Processo Familiar

Direitos da mulher ainda ficam entre igualdade jurídica e discriminação

Autor

  • Paulo Lôbo

    é advogado doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) professor emérito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e ex-conselheiro do CNJ.

11 de outubro de 2015, 8h00

Spacca
O Direito de Família avançou de modo revolucionário na viragem do século XX para o século XXI, como nenhum outro ramo do Direito, mas não podemos subestimar as resistências culturais ancoradas nos resíduos do modelo patriarcal.

Já no final do século XVIII, Mary Wollstonecraft, pensadora feminista pioneira, publicou A vindication of the rigths of woman, sustentando que não podemos defender nossa posição a favor dos direitos dos homens, sem assumir um interesse semelhante nos direitos das mulheres, pois a justiça, por sua própria natureza, tinha de ter alcance universal, em vez de ser aplicável aos problemas de algumas pessoas, mas não de outras.

Magistrados e membros do Ministério Público latino-americanos, em colóquio patrocinado pela ONU, em 2005, concluíram que há obstáculos reais para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, em virtude da “persistência do sistema patriarcal que gera desequilíbrio de relações de poder entre a mulher e o homem”, dominado principalmente pela concepção tradicional da família nuclear, influenciada por fatores religiosos e culturais.

Não é surpreendente que, em mais de dois séculos da revolução liberal, haja necessidade de um direito das mulheres, notadamente em países onde se supunha resolvido o problema. Não se trata de expressão de feminismo radical, mas de séria investigação das condições reais do ordenamento jurídico em assegurar-lhes a plenitude como sujeitos de direitos, em total paridade com os homens. A matéria é necessariamente interdisciplinar, não podendo ficar contida no campo tradicional do direito de família. Em estudo dedicado à matéria, a jurista norueguesa Tove Stang Dahl faz aplicação desse direito no campo da teoria geral do direito, em situações específicas, dentre outras: a) direito das mulheres ao dinheiro; b) direito das donas de casa; c) discriminação na situação de desemprego.

O tema assume importância relevante quando se discute o gênero neutro, que vê homens e mulheres como iguais em direitos, afastando propositadamente as diferenças. Enquanto se avançava na busca da igualdade jurídica integral entre homens e mulheres — no Brasil, só alcançável com a Constituição de 1988 — que vencesse a desigualdade, justificada em preconceitos e discriminações em razão do sexo, as diferenças foram obscurecidas porque não contribuíam para se alcançar o penoso objetivo.

Vencida a etapa da igualdade jurídica, vem à tona a rica dimensão psicossocial das diferenças entre os gêneros, que a dogmática do direito de família não pode mais descurar. O imenso desafio é a compatibilidade das diferenças com o princípio da igualdade jurídica, para que não se retroceda à discriminação em razão do sexo, que a Constituição veda.

Por que será que o juiz brasileiro, na quase totalidade dos casos de separação de casais, preferia a mãe ao pai para guardião dos filhos, nas hipóteses de guarda exclusiva, antes que a Lei 13.058/2014, obrigasse a guarda compartilhada na ausência de acordo? O senso comum atribui à mulher o papel de dona de casa (espaço privado) e ao homem o de provedor (espaço público). Essa diferença é negativamente discriminatória, ou seja, é juízo de valor negativo do papel da mulher. A escolha apenas poderia estar fundamentada em dado de ciência que demonstre, no geral, estar a mulher mais apta biológica ou psicologicamente para exercer esse papel, quando os pais estejam separados, salvo se em situação concreta tal não ocorrer. Não pode ter fundamento na natureza, pois revela pré-compreensão ou preconceito.

Autores

  • Brave

    é advogado, doutor em Direito Civil pela USP, professor emérito da UFAL e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Foi conselheiro do CNJ.

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