Ferramenta questionável

Uso de delação inclusive contra advogado da "lava jato" é criticado pela classe

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5 de outubro de 2015, 20h25

Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e um dos advogados da empreiteira Odebrecht na operação “lava jato” foi acusado pela Polícia Federal de ter comprado dossiês de policiais com informações sigilosas que serviriam para prejudicar as investigações. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo e a denúncia nasceu de um depoimento feito pela doleira Nelma Kodama, que negocia acordo de delação premiada para tentar diminuir sua pena de 18 anos de prisão.

Ferramenta utilizada de forma intensiva na investigação de corrupção na Petrobras, a delação premiada e a forma como ela é feita vem sendo contestada por advogados e juristas.

O Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Guilherme Batochio acha que a delação tem sido usada de uma forma que acaba punindo com mais gravidade quem teve menor participação no crime. “Penso que o instituto vem sendo completamente desvirtuado no país: temos visto que aqueles que seriam os maiores beneficiários de delitos se convolam em colaboradores, e obtêm os benefícios legais, delatando pessoas que teriam menor participação no evento criminoso."

O uso constante das delações pelo Estado, diz Batochio, cria a necessidade de o advogado ter mais poderes para levantar dados e confrontar as informações. "Se ao Ministério Público é dado investigar, o princípio da par conditio igualmente autoriza que o advogado promova investigações no interesse da defesa e seu cliente.”

O advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes, profissional com 55 anos de advocacia criminal é direto: “A delação premiada é imoral. Há diferença marcante entre o que é legal e moral. A legalidade nem sempre corresponde à moralidade. A legislação da delação atende, em tese, ao organograma da lei, mas revela aversão aos parâmetros éticos. Isso veio dos Estados Unidos e não é um bom exemplo.”

Fábio Tofic Simantob, advogado criminalista, acusa uma relação promíscua entre prisão preventiva e delação premiada como modo de obtenção de prova. “Em muitos casos, alguém que está preso preventivamente faz a delação e é solto. A preventiva é para quem põe em risco a sociedade e a investigação do caso. A delação não torna ninguém menos perigoso. Então não estava preso por causa da periculosidade?”, questiona.

Em palestra feita em setembro na Universidade Mackenzie, Fabiano Silveira, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, também falou sobre o uso da prisão preventiva para então obter provas que venham de delação. "Não está, evidentemente, entre as razões autorizadoras da prisão preventiva a obtenção de qualquer prova. A jurisdição pode ser defender, agir defensivamente no objetivo de prender para garantir a lisura, a liberdade da produção de prova, para que as autoridades de persecução penal possam agir de forma desembaraçada. Mas utilizar a prisão para, positivamente, produzir prova, alcançar, me parece que é uma degeneração inconcebível do instituto da prisão.”

Problema da classe
José Roberto Batochio
, ex-presidente do Conselho Federal da OAB, vê com preocupação advogados que têm como principal estratégia de defesa a delação de seus clientes, e classifica a atitude como instrumento de persecução penal e não de defesa. Além disso, acusa o uso de delações "sob encomenda", ou seja, onde só vem à tona o que interessa à acusação naquele momento, e não o esclarecimento de tudo o que é investigado.

“Têm-se notícias do surgimento de uma bizarra forma de delação premiada denominada ‘delação à la carte’, em que os réus interessados em obter benefícios seriam chamados a delatar temas e pessoas previamente escolhidos. Fala-se, também, de ‘delação fabricada’, em que, artificialmente, se construiriam versões conciliatórias de contradições existentes em delações anteriores, sem que tenha a verdade a menor importância, mas sim a versão industriada. Tudo precisa ser iluminado pela publicidade! Os supostos fins justificariam esses odiosos meios? Morrido teria a ética?”, questiona Batochio, que pede envolvimento da OAB na análise do que vem ocorrendo.

O advogado Augusto de Arruda Botelho ressalta que está sendo acusado de algo por motivação de uma pessoa “cuja palavra já caiu em total descrédito”.

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