Opinião

Cláusula de não concorrência em contrato de trabalho ainda gera divergências

Autor

  • Fernando Lima Bosi

    é advogado trabalhista do escritório Rayes & Fagundes Advogado Associados. Mestre em Direito do Trabalho pela USP especialista em Direito do Trabalho pela USP e Especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

30 de outubro de 2015, 7h40

A cláusula de não concorrência, também regularmente denominada como cláusula de proibição negocial de não concorrência, ou ainda de cláusula de não restabelecimento denota a ideia de abstenção do empregado em ativar-se por conta própria ou para outro empregador em atividade igual ou correlata à desenvolvida anteriormente por determinado período de tempo. No Brasil, pela falta de disposição legal que autorize a aplicação da cláusula nos contratos de trabalho, a doutrina e a jurisprudência brasileira divergem quanto sua aplicação.

Atualmente a cláusula de não concorrência é realidade em muitos países. Entre eles, Portugal e França. E considerando que pelo artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, o direito comparado é aplicável ao Direito do Trabalho, quando as normas internas não satisfazem a controvérsia instituída podemos entender que tais cláusulas são aplicáveis ao direito brasileiro.

Para evitar que determinado processo, produto ou método de produção não se torne de conhecimento público é necessário de alguma forma protegê-lo. A relação decorrente do contrato de trabalho permite que o empregado conheça assuntos ou informações de desconhecimento do público em geral e, em especial, dos concorrentes do empregador.

As cláusulas restritivas de liberdade podem ser a de não concorrência; de não solicitação; de confidencialidade; de permanência e de clawbackstock options. Cada uma tem suas características próprias.

A cláusula de não solicitação possui objeto mais restrito que a cláusula de não concorrência. Consiste na proibição de ex-empregado manter contato com clientes de seu antigo empregador, por determinado período, visando aliciá-los para negócio próprio no mesmo segmento ou para concorrente.

As cláusulas de confidencialidade configuram a obrigação de não revelar dados confidenciais durante a vigência do contrato e após.

São requisitos essenciais para a configuração dessa obrigação: a descrição do que são consideradas informações confidenciais; o período no qual o empregado obriga a não revelar as informações; e a declaração de que os dados e informações protegidas serão utilizados única e exclusivamente em proveito do empregador.

Já as cláusulas de permanência condicionam a liberdade de o trabalhador rescindir seu contrato de trabalho, à exceção da justa causa do empregador, durante certo período. Essa pactuação remonta a necessidade de uma contrapartida, usualmente traduzida em cursos de complementação profissional.

Além disso, entende-se por clawback a variação da cláusula de não concorrência inserida nos planos de stock options ou em outros planos de distribuição de ações aos empregados. A possibilidade de reversão dos benefícios distribuídos ao empregado pela empresa ou o pagamento de valores equivalentes ocorre em algumas situações em que a empresa é lesada por ato do empregado. Entre as situações estão: exercer atividades que representem concorrência às atividades da empresa; aliciar empregados ou clientes do empregador; difamar, injuriar, atingir de alguma forma a fama do empregador, importando em depreciação do nome ou patrimônio e violar sigilo e dados confidenciais do empregador.

O prazo estipulado nessas cláusulas varia de seis meses a dois anos a contar da data do exercício da stock option ou do programa de ações, ou da rescisão contratual. São efetivas cláusulas de não concorrência, embora não sejam diretamente inseridas no contrato de trabalho.      Essa cláusula é cada vez mais comum em multinacionais e os tribunais internacionais, principalmente a justiça norte americana tem conferido validade a ela, exigindo de empregados que violem alguma das normas acima elencadas a devolução do valor relativo aos benefícios concedidos com o programa de distribuições de ações.

A cláusula de não concorrência é a instituição de uma obrigação de não fazer dentro do contrato de trabalho. A característica principal da obrigação de não concorrência é o tempo em que ela é exequível. Por força do artigo 482 da CLT, a não concorrência já é exequível durante o contrato de trabalho. Após o término da relação de emprego, a obrigação se traduz de forma negativa, ou seja, uma obrigação contratada de não fazer. A cláusula de não concorrência pós-contratual tem sua origem no próprio contrato individual de trabalho, uma vez que o vínculo é a única maneira que se justifica a pactuação.

A cláusula de não concorrência pode estabelecer obrigações de natureza pecuniária, tanto para o ex-empregador quanto para o ex-empregado. São duas as possibilidades: a primeira, a ser paga pelo empregador ao empregado como contrapartida pelo seu período abstendo-se do trabalho no mesmo ramo de atividade; e a segunda a ser paga pelo empregado ao empregador em caso de descumprimento das obrigações contratadas.

Nos ordenamentos em que a cláusula de não concorrência já está positivada, uma das condições de validade do pacto é a previsão de um valor a ser pago ao ex-empregado pelo ex-empregador em contrapartida ao seu tempo observando a cláusula.

Esse valor pode estar vinculado à sua remuneração anterior, quando ainda trabalhava para o antigo empregador ou pode ser livremente pactuado pelas partes. A livre pactuação ainda encontra restrições no princípio da proporcionalidade, uma vez que não pode haver limitação sem a devida contraprestação.

Uma dúvida que surge é a natureza jurídica dessa parcela. Enquanto alguns doutrinadores entendem que a verba tem o nítido caráter indenizatório, uma vez que as características essenciais de uma relação de emprego não estariam preenchidas, há quem pense o contrário.  Existe teoria de que os valores pagos a esse título tem caráter salarial, pois o período em que o empregado não se ativa em empresa concorrente equivale a tempo à disposição do empregador, sendo considerada então, como salário a verba acordada. Essa teoria encontra barreira na afirmação de que o impedimento de exercer funções semelhantes às anteriores para concorrente, ou efetivar concorrência direta, não significa tempo à disposição do empregador. O empregado poderá se ativar em outra função em empresa que não pratica concorrência com seu antigo empregador ou ainda ativar-se em função individual que não tenha relação com sua antiga função.

O valor decorrente do pacto de não concorrência não pode ser considerado como salário. É claro o caráter indenizatório da parcela. A cláusula de não concorrência decorre de uma limitação no exercício de trabalho do trabalhador e, por isso, há a indenização paga por seu ex-empregador. Essa limitação gera um prejuízo e esse prejuízo deve ser ressarcido.

Diante deste cenário, é possível concluir que as cláusulas de limitação da liberdade contratual estão em consonância com a necessidade atual, apesar de não estarem expressamente dispostas no nosso ordenamento. A questão ainda exige um grau de estudo maior para que as questões controvertidas sejam passadas adiante e exista um consenso sobre a possibilidade de exigir um período mínimo de permanência no emprego ou ainda um tempo fora do mercado de trabalho em que se ativou anteriormente. Cabe ao Judiciário sopesar a validade das cláusulas que restringem a liberdade do trabalho em contraposição com a inexistência de vício de consentimento na contratação.

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  • é advogado trabalhista do escritório Rayes & Fagundes Advogado Associados. Mestre em Direito do Trabalho pela USP, especialista em Direito do Trabalho pela USP e Especialista em Direito do Trabalho pela PUC-SP.

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