Moldes americanos

Nelson Nery Jr. avalia que delações premiadas não servem para Direito Civil

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24 de outubro de 2015, 6h53

Um instrumento semelhante à delação premiada não funcionaria bem no Direito Civil, devido à natureza privativa dessa área, afirmou à revista Consultor Jurídico o professor de Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Nelson Nery Jr., sócio do Nery Advogados.

Ele explicou que o instituto é eficaz no Direito Criminal por causa do caráter público das ações penais, o que permite que o Ministério Público — responsável pelos processos — possa se comprometer a pleitear penas menores para o colaborador e a deixar de oferecer outras denúncias. Já no campo civil, por mais que alguém confessasse atos ilícitos, não seria possível impedir que um terceiro prejudicado fosse à Justiça cobrar reparações.

Nery Jr. apontou que a confissão é o instituto cível que chega mais perto da delação premiada. No entanto, ela só vale para o acusado confesso, e não afeta outros suspeitos, destacou o processualista. Ele ainda lembrou que, em caso de fatos indivisíveis, a assunção individual de culpa não vale por si só, e precisa ser repetida pelos outros réus para gerar efeitos no processo.

O criminalista (e candidato à presidência da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil) Sergei Cobra Arbex, sócio do Zulaiê Cobra Ribeiro Sociedade de Advogados, também tem dúvidas quanto à transposição da colaboração premiada para o Direito Civil. De acordo com ele, o instituto não será bem-sucedido no Brasil — tanto na área criminal quanto em qualquer outra — enquanto a cultura jurídica e social do país não mudar.

O principal problema na aplicação do instrumento na operação “lava jato” é o uso de prisões provisórias como forma de forçar o investigado a firmar acordo de delação, disseram os dois advogados. Para Cobra, mesmo que a informação dada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, esteja correta, e apenas 21% das colaborações do caso tenham sido fechadas quando o acusado estava preso, o número não deve ser comemorado, pois representa um percentual relevante de pessoas que foram coagidas a cooperar com a Justiça.

Na visão de Nery Jr., que também é candidato a conselheiro federal na chapa de Sergei, a prisão preventiva só deve ser imposta quando estiverem evidentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Se não for assim, “ela fica banalizada, e vira panaceia para todos os males”, avaliou o professor da PUC-SP.

E as ilegalidades decorrentes dessas detenções podem acabar sendo contraproducentes para a operação. Como exemplo disso, Nery Jr. lembra que quando estourou a operação satiagraha, em 2008, escreveu um artigo elencando as irregularidades da prisão do banqueiro Daniel Dantas e das evidências coletadas pela Polícia Federal. Três anos depois, com entendimento semelhante ao do processualista, o Superior Tribunal de Justiça anulou as investigações e condenações do caso devido ao uso de provas ilícitas.

Modelo que não se encaixa
Embora a delação premiada seja um instituto importado dos EUA, o sistema penal de lá — no qual os promotores têm mais poder e podem negociar penas — não daria certo no Brasil, opinam Nery Jr. e Cobra. Segundo o especialista em processo civil, o MP daqui não está aparelhado como seu equivalente norte-americano para investigar. Com esse déficit, os promotores brasileiros acabam tendo que recorrer a “atalhos ilícitos”, como grampos e invasões de casas e escritórios.

O candidato ao comando da OAB-SP tem visão semelhante, e entende que a má qualidade da Justiça no Brasil impediria que o modelo dos EUA atingisse por aqui o nível que tem naquele país.

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