 8.072, também de 1990 (crimes hediondos e equiparados), quando a confissão facilitasse a libertação do sequestrado ou o desmantelamento da estrutura criminosa. Outrossim, a Lei 9.034 de 1995 (Organizações Criminosas), ora revogada, já reduzia a pena nos casos de colaboração espontânea e que levasse ao esclarecimento do crime e autoria, sendo que a Lei 9.613 de 1998 (Lavagem de dinheiro), por sua vez, admitia a mesma redução, com cumprimento em regime aberto ou semi-aberto ou substituição por restritiva de direitos, nos casos que conduzisse, ainda, a identificação dos criminosos, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Já a Lei 9.807 de 1999 (proteção a testemunhas) seguiu com a redução de um a dois terços e mais oferta de extinção da punibilidade, em face da colaboração efetiva e voluntária e que resultasse na identificação dos criminosos, localização da vítima com integridade física preservada e na recuperação do produto do crime. Também tal redução se observou com a Lei 11.343 de 2006 (drogas e afins) em face da confissão voluntária, com a identificação dos criminosos e recuperação do resultado do crime.

Assim sendo a Lei 12.850 de 2013, e que regra a delação premiada, com concessão de perdão judicial, redução em até dois terços da pena ou substituição por restritiva de direitos, frente a colaboração efetiva e voluntária, não é algo extravagante e tampouco incompatível com a natureza legal até então produzida no âmbito processual penal. Ao contrário, possui parentesco próximo com a lei e o espírito vigentes.

A utilização da delação premiada atualmente
Ocorre que a par das incisivas e agudas manifestações, seja a favor ou contra a delação premiada, bem como à atmosfera legal que lhe dá acolhida, o fato é que este instituto se mantém firme em nosso ordenamento jurídico. E a realidade atual revela que vem sendo fervorosamente aplicado no âmbito das investigações criminais e processos penais, com uma tendência de melhor sofisticação.

Veja-se que o prêmio existente com a colaboração tornou-se um atrativo demasiadamente interessante aos acusados em expedientes com poucas expectativas favoráveis. Assim, não é por outra razão que os profissionais do ramo do direito assistem a cada dia, mais e mais firmamentos de acordos de delação premiada, inclusive com réus que sempre se mostraram radicalmente contra a instituição. E, apesar de existirem acusados ainda arredios, muitos deles sucumbem à colaboração, passando a possuir uma visão resignada, quando o mundo vivido apresenta graves acusações criminais e a delação premiada passa a ser uma conveniente alternativa processual para aliviar os males consistentes em futuros amaldiçoados. E basta se observar a quantidade expressiva de colaborações atualmente existentes, para se perceber que muitas indignações foram substituídas pela esperança de um porvir melhor.

A lógica da delação premiada
É importante se destacar que a delação premiada não pode ser confundida com a confissão, ou seja, mera assunção do crime, em que alguém faz revelação de um ato censurável que cometeu para terceiros. A bem da verdade, a cooperação se trata de uma forma de colheita de elementos probatórios, tanto que a Lei 12.850/2013 refere no artigo 3º  que em qualquer fase da persecução penal, será permitida a colaboração premiada como meio de obtenção de prova. Assim, é possível se visualizar que se está à frente de uma legalizada colheita probatória, inserida no plano legal jurídico.

Ocorre que a delação premiada, como meio de obtenção de prova traz um prêmio, que só se fará viável de ser conquistado, quando presente determinados resultados. Veja-se que o artigo 4º da aludida lei, refere que o juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos do colaborador efetivo e voluntário, desde que desta colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Nesta senda, só se admitirá o prêmio quando ocorrer a identificação dos agentes, esclarecimento da organização delituosa, frustração de delitos consequentes, recuperação do produto do crime ou seu proveito e/ou nos casos da localização da vítima em regulares condições físicas. Por esta razão, por mais que queira o acusado explorar o instituto da Delação Premiada é essencial que sua voluntariedade esteja vinculada as manifestações que tragam límpidos e cristalinos resultados úteis ao ambiente formal criminal, pois a boa vontade ou a bela palavra não terão repercussões no ambiente legal.

Prêmio sem resultado da colaboração
Muito já se discutiu sobre a questão da perversa relação existente entre a colaboração voluntária perfeita e o defeituoso exercício das autoridades. Isto ocorre sempre que o delinquente assume o papel de colaborador, prestando uma cooperação efetiva, a qual não vem acompanhada do útil resultado, em face da ineficiente ação funcional. E, como se sabe, notícias sobre a inábil atividade da máquina administrativa pública não são novidades no Estado brasileiro.

Destarte, nestes casos, em que a responsabilidade pela carência dos resultados é exclusiva da máquina pública investigativa, é de se entender em premiar o delator, mesmo sem a emersão dos resultados previstos em lei. E não poderia ser diferente, pois quem não deu causa ao inadimplemento não pode ser ainda mais prejudicado.

Enfim
A delação premiada, meio de obtenção de prova trazida pelo legiferante, tornou-se mais um dos instrumentos jurídicos a serem explorados no cenário processual penal. E a par das saborosas e entusiasmadas discussões ocorrentes, é inegável a existência de uma já consolidada prática jurídica que, ao que se revela, tende a ser cultivada cada vez mais.

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