Falta de imparcialidade

PAD movido por interesse político torna punição nula, diz Turma Recursal do RS

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16 de outubro de 2015, 16h34

Procedimento Administrativo-Disciplinar (PAD) aberto, dirigido e executado por quem tem interesse na punição do servidor é nulo. Por isso, a 1ª Turma Recursal da Fazenda Pública, dos Juizados Especiais Cíveis (JECs) do Rio Grande do Sul, aceitou apelação de um perito criminalístico, suspenso por se manifestar contra a edição de um projeto de lei por meio de e-mail funcional. A decisão reforma sentença do Juizado Especial da Fazenda Pública de Porto Alegre, que manteve a penalidade arbitrada pela direção do Instituto-Geral de Perícias (IGP) em 2012.

O relator do recurso no colegiado, juiz Niwton Carpes, disse que a situação foi conduzida com extremo rigor pelo diretor da época. É que este instaurou o PAD no mesmo dia do envio do e-mail, de forma instantânea, ‘‘ao sabor do interesse e desejo imediato’’. Para Carpes, faltou o cumprimento básico do dever de imparcialidade, ‘‘posto que mão do diretor do IGP, que presumivelmente tenha sido o alvo do artigo, estava por trás de todas as folhas da sindicância punitiva’’. Ele também reconheceu que o autor sofreu perseguição política por opinar sobre o tal projeto de lei — que, a seu juízo, seria gravoso aos interesses do própria instituição a que serve.

O juiz-relator considerou ‘‘exagero aberrante’’ o argumento de que o autor teria agido com deslealdade ou cometido ‘‘gafe disciplinar’’ por manifestar desapreço à instituição no local de trabalho, infringindo dispositivos do Estatuto dos Servidores Estaduais do Rio Grande do Sul. ‘‘Até pode não ter sido ‘simpático’ ao mandante da hora, mas à ‘instituição’ ele foi leal e preocupado. Justamente de preocupado com a sorte e o futuro do IGP é que publicou o e-mail’’, complementou.

Carpes ainda criticou o uso do estatuto para embasar a punição administrativa, por se revelar totalmente destituído de objetividade e valor para o caso concreto. ‘‘Todas as imputações são abertas e obsoletas nos dias atuais, por isso é preciso e recomendável a leitura do Estatuto dos Servidores do Estado, que tem mais de 20 anos, com um olhar e um espírito mais moderno, adequado e livre de amarras do autoritarismo ou militarismo que vigorou outrora’’, encerrou. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 29 de setembro.

O caso
Às 12h14 do dia 15 de maio de 2012, o perito criminalista Décio de Moura Mallmith usou e-mail funcional do Instituto-Geral Pericias, órgão da Secretaria da Segurança Pública gaúcha, para criticar o Projeto de Lei 113/2012, enviado pelo governador Tarso Genro (PT), em regime de urgência, para a Assembleia Legislativa. Segundo Mallmith, a aprovação do PL poderia colocar em risco a independência e a autonomia do IGP. O e-mail foi enviado para peritos, médicos legistas, auxiliares e outros funcionários.

No mesmo dia, o então diretor-geral do IGP abriu procedimento administrativo-disciplinar para apurar a conduta do perito, que acumula mais de 30 anos de serviço público. Após a fase de instrução de outras etapas, a comissão processante do PAD decidiu que o servidor deveria ser suspenso por um dia. Posteriormente, penalidade foi substituída por multa.

Inconformado com a punição, que entendeu ser fruto de perseguição política, Mallmith ajuizou ação de nulidade de punição administrativa, cumulada com ação de danos morais, em face do estado do Rio Grande do Sul.  

Sentença improcedente
O juiz Ângelo Furlanetto Ponzoni, do Juizado Especial da Fazenda Pública de Porto Alegre, negou os pedidos, adotando, como razões de decidir, o parecer do Ministério Público. Para o representante do MP, o Poder Judiciário não deve se imiscuir no mérito administrativo do PAD. Além disso, o procedimento tramitou de forma regular, cumpriu todas as etapas e permitiu amplo direito de defesa.

O promotor citou os deveres do servidor público, expressos na Lei Complementar 10.098/1994 (Estatuto do Servidor Estadual). O artigo 177, inciso V, diz que o servidor tem o dever de ser leal às instituições a que servir. Já o artigo 178, inciso X, o proíbe de promover manifestações de apreço ou desapreço no recinto da repartição.

‘‘Nessa ordem, em cotejo com os dispositivos legais em destaque, o expediente [PAD] mostra-se justificado, uma vez que totalmente impróprio o momento e o lugar para a manifestação do autor. Sem embargo, o meio utilizado para o discurso partiu do e-mail funcional, endereço eletrônico que se destina exclusivamente a interesses de ordem profissional’’, registra o parecer do MP.

Leia a mensagem:
“Colegas: Fiquei estarrecido quando li o texto do projeto de lei 113/2012, enviado pelo Governo, em regime de urgência, para a Assembléia Legislativa, tal o teor do documento. É inacreditável o que querem fazer conosco, pacatos funcionários do IGP.

Não podemos deixar que este projeto de lei mal intencionado (e que inclusive é muito mal redigido, não sei se para ludibriar o leitor ou por deficiência gramatical, mesmo!!) e que permite colocar qualquer um em cargos chaves do IGP, desde que seja servidor do Estado, seja aprovada. Caso isto ocorra, estará instalado o caos no IGP. Passaremos a ser cabide de empregos para os políticos. A pergunta que não quer calar é …

— Onde ficará a isenção da perícia com a distribuição de FG´s e CC´s por conveniência política?

— A quem interessa esta lei? Ao povo gaúcho, certamente, é que não é. E, muito menos para nós, servidores concursados do IGP.

Agora entendo o porquê da obscuridade que pairava sobre a confecção desta lei….

Lembrem-se da máxima gauderia : ‘Não podemo se entregá pros homi, mas de jeito nenhum!!!’

Forte abraço a todos”

Clique aqui para ler o Estatuto do Servidor Estadual do RS.
Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.

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