Medidas extremas

Fisco impede empresa séria de discutir dívidas, diz tributarista

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18 de outubro de 2015, 14h34

O advogado tributarista Roberto Quiroga Mosquera, sócio do escritório Mattos Filho, critica em entrevista à Folha de S.Paulo a pressão fiscal do governo federal sobre as empresas. Ele afirma ao jornal que as companhias têm se deparado com multas confiscatórias e não encontram espaço para o debate na área administrativa, independentemente dos supostos casos de corrupção investigados no Carf.

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Contencioso "bom" está chegando só agora ao Judiciário, afirma Quiroga Mosquera.

Um dos problemas mais recentes, afirma, é a Medida Provisória 685, que fixa altas multas se a empresa deixar de informar o governo sobre seu planejamento fiscal.

Procurar a via judicial, para ele, também não é a solução. “Quando a empresa sai da disputa administrativa e vai para o judiciário, de cara a dívida já cresce 20%. (…) Para discutir na Justiça, ela tem de fazer o depósito de 100% da autuação. Como vai fazer isso num auto de infração de R$ 1 bilhão, R$ 5 bilhões ou R$ 10 bilhões?”

Sobre o cenário atual de crise econômica brasileira, Quiroga considera que a volta da CPMF é um “mal menor”.

Leia trechos da entrevista, publicada na Folha de S.Paulo deste domingo (18/10).

Folha – Está cada vez mais difícil imaginar que faremos o ajuste sem aumento de impostos. Qual é a melhor solução?
Roberto Quiroga Mosquera –
É preciso, claro, cortar gastos públicos. Sou contra aumento de imposto. Mas, imaginando que não dá mesmo para cortar agora, o que geraria menos impacto seria, sem dúvida, a CPMF.

Folha – Ela é vista como impopular.
Roberto Quiroga Mosquera –
Ela é o mal menor. Há isonomia, pulverização. (…) E tem a vantagem de pegar a informalidade. A Cide [combustíveis] e a CPMF são as menos doloridas. Agora, com a crise econômica, as variáveis de renda e receita, que sustentam 80% da arrecadação tributária do governo federal, vão cair. Ou seja, estamos correndo atrás de R$ 30 bilhões e, em breve, vão surgir outros R$ 30 bilhões para cobrir. (…) Junto a isso, temos outro problema, pressionando especialmente as empresas, que são as discussões com o Fisco. Estamos chegando numa situação limite.

Folha – Por quê?
Roberto Quiroga Mosquera –
Hoje, há cerca de R$ 600 bilhões na seara administrativa e o estoque está crescendo. Na Justiça, há em torno de R$ 1,4 trilhão. As autuações do Fisco são como as multas de trânsito: as pessoas podem recorrer, mas quase ninguém ganha. No Carf, independentemente dos casos de corrupção que surgiram com a operação zelotes, no último ano, a Fazenda ganhou 96% dos processos. Não é razoável imaginar que as pessoas farão quase tudo errado e o fisco sempre acertará.

Folha – As empresas podem recorrer ao Judiciário.
Roberto Quiroga Mosquera –
Aí que está o problema. Quando a empresa sai da disputa administrativa e vai para o judiciário, de cara a dívida já cresce 20%. É a chamada descrição de dívida. Para discutir na Justiça, ela tem de fazer o depósito de 100% da autuação. Como vai fazer isso num auto de infração de R$ 1 bilhão, R$ 5 bilhões ou R$ 10 bilhões? Não dá. (…)

Folha – Mas hoje as empresas recorrem à Justiça.
Roberto Quiroga Mosquera –
Sim, mas dois terços do contencioso ainda é "podre". São contribuintes que o Fisco não consegue encontrar, laranjas, execuções que não correm. Agora está chegando o contencioso bom, de reestruturações societárias, de empresas legítimas e reais. Se você pegar as 30 maiores companhias abertas do país, todas já têm discussões relevantes. E essas companhias, que têm negócios de verdade, terão muita dificuldade de debater na Justiça. A parede está próxima e ninguém está vendo.

Folha – O que fará o "contencioso bom" aumentar?
Roberto Quiroga Mosquera –
O governo vinha lançando Refis atrás de Refis [programa de renegociação de débitos] e, com isso, o contencioso bom não chegava ao Judiciário.

Folha – Por que isso é um debate importante neste momento?
Roberto Quiroga Mosquera –
O governo está tomando uma série de ações para pressionar as empresas, como a medida provisória 685, que chamamos de "dedo duro". Ela diz que, se a empresa não avisar ao governo sobre seu planejamento fiscal, pagará multa de 150% mais o imposto. Houve ainda a portaria determinando maior rigor dos procuradores da Fazenda. Ao mesmo tempo que olha o cardápio de impostos para ver onde pode aumentar a arrecadação, o governo está asfixiando as empresas. Isso vai desaguar no Judiciário. E lá as companhias vão bater com a cabeça na parede. (…) Esse conjunto de coisas impede que uma empresa séria discuta o débito.

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