Ideias do Milênio

"Aqueles que usam a religião contra a paz são pseudorreligiosos"

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27 de novembro de 2015, 15h05

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Yitzhak Frankenthal [Reprodução]Entrevista concedida pelo pacifista Yitzhak Frankenthal, à jornalista Leila Sterenberg, para o programa Milênio — um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).

O ano judaico de 5.776 começou tenso. Difícil dizer quem deu o primeiro passo na direção errada, quem atirou a primeira pedra ou disparou o primeiro tiro, mas desde setembro embates entre palestinos e o exército de Israel e casos de civis israelenses atacados em situações cotidianas se tornaram rotina. O que está em xeque não é novo, o direito de ir e vir em locais sagrados para ambos os povos, ambas as religiões. No meio do sofrimento e do tiroteio de acusações e ideias, há quem tenha opiniões singulares e que mesmo professando o judaísmo não veja problema se os palestinos tiverem a soberania sobre o monte em Jerusalém onde se ergueram e foram destruídos os dois grandes templos que marcam a história judaica. A perda do primogênito, morto pelo Hamas aos dezenove anos, foi um trauma e fez com que Yitzhak Frankenthal, em vez de vingança, buscasse o diálogo. Para esse ex-empresário transformado em pacifista, se existe um inimigo, é com ele que se deve negociar. O caminho para chegar lá pode ser o menos óbvio. As mensagens em hebraico dizem que a disputa com os palestinos é necessária para a união nacional e que sem ele Israel não teria o exército mais forte do mundo, nem justiça, nem heróis. São vídeos de uma campanha publicitária diferente, que faz parte de um estudo comportamental apoiado pelo fundo para reconciliação e tolerância dirigido por Frankenthal. Para que jovens dos dois lados da barreira de controle não tenham o mesmo destino do filho que ele perdeu, Yitzhak Frankenthal aposta em uma mudança coletiva de postura. Ele acredita que os israelenses precisam reconhecer e então repudiar o apego que têm ao conflito.

Leila Sterenberg — Seu filho, Arik, teria agora 40 anos, mas 21 anos atrás ele foi morto pelo Hamas. Por que, apesar de toda a dor, o senhor escolheu o caminho do que chama de “reconciliação”?
Yitzhak Frankenthal — Eu perdi meu filho não por causa dos palestinos. Eu perdi meu filho só porque não há paz entre israelenses e palestinos. Então, para conseguir a paz, entre israelenses e palestinos, precisamos fazer uma reconciliação. Precisamos assumir compromissos. E desde então estou tentando achar um caminho de fazer isso.

Leila Sterenberg — O senhor é judeu religioso, sionista. E o senhor morava numa comunidade de direita, ortodoxa. É verdade que alguns dos seus vizinhos e amigos pararam de lhe dirigir a palavra quando o senhor começou a defender diálogo e paz?
Yitzhak Frankenthal — A maioria deles.

Leila Sterenberg — E daí? Foi duro?
Yitzhak Frankenthal — A única coisa dura é ficar na frente do túmulo do meu filho. Nenhuma outra é dura.

Leila Sterenberg — Dez anos atrás, o senhor fundou o Instituto Arik, em homenagem ao seu filho, para mostrar ao público israelense — e vou citar um texto seu aqui — “os atos errôneos praticados contra os palestinos”. Quais são os maiores erros que Israel vem cometendo, na sua opinião?
Yitzhak Frankenthal — Não está selando a paz, não está fazendo o que tem que ser feito: voltar a fronteiras que sejam aceitas pelos dois lados, israelenses e palestinos, e estabelecer um estado palestino. Você vê: há pessoas que acham que a solução de um estado único é uma ideia possível. Isso é nonsense, é ridículo. Porque a solução do estado único só vai levar à continuidade do derramamento de sangue. Além disso, a solução do estado único vai acabar com Israel enquanto Estado Judeu. Porque a maioria da população vai ser árabe. Então é ridículo. O maior erro de Israel é continuar a ocupação.

Leila Sterenberg — De acordo com o senhor — eu li algumas entrevistas —, por conta da ocupação israelense, “palestinos vivem em estado ultrajante de pobreza”, o que aumenta o ódio em relação a Israel. Ódio, extremismo, fanatismo. Israel está empurrando os palestinos em direção ao desespero?
Yitzhak Frankenthal — Acho que os israelenses empurram os próprios israelenses para esse comportamento. Você tem que entender: eu me importo com Israel. Israel é minha pátria, Israel é minha casa. Eu me importo com Israel, eu amo Israel e eu quero ver paz entre israelenses e palestinos. E isso só vai acontecer com a solução de dois estados, não há outra forma. Se estamos construindo um novo assentamento — e mais casas, mais casas — deixamos os palestinos loucos! E aí eles reagem contra isso. O que estamos pensando? Vamos continuar nos comportando em relação aos palestinos como quem quer tomar a terra, e eles vão se portar bem? Não é assim que funciona.

Leila Sterenberg — É interessante porque “shalom”, que quer dizer “paz”, é a saudação mais comum do hebraico. E quando queremos perguntar “como vai”, dizemos “ma shlomcha” ou “ma shlomech”. E literalmente estamos perguntando: “Como vai a tua paz?” Mas o senhor e seus colaboradores chegaram à conclusão de que existe uma barreira psicológica impedindo que os israelenses consigam a paz?
Yitzhak Frankenthal — Veja, a maior parte dos israelenses, se você for perguntar, quer paz. Todas as pesquisas mostram que a maior parte dos israelenses quer paz. Mas quando se passa à ação, os líderes não estão nos conduzindo para a paz. Por quê? Nós fomos checar, fizemos uma pesquisa muito profunda sobre essa questão. E concluímos que a maioria dos israelenses é apegada ao conflito. O conflito é parte do DNA da sociedade israelense. Quando nos unimos? Quando há um ataque terrorista, quando há uma guerra, quando sequestram três rapazes. Muitas situações de conflito nos uniram. Mas podemos ser unidos como uma nação em paz. Podemos nos unir de uma forma boa, não só numa situação terrível. Então descobrimos que ao transformarmos o conflito numa marca, que mostre à sociedade israelense como ela é apegada ao conflito, as pessoas conseguem sair da situação que as aproxima do conflito, não querem estar ligadas ao conflito. Então, nós testamos isso na universidade de Herzliya e tivemos resultados maravilhosos. Com 59% das pessoas se dizendo de extrema-direita — e estamos falando de um universo de pesquisa de algumas centenas —, algo como 30% a 31% se deram conta de que eram apegadas ao conflito e que não queriam isso.

Leila Sterenberg — O que exatamente vocês estão fazendo nesse momento em termos de campanha? É mídia social? Ou vocês vão exibir vídeos na televisão também? Quais são os próximos passos?
Yitzhak Frankenthal — Ainda não decidimos. Depois de termos sucesso na universidade, e foram resultados impressionantes, concluímos que temos que levar esse projeto a Israel. Mas para levar esse projeto a Israel, vamos começar com uma cidade pequena em Israel. Com outdoors, TV, anúncios no jornal, folhetos… Onde exatamente em Israel? Ainda não estamos dizendo, porque estamos no processo. Não queremos deixar as pessoas preparadas. E estamos agora fazendo uma pesquisa profunda, algo como 350 pessoas, da mesma cidade, para avaliar as ideias delas agora, durante o processo, e depois. Então vamos ter o quadro exato. Se tivermos sucesso ou se falharmos, vamos entender por que falhamos. Por quê? Deve funcionar. E, se não funcionar, temos que entender por que não funcionou. Estamos empenhando muito esforço e muito dinheiro para acompanhar todo o processo: para ver se estamos indo no caminho certo ou no errado. Se for o caminho errado, para entender o que faltou, o que fizemos de errado. E na próxima vez faremos melhor.

Leila Sterenberg — É isso o que estão chamando de intervenção paradoxal, certo?
Yitzhak Frankenthal — Exatamente. Você vê, uma das coisas mais paradoxais é o que acabei de dizer: não quero que dê certo, quero falhar. Porque se transformarmos o conflito numa marca e as pessoas não quiserem o conflito, quer dizer que falhamos, porque as pessoas não querem a nossa marca. Mas é maravilhoso: queremos que as pessoas rejeitem o conflito. Na medida em que rejeitarem o conflito, teremos sucesso.

Leila Sterenberg — Vocês esperam ganhar escala nacional?
Yitzhak Frankenthal — Claro! Depois que tivermos atuado na cidade pequena e soubermos o que estava OK e o que estava errado, aí vamos para o nível nacional.

Leila Sterenberg — O que o governo vai achar disso?
Yitzhak Frankenthal — Olha, eu espero realmente que este governo faça a paz. Eu não ligo para que governo seja. Eu não ligo se será com Fatah ou Hamas. Eu não ligo se será Netanyahu ou Herzog ou Tzipi Livni ou quem quer que seja. Eu não ligo. Eu só quero que façam a paz. Chega de falação.

Leila Sterenberg — O senhor tem argumentos interessantes e um tanto controversos. A forma como o senhor vê a questão do Monte do Templo. O senhor acha que a soberania palestina não o faz menos sagrado para o povo judeu.
Yitzhak Frankenthal — Claro!

Leila Sterenberg — Porque a soberania seria irrelevante para a santidade. Entendi certo?
Yitzhak Frankenthal — Claro! Você sabe? Por 2 mil anos não estivemos lá. E é um lugar sagrado. Aliás, aqui no Midrash, no Rio de Janeiro, vocês reverenciam Deus. Você não precisa reverenciar Deus num lugar especial. Transformar locais em lugares santos é ridículo. Você tem que respeitar. Mas não o transforme num lugar sagrado! Um lugar sagrado é o nosso coração. É o ser humano. E não uma pedra, não uma casa ou seja o que for. Você vê: em Hebron você tem os túmulos de Abraão, Isaac e Jacó. Ninguém sabe exatamente se estão mesmo lá, mas digamos que estejam. Então é um lugar sagrado? Não é um lugar sagrado. Então queremos nossos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó, e matamos nossos filhos por isso. É ridículo! Isso não é o judaísmo. Judaísmo é paz. O Islã é paz. E as pessoas que estão usando a religião contra a paz são pseudojudeus ou pseudomuçulmanos. Não judeus, não muçulmanos.

Leila Sterenberg — Caetano Veloso e Gilberto Gil, músicos brasileiros famosos, fizeram um show em Tel Aviv em julho. Mas eles tinham sido muito criticados por outros artistas, sobretudo pelo ex-músico do Pink Floyd Roger Waters. Ele pressionou para que eles não fossem. Existe um movimento chamado BDS: Boicote, Desinvestimento e Sanções. Qual a sua visão disso?
Yitzhak Frankenthal — Eu uma vez recebi um telefonema do empresário do Leonard Cohen. Em 2009 Leonard Cohen viria a Israel para um show e iria dar para mim o dinheiro do show. Dois dias depois eu encontrei com eles em Nova York e perguntei ao Leonard Cohen se ele toparia ir à Palestina para fazer um show lá. Ele respondeu: se você arranjar como, maravilha. Aí eu arranjei. Vieram equipes de Nova York e de Londres, para ver onde seria. Foi publicado no jornal palestino. Mas o pessoal do boicote em Londres fez pressão maciça sobre os palestinos para que boicotassem Leonard Cohen. E eles conseguiram: ele não foi a Ramalah. Porque o boicotaram. A pergunta que tem que ser feita: o boicote ajuda na reconciliação e na obtenção da paz? Se o Roger Waters fosse a Israel fazer um show e falasse sobre como os israelenses estão ligados ao conflito, isso iria ajudar cem vezes mais do que boicotar os israelenses. É ridículo o que está acontecendo. Realmente ridículo.

Leila Sterenberg — Eu li numa entrevista que o senhor disse que desde a morte de Arafat, o Hamas é o único ente capaz de conduzir o povo palestino à paz, porque não há nenhum outro. O senhor acha possível negociar com o Hamas apesar do fato de que ele se recusa a reconhecer Israel?
Yitzhak Frankenthal — Você vê: eu encontrei líderes do Hamas muitas e muitas vezes. Apesar de terem assassinado meu filho. Porque eu não vou selar a paz com meus amigos, vou selar a paz com meus inimigos. E o Hamas que assassinou meu filho é meu inimigo, mas eu tenho que fazer a paz com meu inimigo. Então eu encontrei várias vezes integrantes, líderes do Hamas. E eu perguntei aos líderes e as pessoas comuns a mesma coisa: qual é a sua filosofia? Você quer destruir Israel? Você não vai conseguir. O que você quer? Continuar a luta entre Israel e vocês? Os dois lados vão sofrer, mas vocês vão sofrer dez vezes mais que os israelenses. Então qual é o alvo? E eles me disseram: o Fatah reconheceu Israel em 1992, 1993, e o que aconteceu desde então? A situação na Cisjordânia e em Gaza ficou muito pior do que era antes de o Fatah reconhecer Israel. Dizem que não fizemos nada, que jogamos com Arafat, que não fizemos a paz com Arafat. Nós — eles dizem, o Hamas — não queremos jogar o mesmo jogo. Primeiro nos reconheçam como Estado Palestino. Depois de nos reconhecerem, aí vamos conversar. Não vai ser automático. Temos que atuar nos dois lados, dar os passos para estabelecer a paz real entre os dois povos. Mas eles me disseram: nós, o Hamas, queremos paz, mas não queremos por partes. Não queremos que de um lado vocês construam assentamentos e do outro vocês falem de paz. Não é assim. Não queremos que vocês joguem conosco como jogaram com o Fatah. Aí você tem a resposta.

Leila Sterenberg — E como o senhor vê o novo capítulo nas relações entre os Estados Unidos e o Irã?
Yitzhak Frankenthal — Eu não sou um expert em Irã e bomba atômica. Mas acho que houve cerca de 40 anos de Guerra Fria entre a União Soviética e os Estados Unidos, cada um fez alguns milhares de bombas atômicas. E se um deles usasse uma bomba atômica, seria destruído. Então eu acho que está OK se o Irã fizer bombas atômicas. A propósito, vão fazer de qualquer jeito. E o que tem que ser dito aos iranianos? Se você usar uma vez uma bomba atômica, o Irã acaba. Então eu não acho que os iranianos sejam idiotas. São seres humanos como você e eu.

Leila Sterenberg — Pelo menos parte das suas ideias não provoca um nível considerável de oposição ou desconforto dentro de Israel e fora do país?
Yitzhak Frankenthal — Eu não estou querendo provocar empatia ou ser amado pelas pessoas. Eu perdi meu filho. Eu tenho outros quatro filhos, oito netos. E eu estou lutando por eles. Eu estou lutando pelos filhos de cada um. Porque o conflito entre israelenses e palestinos criou muitos problemas em todo o mundo. Então temos que acabar com ele.

Leila Sterenberg — O senhor tem amigos palestinos?
Yitzhak Frankenthal — Muitos. Eu também tenho colonos que são muito meus amigos. Eu celebro todo ano o Dia da Independência num dos assentamentos, porque eles são pessoas maravilhosas, os colonos. Eles têm uma posição errada, cometem um erro, mas são pessoas maravilhosas. As pessoas têm medo. Passamos 2000 anos na diáspora, sofremos o Holocausto, sofremos nas guerras com o mundo árabe. Nós israelenses sofremos com o terror palestino, com as baixas israelenses provocadas pelos palestinos. Então os israelenses têm razões pra ter medo, não há dúvida quanto a isso. Mas devemos deixar o medo nos conduzir? Devemos estar atrelados ao conflito por medo, por ódio, por desespero? Não. Devemos firmar a paz. Precisamos dar às nossas crianças e às crianças palestinas a chance de viverem da forma certa — de forma pacífica. E também tentar trazer o judaísmo para o lugar certo. Porque o que está acontecendo hoje: o sionismo está destruindo o judaísmo.

Leila Sterenberg — É mesmo? Por quê?
Yitzhak Frankenthal — Porque aqueles sionistas… Eu sou sionista, mas aquelas pessoas estão se intitulando “sionistas” e estão criando mais um assentamento e mais um assentamento. E isso cria uma crise terrível entre israelenses e palestinos. Pessoas são mortas por causa disso, nos dois lados. Por quê? Porque Deus prometeu a Abraão, Isaac e Jacó que teríamos o Estado Judeu em Israel. Mas Deus nos livre! Ninguém disse que precisamos perder gente para isso.

Leila Sterenberg — É sacrifício humano no fim das contas.
Yitzhak Frankenthal — Claro. Então, parece que o judaísmo destrói o judaísmo, o sionismo destrói o judaísmo! E onde estão os valores judaicos? Amar um ao outro, respeitar um ao outro. Respeitar os outros! Tantos mandamentos temos na nossa tradição. Respeitar o outro, amar o outro. Amar aparece três vezes: amar a Deus, amar a sua fé, amar os outros. Está três vezes na Bíblia. Inacreditável.

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