Opinião

Novo CPC contribui muito para razoável duração do processo

Autor

  • Gilberto Andreassa Junior

    é advogado pós-doutor (UFRGS e UFPR) doutor (PUC/PR) presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB-PR e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

14 de outubro de 2015, 6h10

Há poucos meses de iniciarmos uma nova perspectiva acerca dos assuntos relacionados ao direito processual civil, uma vez que em março de 2016 entra em vigor o novo código, podemos estabelecer as principais novidades do sistema que irão afetar diretamente a vida de todos os interessados em eventual demanda judicial.

Em um primeiro momento, importante demonstrar as principais tendências do novo código de processo civil, que seriam: priorização do mérito (instrumentalidade das formas), cooperação real entre as partes e o juiz da causa (princípio da cooperação), vasta fundamentação (artigo 489, §§ 1º e 2º, Novo CPC), amplo contraditório (artigo 10º, Novo CPC), busca efetiva pela conciliação entre as partes litigantes (artigo 334, § 8º, e artigo 335, Novo CPC), criação de precedentes, e, por fim, a atribuição de força às partes nos atos do processo.

Em uma leitura perfunctória do artigo 1º do Novo CPC[1], percebe-se que o legislador, de certa forma, deixou de lado o instrumentalismo presente no CPC/73, e trouxe o que alguns doutrinadores chamam de neoprocessualismo, que seria a atuação do direito processual com vistas ao direito constitucional (neoconstitucionalismo). Tal fato decorre em função do movimento que se instalou no Poder Judiciário no início dos anos 2000, o qual prioriza os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.

Mais à frente, estabelece o Novo CPC um dos princípios mais importantes e que certamente norteará as decisões tomadas pelas partes e pelos juízes, que é o princípio da cooperação.

O artigo 6º do Novo CPC determina que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Ou seja, as partes deixam de agir de forma individualizada e passam a fazer parte, junto com o juiz, de uma relação comum no processo. Um bom exemplo está elencado no artigo 357, § 3º, do Novo CPC quando é descrito que “se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações”.

Percebe-se, assim, que o juiz também deixa de ser apenas um espectador do processo e, de forma obrigatória, deve se engajar na causa, a fim de que a decisão final seja a mais justa possível.

No dever de cooperação do juiz se incluem o dever de esclarecimento[2], dever de diálogo[3], dever de prevenção[4] e o dever de auxílio para com os litigantes[5].

Importante mencionar que a doutrina não é pacífica com relação ao princípio da cooperação entre as partes. Daniel Mitidero, por exemplo, entende que a cooperação deve ocorrer somente entre as partes e o juiz, isto é, entre as partes deve apenas haver boa-fé. Na visão do autor, no processo civil as partes perseguem interesses divergentes. Vale dizer: cada qual persegue seu próprio interesse6.

No que tange à questão da vasta fundamentação por parte dos juízes, pode-se citar o artigo 489, § 1º, do Novo CPC, o qual delimita que “não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

Tais procedimentos têm sido debatidos e duramente criticados pela magistratura, que afirma não ser necessária uma vasta fundamentação sobre qualquer ato decisório do processo. Através da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) foram elaborados 62 enunciados que tendem a ser seguidos pelos juízes, sendo que em vários deles, infelizmente, procura-se relativizar o dever de fundamentação[7]. Fato é que utilizando-se do princípio da cooperação e seguindo-se à risca o que determina o Novo CPC, devem os juízes fundamentar suas decisões de forma exauriente, a fim de que ocorra o efetivo cumprimento do devido processo legal.

Outro ponto a ser destacado é a questão do amplo contraditório. Já no início do Novo CPC, em seu artigo 10º, fica estabelecido que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

Não bastasse a necessária cooperação entre os participantes do processo e o dever de fundamentação por parte dos juízes, o Novo CPC se preocupou em conceder às partes o direito ao contraditório, ainda que a matéria possa ser decidida de ofício pelo juiz (ex. prescrição). Isto certamente findará com algumas dezenas de recursos, uma vez que as partes, através do contraditório, podem auxiliar nos fundamentos das decisões judiciais.

Conforme citado no início do texto, o Novo CPC traz a busca efetiva pela conciliação entre as partes litigantes. Diferente do que ocorre no CPC/73, a partir da entrada em vigor do Novo CPC, as partes serão intimadas/citadas a comparecer na audiência conciliatória antes mesmo de apresentar qualquer tipo de manifestação no processo. Ademais, quando uma das partes tiver interesse na conciliação/mediação, a mesma se torna obrigatória para ambas as partes, sob pena de aplicação de multa (artigo 334, § 8º, Novo CPC)[8].

Já a implementação da teoria dos precedentes no ordenamento jurídico brasileiro merece um texto único que será publicado posteriormente. De qualquer forma, vale destacar que utilizando-se de princípios do common law o Legislativo procurou implementar a ideia de precedentes, onde fica estabelecido que as decisões proferidas pelos tribunais superiores possuem eficácia vertical e horizontal, e devem ser aplicadas pelos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública. Um bom exemplo é o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), que se encontra no art. 976 e seguintes do Novo CPC.

O Novo CPC também atribuiu grande força às partes nos atos do processo, destacando-se a possibilidade do negócio processual.

No chamado negócio processual (artigo 190, Novo CPC), “versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.

A presente técnica processual é inovadora e concede força às partes, isto porque estas podem criar procedimentos para ouvir testemunhas, suprimir recursos, suprimir efeito suspensivo na apelação e ratio de despesas. Ainda, no Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) ficou estabelecido entre os membros presentes que também são admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo para ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para não promover execução provisória.

O que se percebe é que com os mandamentos do Novo CPC os advogados ganham uma importância ainda maior, pois precisam esclarecer seus clientes acerca das possibilidades supracitadas em eventual contrato perante terceiro.

Obviamente, a implementação do negócio processual tem suas ressalvas, não podendo as partes fazer acordo para modificação da competência absoluta e/ou acordo para supressão da 1º instância (Enunciado 20 do FPPC). Também não se pode acordar o afastamento do Ministério Público ou a dispensa dos requisitos da petição inicial (art. 319).

O enunciado 37 do Enfam também descreve que “são nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação”.

Já o Novo CPC, em seu artigo 190, parágrafo único, sustenta que “de ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”. Ainda, em seu art. 63, § 3º, determina que “antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu”.

Além do negócio processual, as partes podem fixar calendário para praticar os atos processuais (artigo 191), sendo que o calendário vincula o juiz e as partes, e os prazos nele previstos só podem ser modificados em casos excepcionais. Inclusive, depois de firmado o acordo entre as partes e tendo o juiz anuído, dispensa-se a intimação dos procuradores para a prática dos atos processuais ou para a realização das audiências.

Um ponto pouco ressaltado até o momento pela doutrina é a fixação no calendário da data para a sentença. Seria possível a fixação de data para prolação da sentença, se o artigo 12 do Novo CPC determina que “os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”?

A resposta é positiva, desde que o calendário preveja a prolação da sentença em audiência instrutória. Isto porque o artigo 366 em conjunto com o artigo 12, § 2º, I, do Novo CPC, cria tal possibilidade ao magistrado[9].

Outro fator não esclarecido pela norma e, tampouco pela doutrina, é se a fixação do calendário pode ocorrer nos tribunais. Em que pese tal observação, não se vislumbra, a priori, qualquer impedimento legal para tal procedimento.

Não obstante as críticas sofridas por parte dos juristas, percebe-se um enorme avanço no novo Código de Processo Civil, o qual contribuí, e muito, para o princípio da razoável duração do processo. A diminuição da esfera de compreensão dos fatos e a leitura estreita acerca das alterações processuais, indubitavelmente, pouco contribuem para o que realmente importa: o respeito ao que fora determinado pelo Poder Legislativo. O momento não é de questionar algo que já foi aprovado, mas sim de contribuição para a maior efetividade possível do novo diploma legal.


1 Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

2 Cumpre solicitar às partes esclarecimentos acerca das petições e pedidos genéricos. Por outro lado, juiz também tem o dever de esclarecer as partes acerca de suas decisões (art. 489, §§ 1º e 2º, e 491, NCPC).

3 Juiz consulta e ouve todas as partes antes de decidir sobre qualquer questão, ainda que seja possível decidir de ofício (art. 9º e 10º, NCPC).

4 Juiz deve advertir as partes sobre os riscos e deficiências das manifestações e estratégias por elas adotadas, permitindo a correção sempre que possível (ex. art. 321, NCPC).

5 Exemplos: art. 139, VI, e 437, § 2º, NCPC.

6 MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como prêt-à-porter? Um convite ao diálogo para Lênio Streck. Revista de Processo 194. Pág. 62.

7 Exemplo: Enunciado 10 do ENFAM. “A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa”.

8 Enunciado 61 do ENFAM. “Somente a recusa expressa de ambas as partes impedirá a realização da audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, não sendo a manifestação de desinteresse externada por uma das partes justificativa para afastar a multa de que trata o art. 334, § 8º”.

9 Art. 12.  Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. § 1o A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores. § 2o Estão excluídos da regra do caput: I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; (…).

Autores

  • Brave

    é sócio-fundador do Andreassa & Andreassa – Advogados Associados. Professor Universitário, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Processual Civil Contemporâneo. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados do Paraná.

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